As mulheres de César e a ética
republicana
É possível que geneticamente a
família César seja atraída por cargos de nomeação política tal como as abelhas
são atraídas pelo pólen?
João Miguel Tavares
15 de Junho de 2017, 6:42
Às vezes nós somos injustos. Achamos que todos os amigos e
todos os familiares dos políticos importantes só chegam onde chegam graças a
cunhas, nepotismo ou — como se costuma dizer na minha terra — a um “olhamento”.
Como todas as generalizações, esta também é muitas vezes abusiva. Nem todos os
filhos sobem na vida à custa dos pais, dos irmãos ou dos tios. Ninguém diz que
Miguel Sousa Tavares só chegou onde chegou por ser filho de Sophia de Mello
Breyner e Francisco Sousa Tavares. Que Daniel Oliveira é quem é por ser filho
de Herberto Helder. Ou que Ricardo Costa só é alguém no jornalismo por ser
irmão do primeiro-ministro.
Há famílias extraordinárias que produzem descendência
brilhante, seja por culpa dos genes ou da formação, como é o caso dos Lobo
Antunes. E quando, por algum acaso do destino, nós conhecemos as pessoas que
são publicamente reduzidas ao epíteto de “filho de”, “irmão de”, “amigo de” ou
“namorada de”, com frequência sentimos o peso dessa injustiça. Por exemplo,
recordo-me muito bem de há alguns anos João Taborda da Gama ser apresentado nos
jornais como “o filho de Jaime Gama” — e eu, que lhe conhecia o brilhantismo, a
originalidade e o talento, achei que era uma simplificação totalmente
imerecida.
Ontem, a propósito do meu texto “Uma cultura política
lastimável”, recebi uma mensagem de alguém próximo de Diogo Lacerda Machado
(não se assustem: não foi o primeiro-ministro) profundamente indignado com as
minhas palavras. Quem escreve nos jornais recebe muitas manifestações de
desagrado, e fica rapidamente imune ao hate mail. Mas não era um desses casos:
havia ali um sentimento genuíno de injustiça, por eu estar a pôr em causa um
homem que essa pessoa considerava (dando argumentos para isso) como
absolutamente honesto, trabalhador e dedicado à causa pública. É possível que
tenha toda a razão, e não possuo quaisquer provas em contrário. O problema está
na dificuldade em separar a nomeação por mérito da nomeação por favor em
relações pessoais ou familiares que envolvam cargos públicos. Como é que se
distingue? Onde é que se traça a linha?
Nem por acaso, na mesma altura que recebia aquela mensagem,
o Observador publicava novos desenvolvimentos da história da família de Carlos
César. Já há algum tempo que a comunicação social chamara a atenção para a forma
como o clã César se expandia pelos mais variados ramos da administração
pública. Quase todos os familiares directos do líder parlamentar do PS estão em
cargos de nomeação ou eleição política. A mulher. O filho. A nora. O irmão. E,
agora, a sobrinha, contratada pela Gebalis (empresa municipal de Lisboa) depois
de sair da Junta de Freguesia de Alcântara (do PS, claro). O i contava ontem
que até já circulam anúncios pela Internet: “Procuro alguém solteiro da família
de Carlos César para relação séria.”
É possível que geneticamente a família César seja atraída
por cargos de nomeação política tal como as abelhas são atraídas pelo pólen?
Teoricamente, sim, mas enquanto não se faz a investigação científica, importa
fazer a análise política. E essa análise, como é óbvio, não pode ser favorável
a este tipo de procedimentos. Claro que qualquer pessoa que critica tais
situações corre o risco de ser injusta
com pessoas competentíssimas. Mas o que se perde nas injustiças pontuais
ganha-se na exigência geral. Até porque quem é realmente bom naquilo que faz
não precisa de favores de papás, mamãs, tios ou amigos para vir a ser alguém na
vida.
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