sexta-feira, 9 de junho de 2017

Mexia, o último dos gestores (públicos) / O lobby da energia: carrasco ou vítima?


Mexia, o último dos gestores (públicos)

Helena Garrido
8/6/2017, 7:37

A vida para além do défice público é ainda pior. A história da EDP é mais um exemplo do preço que pagamos pela indisciplina financeira. A corrupção pode não existir, mas prospera nestes ambientes

António Mexia é o último dos gestores-estrela a ser enleado nas redes da justiça. Ricardo Salgado, Henrique Granadeiro, Zeinal Bava e agora António Mexia. As estrelas da gestão foram caindo em menos de uma década, todas elas ligadas directa ou indirectamente a Ricardo Salgado e a negócios com o Estado. As nossas empresas e bancos de referência foram construídas pelo Estado e os seus gestores caem do pedestal quando o Estado ficou sem dinheiro.

Pouco ou nada sabemos sobre o caso EDP, nomeadamente as razões que levaram o Ministério Público a considerar que estão “em causa factos susceptíveis de integrarem os crimes de corrupção activa, corrupção passiva e participação económica em negócio”. Sabemos apenas que estão constituídos sete arguidos, entre os quais o presidente da EDP António Mexia, na sequência de investigações desencadeadas por uma denúncia anónima sobre os CMEC (Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual), os tais das designadas rendas excessivas. A origem desses contratos, que já fizeram correr muita tinta, vão desde a “preparação” da EDP para a privatização até à sua igualmente “preparação” para a liberalização do mercado da energia. Foram sucessivas correcções de heranças de dívidas.

A tinta que correu sobre o assunto até agora esteve sempre relacionada com a racionalidade dessas compensações dadas à EDP: eram ou não excessivas? E sendo excessivas podiam ser consideradas ajudas de Estado? A Comissão Europeia disse não a essa pergunta. Mas o tema manteve-se, até porque o parecer inicial da ERSE sobre o assunto, com data de 2004, apontava para compensações excessivas que acabaram por ser reforçadas, quando a legislação é depois regulamentada em 2006. O caso é de tal forma intrincado politicamente e complexo financeiramente que nem na era da troika se conseguiu reduzir essas compensações, pagas à EDP, e que explicam a elevada tarifa de energia paga suportada pelos consumidores portugueses.

Toda a história recente da EDP é um longo novelo de cumplicidades políticas e financeiras, sem que nunca se tenham encontrado razões criminais. Tal como aconteceu com praticamente todas as empresas públicas que foram vendidas, a privatização da EDP passou por uma fase prévia de “engorda” ainda na era de Aníbal Cavaco Silva, altura em que nascem essas compensações (com a designação de Contratos de Aquisição de Energia).

O mau estado das contas públicas explica em larga medida a embrulhada em que nos meteram os sucessivos governos neste caso da electricidade. Num processo totalmente transparente, o Estado teria calculado quanto valiam os CAE e compensado de uma só vez a EDP. Assim se acabava com a herança e se entrava realmente num mercado liberalizado. Mas não havia dinheiro na altura como não houve na era da troika, como nunca há. E, na prática, estamos a pagar um imposto que, em vez de entrar para os cofres do Estado, entra para os bolsos dos accionistas da EDP que foram salvando as contas públicas várias vezes – a última foi com a venda aos chineses da Three Gorges, a que se soma a prorrogação da concessão de barragens na era de Sócrates, sem concurso público, e ainda o modelo generoso dos CMEC.

É por isso que, lamentavelmente, Eduardo Catroga tem razão quando diz que o Estado vendeu a empresa com essas rendas – os accionistas pagaram um valor mais elevado ao Estado que lhes garantiu uma taxa de lucro mais alta paga pelos consumidores. É muito mais fácil para os políticos do que aumentar impostos: a cobrança é feita por outros ao longo do tempo para se ressarcirem do que deram ao Estado de uma só vez. E o Governo da altura até se pode vangloriar de ter vendido a empresa a bom preço.

É mais um dos preços que pagamos por ter um Estado financeiramente indisciplinado. E neste caso vai directamente ao coração da economia, ao aumentar os custos da energia, um dos pilares da competitividade. As distorções provocadas são enormes e naturalmente empobrecedoras de um país.

Mas o que está agora em causa é mais do que isso, é a suspeita de que em paralelo com esse negócio entre o Estado e os privados houve corrupção. Não conhecemos as razões. Mas com mais este caso, assistimos ao desmoronar de toda uma elite de gestores nascida e crescida com a liberalização da economia portuguesa. António Mexia era o último dos gestores, dessa era, ainda em funções.

Representam uma geração de gestores que eram simultaneamente estrelas e que importaram do mundo anglo-saxónica o mantra da defesa dos interesses dos accionistas e a política dos salários e bónus elevados. Há todo um passado do papel da empresa enquanto comunidade e peça da sociedade que é esquecido ou substituído por políticas de responsabilidade social.

A coincidência da queda desses gestores-estrela com o colapso financeiro do Estado reforça a tese de que essas empresas mediáticas, como a PT, a EDP e o BES nasceram e desenvolveram-se à custa das necessidades financeira do Estado. Que os gestores-estrela deixam de ser geniais quando o Estado deixa de conseguir fazer esses negócios, em que recebe hoje dinheiro que eles vão cobrar nas suas empresas ao longo dos anos.

