Fecho iminente da estação de metro de
Arroios deixa comerciantes preocupados
POR O CORVO • 20 JUNHO, 2017 •
De mãos enterradas numa bandeja de bifanas a exalar tempero
e ainda por fritar, Fernando Correia vai fazendo contas à vida. À sua e à dos
outros quatro empregados da Ribeirão Preto, a casa de pasto que gere há 11
anos, e está situada num dos cantos da Praça do Chile, mesmo ao lado da saída
nascente do átrio norte da estação de metropolitano de Arroios. O fecho desta,
a partir de 19 de julho e por um período mínimo de 18 meses, para obras de
alargamento e requalificação, era coisa de que já havia ouvido falar de forma
remota, confessa, mas estava ainda longe de ver como real.
“É mesmo assim?”,
pergunta, enquanto os olhos parecem perder-se num ponto imaginário situado
algures depois da porta do estabelecimento. “Vamos ver como será. Passam aqui
muitas pessoas por causa do metro, claro. Grande parte dos nossos clientes são
passageiros. Isto pode levar a uma quebra da facturação entre 60% a 70%”, diz.
Na zona em redor da estação, mas sobretudo na Rua Morais Soares, cresce a
preocupação com os tempos que se avizinham, a um mês do encerramento. Ao ponto
de ter levado ao ressuscitar de uma quase moribunda associação de comerciantes
locais.
Quase toda a gente já
ouvi falar, por ali, do há muito programado encerramento da estação de metro de
Arroios, que depois de profundas obras poderá acolher composições com seis
carruagens – embora, para alguns tal cenário ainda se lhes apresente como uma
genuína notícia. “Isto já não é o que era, mas olhe que uma coisa dessas é bem
capaz de ter impacto. Depende se meterem autocarros, mas já ouvi tanta coisa,
que não sei”, afirma, atarefada com a arrumação de cabidos, a empregada de uma
loja de roupa, localizada paredes-meias com a Ribeirão Preto.
Embora um rápido
inquérito junto dos lojistas permita verificar o quão diversos são os níveis de
conhecimento sobre a radical, embora temporária, alteração dos hábitos de
mobilidade anunciada para a zona, percebe-se que a apreensão sobre o futuro
próximo dos negócios é um sentimento comum – apesar de haver também quem se
diga nada preocupado. Certo é que são já vários os comerciantes a pedir a
tomada de medidas que mitiguem o impacto do encerramento da estação localizada
numa das áreas mais densamente povoadas da capital.
“É claro que estou preocupada. Eu e toda a gente. Isto vai
ser complicado, vai ter um grande impacto no comércio aqui desta zona”, afirma
a O Corvo Ana Silva, com a autoridade dada por três décadas atrás do balcão do
pronto-a-vestir Condestaque, situado na parte de baixo da Rua Morais Soares,
artéria com um forte densidade comercial, mas que já viu melhores dias. Ana
acredita que o fechar de portas, por um período tão longo, deverá constituir um
rude golpe no já de si decrescente movimento comercial. O assunto tem ocupado a
mente dos patrões, que já têm tido conversas sobre ele com outros donos de
lojas da zona.
Em abril passado,
vários empresários da rua reuniram-se para debater a melhor forma de lidar com
o problema e terão contactado as juntas de freguesia de Arroios e da Penha de
França – circunscrições territoriais entre as quais se divide a Morais Soares
-, dando conta da sua imensa preocupação com os esperados efeitos de uma
provável queda abrupta de circulação de pessoas naquela área – “Vamos ter uma
descida na facturação, sim. Estou preocupado”, confessa Abdul Gafar, da
papelaria Isabasa. Tais receios terão levado os comerciantes a pedir,
recentemente, uma clarificação da Câmara Municipal de Lisboa (CML) em relação à
necessidade da adopção de medidas de contingência.
Isso mesmo é
confirmado por Jorge Santos, gerente da conhecida mercearia Japão, já a fazer
contas aos prejuízos antevistos. “Estamos extremamente preocupados com que aí
vem. A maior afluência de clientes é de pessoas que passam a caminho dos
transportes públicos”, avisa, acrescentando críticas à Câmara de Lisboa por
“deixar abrir todo o tipo de lojas”. “A concorrência é cada vez maior e isto
não vem ajudar”, diz o responsável pela gestão de uma loja que fará um século
de existência em 1918 e cuja média diária de clientes oscila entre os quatro e
os cinco mil.
Algo que, teme,
poderá mudar substancialmente, muito em breve. Mesmo o prometido reforço das
ligações de autocarros, para minorar o efeito desta interrupção de um dos
principais pontos da linha verde do metro, está longe de deixá-lo descansado.
Até porque, diz, dando voz a um temor generalizado: o de que os trabalhos
venham a derrapar no tempo, prolongando o prazo para a sua conclusão e consequente
regresso à normalidade. “Sabemos bem como estas coisas são. Dizem 18 meses, mas
isso pode ser dois anos, dois anos e meio ou até mais”, ouve-se amiúde entre
lojistas.
Tais preocupações
levaram ao reactivar da Associação de Comerciantes da Rua Morais Soares, que
estava semi-adormecida, reconhece o responsável técnico de uma farmácia daquela
artéria. “Obviamente, isto vai baixar muito. Estas obras são necessárias, sabemo-lo
bem, mas tem que haver alguma sensibilidade. Há várias exemplos de ruas, em
várias cidades, que entraram em obras e os comércio tiveram que fechar. Mesmo
aqui em Lisboa. Veja-se o caso do Areeiro, que era uma zona cheia de vida e viu
o comércio ser morto por aquelas obras que nunca mais acabam”, diz o
responsável, preferindo manter-se sob anonimato. A “aceleração do calendário
das obras” e a concessão de “subsídios” para apoio aos comerciantes são
sugeridos como possíveis saídas.
As eventuais medidas de alívio dos prejuízos, no entanto,
não serão suficientes para evitar o fecho por parte de algumas lojas. É o caso
da Alfaiataria do Chile. “Acho que vai ser horrível. Olhe, vamos acabar por
fechar mais cedo, talvez já no próximo mês. Isto já estava tão mal”, desabafa
Anabela Vieira, 64 anos, funcionária da casa há já 41 anos. “A rua, que está
muito longe daquilo que foi em tempos, vai ficar morta”, profetiza sobre um
cenário em que sobreporão os efeitos do fecho da estação de metro com os que se
adivinham decorrentes daqueles previstos pelo início, em 2018, das obras de
requalificação do espaço público da Praça do Chile e da Rua Morais Soares, no
âmbito do programa Uma Praça em Cada Bairro. Haverá obras por todo o lado,
estaleiros sobrepostos.
Essa assume-se, de facto, como uma dor de cabeça acrescida
para muitos. Como é o caso de António Pimenta, dono de um quiosque de jornais
situado mesmo a meio do traçado da rua. O fecho da estação de Arroios
provocará, por certo, uma quebra de 20% a 30% nas vendas dos títulos de
imprensa, por estes dias já nada animadoras, mas António contempla com
verdadeira preocupação, isso sim, o começo dos trabalhos de reabilitação e
reperfilamento desta importante artéria comercial que liga a Praça do Chile ao
Alto de São João. Algo que até aqueles que não mostram apreensão com o efeito
do fecho da estação concordam. “As obras na rua é que vão ter muito mais
impacto na vida das pessoas”, diz a O Corvo Ana Matos, gerente da pastelaria
Flôr do Império.
Tanto assim é que há quem chame a atenção para o facto de
aquela ser uma área da cidade muito envelhecida. A conjugação das duas grandes
empreitadas tornará a vida dos idosos ainda mais difícil, avisam. “Vamos ter
pessoas que não vão sair de casa”, prognostica o tal responsável técnico de uma
farmácia. O mesmo diz Alexandra Canuto, empregada de uma loja de uma conhecida
cadeia de bejuteria, que teme também o impacto que o fecho da estação terá na
vida de muitos funcionários dos estabelecimentos comerciais e empresas da área.
Texto: Samuel Alemão
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