“Fecham -se” dois ciclos . O de
António Mexia e de Guta Moura Guedes.
Exemplos de uma promiscua relação com
o Poder em Portugal?
Imagens de OVOODOCORVO / OVOODOCORVO
O fim da bienal de design de Lisboa é
"um acto de maturidade"
Guta Moura Guedes extingue
ExperimentaDesign quando ela atinge a maioridade e quando nasce uma bienal de
design do Porto. "Um ciclo fecha-se em todas as dimensões, inclusivamente
na financeira."
JOANA AMARAL CARDOSO 8 de Junho de 2017, 18:29
Acabar com a bienal ExperimentaDesign foi um “acto de
maturidade” mas também uma “atitude muito difícil, muito exigente”, diz a
presidente da associação que a organiza há 18 anos. A notícia surgiu três dias
antes do anúncio de uma nova bienal de design no Porto e Matosinhos. Não houve
uma passagem de testemunho, diz Guta Moura Guedes, rosto da bienal que nasceu
em Lisboa em 1999 como uma excepção no panorama internacional e que nos últimos
anos denotava desgaste e problemas de bastidores. A curadora poderá ter uma
ligação com o evento a Norte, mas o seu foco será a “nova filosofia” da
associação ExperimentaDesign, que sobrevive ao fim da bienal e que, diz,
deixará as contas “completamente fechadas”.
O fim da bienal ExperimentaDesign, projecto emblemático de
um período em que o design enquanto disciplina e prática cultural ganhou maior
visibilidade em Portugal, foi anunciado há duas semanas. Mas fora formalizado
já há ano e meio junto dos ministérios e autarquias com os quais havia
protocolos e parcerias. Duas dessas autarquias eram precisamente Matosinhos e o
Porto, que a edição de 2015 da bienal lisboeta já tinha abraçado como palco de
parte da sua programação — o curador geral de uma das suas exposições-chave foi
José Bártolo, investigador da Escola Superior de Artes e Design de Matosinhos,
que é agora o curador geral da Porto International Design Biennale.
Por que é que continua a fazer sentido uma bienal de design
de vocação internacional a norte mas já não em Lisboa? Além da conhecida
presença de ensino e actividade do sector na região, abriu-se agora um espaço
para a cidade do Porto perseguir um “interesse natural em ter mais eventos
internacionais que a promovam”, identifica Guta Moura Guedes — a Experimenta
“teve um papel determinante” na actual projecção da capital, compara a
responsável, “ajudou a construir uma imagem e uma força em Lisboa”.
A primeira ExperimentaDesign foi em 1999, num momento em que
“não havia nenhuma plataforma com o objectivo de discutir o design do ponto de
vista internacional partindo da perspectiva da cultura”, recorda Moura Guedes.
Hoje, “são mais de 60 eventos de design” pelo mundo e “o sentido de inovação
que a EXD tinha em 1999 foi-se perdendo” — “o modelo está correcto”, explica,
“mas já não é uma coisa que nos entusiasme”, diz sobre a associação, cujas
equipas de apoio são em muito distintas das que a rodeavam na sua primeira década.
Entretanto, Bártolo e o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira,
convidaram-na e à Experimenta a “estar envolvidos na criação” da nova Biennale.
A sua resposta? “Não quereria ficar ligada à bienal a não ser em dois pontos”,
a equacionar pela nova organização: “a manutenção dos Prémios Nacionais de
Design” e o directório de design português D/Pt, site criado no Ano do Design
Português (2014/15), de que foi comissária.
Guta Moura Guedes já falava no esgotamento do modelo da
Experimenta em 2013. Mas rejeita que a programação se tenha tornado menos
ambiciosa nas últimas edições, coincidentes com tensões internas e com o
acumular de um passivo que há três anos situou, na revista Visão, nos 350 mil
euros – a revista citava números acima dos 800 mil euros. Houve diferendos em
tribunal com funcionários e perduraram queixas sobre dívidas. A crise
financeira “não tem reflexos na qualidade do programa”, defende a responsável.
“Tem reflexos, acima de tudo, na quantidade e nas possibilidades de
aprofundamento de alguns temas.”
Na nova vida da associação, que se manterá como entidade sem
fins lucrativos, Guta Moura Guedes fala da necessidade de uma “outra
metodologia de financiamento” e mantém em aberto para o futuro outros formatos,
da empresarialização ao modelo de fundação. Questionada pelo PÚBLICO sobre esse
passivo, conflitos e sobre que impacto terá o fim da bienal nas contas da
associação, a sua presidente disse que “ficam solucionados. Até Outubro de
2017”, quando termina a 10.ª e derradeira edição da bienal, “está tudo fechado
relativamente a contas que a Experimenta possa ter em aberto relativamente a
qualquer questão financeira”. “Nunca fecharíamos um projecto sem fechar todas
as dimensões do projecto, inclusivamente a parte financeira.” A situação financeira
da associação coincidiu com a sua transformação interna, diz, e “demorou uns
seis anos a ser resolvida”.
Ao longo de 18 anos, a ExperimentaDesign recebeu oradores da
sua família alargada, como os arquitectos Frank Ghery, Peter Zumthor, Alejandro
Aravena e Eduardo Souto Moura, tocou gerações do design português como a de
Fernando Brízio e Miguel Vieira Baptista, e trouxe a Portugal designers de
perfil internacional como os irmãos Campana, Hans Maier-Aichen, Ron Arad,
Stefan Sagmeister, Philippe Starck, Konstantin Grcic ou Marcelo Rosenbaum –
1883 convidados, diz a organização, e mais de um milhão de visitantes em nove
edições. Guta Moura Guedes foi também ocupando vários cargos, no comissariado,
como programadora (AllGarve) ou administradora (CCB). É co-fundadora, em 2016,
da ALTA_International Creative Alliance, da qual se considera apenas “mentora”
e que, diz, não é uma empresa da Experimenta, embora tenha feito vários
trabalhos a ela associados, nomeadamente para os projectos Primeira Pedra (para
a Assimagra), para a corticeira Amorim ou no Ano do Design Português.
Foi nesse ano que Guta Moura Guedes começou a aproximar-se
do mar como tema, central no futuro da associação Experimenta — claramente
focado numa das unidades que a associação cultural sem fins lucrativos mantém
há anos, a consultoria de negócios. Querem actuar agora “na colocação de
Portugal como um player importante e pioneiro num diálogo entre o design e a
economia do mar”, num projecto que não detalha para além de indicar que
“envolve universidades, os países nórdicos, Inglaterra e Espanha”. A
Experimenta quer continuar a trabalhar materiais “com competência industrial”
em projectos como a cortiça ou a pedra e também o “design thinking, o design
estratégico”; planeia há anos um trabalho com as bordadeiras da Madeira,
exemplo de “microclusters de competências artesanais onde queremos introduzir o
design como veículo de inovação e de reposicionamento”, diz a presidente da
associação.
Nos últimos dois dias de Setembro, a 10.ª e última
ExperimentaDesign será “uma festa”, descreve, que passará pela revisão dos
temas lançados ao longo dos anos e por um livro com a sua história. A sua
programação deverá ser anunciada este mês.
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