A vida para além do défice foi ainda mais grave, feita de dinheiro que o Estado foi buscar às empresas que privatizou para depois nós pagarmos aos seus accionistas, sob a forma de tarifas da electricidade ou perda das nossas poupanças. Uma promiscuidade destas é amiga da opacidade e alimenta todas as suspeitas. António Mexia é vítima de António Mexia. Como o foram Ricardo Salgado, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava. Vítimas da ganância e de se terem convencido que eram de facto gestores geniais quando boa parte do tempo estiveram a trocar dinheiro que entregaram ao Estado no presente por rendas ao longo da sua vida de gestores. Para nossa salvação, as empresas têm-se revelado muito melhores que os seus gestores.

O lobby da energia: carrasco ou vítima?

A questão que se deverá colocar é a de se saber se as empresas cotadas podem continuar a brincar com os portugueses (e com a Justiça) e até quando.

Francisco Teixeira da Mota
9 de Junho de 2017, 6:55

O que quereria dizer o ex-ministro Eduardo Catroga, na conferência de imprensa convocada pelos responsáveis da EDP para darem explicações sobre o processo criminal que se abateu sobre aquela empresa, ao afirmar que “não se brinca com as empresas cotadas”?

A leitura mais evidente foi a de que estava arrogantemente a recriminar/ameaçar o Ministério Público (MP) por ter ousado incomodar a excelsa EDP e os seus dirigentes com um processo crime que não tem qualquer sentido já que tudo foi feito dentro da lei e os negócios que estão em causa não aumentaram, antes pelo contrário, fizeram diminuir os rendimentos a que a EDP tinha direito.

Apesar de esta narrativa enunciada na conferência de imprensa, em que o lobby energético não é um lobo mas um carneiro, não pareça muito crível, poderá, de facto, ser assim: o MP tem uma mão cheia de nada, num processo crime aberto a partir de uma denúncia anónima, respeitante a uns já velhos acordos de compensações financeiras celebrados entre o Estado e a EDP e, para evitar prescrições, decidiu constituir uma molhada de arguidos.

Na verdade, o processo respeita a questões já ocorridas há bastante tempo. Terá sido uma denúncia anónima que deu origem ao processo e a constituição de arguidos, nos termos da lei, interrompe o prazo de prescrição, o que sempre poderá ser muIto conveniente para o MP manter o processo em lume brando. Mas será só isso?

O comunicado emitido pelo MP limita-se a referir que o inquérito tem como objeto “a investigação de factos subsequentes ao processo legislativo bem como aos procedimentos administrativos relativos à introdução no setor elétrico nacional dos Custos para Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC)” e que estarão em causa “factos suscetíveis de integrarem os crimes de corrupção ativa, corrupção passiva e participação económica em negócio”.

Seria de esperar que na conferência de imprensa, convocada pelos responsáveis da EDP, se percebesse melhor o que está em causa uma vez que o processo não estará sob segredo de justiça e que a constituição de arguidos implica, nos termos da lei, que haja fundadas suspeitas da prática de crime pelos mesmos. Mas na conferência de imprensa, o responsável máximo da EDP, para além de se referir a questões técnicas, limitou-se a garantir que todos os negócios que estão em causa respeitaram a lei e já foram escrutinados por inúmeras instâncias, europeias inclusive. Em conclusão: os responsáveis da EDP nada terão encontrado no processo que justifique sequer a existência do próprio processo.

Estarão, assim, os responsáveis pelo inquérito criminal a brincar com uma empresa cotada, como sugeriu o ex-ministro? E, ainda, por cima uma das maiores empresas do nosso país? E terá sido só por desfastio, que constituíram como arguido o presidente do conselho administração em exercício dessa poderosa empresa?

Não é assim que pensam inúmeras pessoas presumivelmente bem informadas e providas de capacidades de raciocínio seguramente não desprezáveis; se lermos os mais diversos jornais nacionais e, mesmo as televisões, constatamos muitas vozes e de diferentes sectores de opinião, que não ficaram satisfeitas com as explicações dadas na conferência de imprensa, apontando a profunda irracionalidade que representam as elevadas rendas pagas à EDP pelo Estado e manifestando a expectativa que da investigação surja algo de mais substancial.

No fundo, há duas hipóteses: ou o MP não tem nada de grave no processo e teremos uma lamentável entrada de leão e saída de sendeiro ou, então, estamos a assistir a uma réplica de grande intensidade do violento terramoto político e social que, a partir de 2014, expôs publicamente e abalou uma parte central da complexíssima rede de negócios e interesses e de circulação de lugares e cargos em que o poder político nacional, depois do 25 de Abril de 1974, ficou capturado. A ser assim, a questão que se deverá colocar é a de se saber se as empresas cotadas podem continuar a brincar com os portugueses (e com a Justiça) e até quando.


Quanto ao episódio do professor Manuel Pinho e da sua cátedra na Universidade da Columbia, o mesmo seria cómico se não fosse insultuoso para os portugueses que pagam uma das electricidades mais caras da Europa.

Sem comentários: