"Espero que o Braço de Prata não
seja só para pessoas especiais"
12 DE JUNHO DE 2017
00:49
Marina Almeida
Entrevista com o arquiteto italiano, Prémio Pritzker em
1998, numa altura em que, com 18 anos de atraso, o projeto Jardins Braço de
Prata, em Marvila, Lisboa, está finalmente a ganhar forma.
A entrevista estava combinada para as 12.30 "hora de
Paris" e às 11.30 em ponto, hora de Lisboa, o telefone tocou. Do outro
lado estava uma assistente do ateliê, que de imediato passou a chamada a Renzo
Piano. O arquiteto italiano surge bem-disposto do outro lado da linha.
"Vamos falar em inglês não é? Desculpe não poder falar em português,
gostava muito de falar português", diz o autor do projeto Jardins Braço de
Prata, em Marvila, Lisboa. O projeto data de 1999 mas sofreu vários atrasos, 18
anos. A obra avançou e já são visíveis os contornos do pedaço de cidade
idealizado pelo arquiteto italiano que assina, com Richard Rogers, o icónico
Centro Georges Pompidou, em Paris, e foi Prémio Pritzker em 1998. O
empreendimento, com uma área de 128 500 metros quadros, está implantado numa
área de oito hectares, no local onde funcionou a fábrica de material de guerra.
Uma zona industrial que agora ganha novas funções, em relação com o rio Tejo:
habitação, comércio e restauração. A ideia, diz Piano, que trabalhou com os
portugueses da CPU, é criar uma pequena cidade a partir da malha urbana
existente, que se desenvolve em torno de uma praça central.
Os primeiros 30 apartamentos de um total de 499 estão à
venda. Custam entre 550 mil (T2 com 151 metros quadrados) e 2,5 milhões de
euros (T5+1 duplex com 524 metros quadrados). Estão quase todos vendidos,
segundo o site de uma das empresas que estão a comercializar o empreendimento.
O arquiteto não comenta o facto de este ser um bairro de luxo, preferindo
realçar a ideia de local de encontro e novo destino da capital, com
restaurantes, bares e lojas na frente de rio. Em breve, Renzo Piano voltará a
Lisboa. A cidade que "adora" e onde não se importava de morar
"num pequeno apartamento", quando se reformar. Para já, quase com 80
anos (completa-os em setembro), gere um ateliê com 150 colaboradores, três
polos (Paris, Nova Iorque e Génova) com projetos em todo o mundo, o Renzo Piano
Building Workshop.
O projeto de Braço de Prata está finalmente em construção,
18 anos depois do projeto inicial...
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[o arquiteto interrompe com uma gargalhada] É verdade,
it"s ok. Sabe que o que acontece é que esses projetos, importantes para as
cidades, urbanos e com escala, demoram sempre muito tempo. E de certa forma não
é assim tão mau, porque se fores muito depressa podes fazer mais disparates
[risos]. Foi o presidente da Câmara de Lisboa João Soares, ele veio com o
Eduardo, foi no início, há muito tempo. Sim deve ter razão, 18 anos, porque o
meu filho mais novo tem 18 anos e, na altura, ele tinha acabado de nascer. O
projeto Braço de Prata tem a mesma idade do meu filho. Mas há sempre longas
histórias, quando fazes um edifício numa situação complexa, com relevância
urbana... a primeira vez que fui a Braço de Prata foi enquanto estudante e a
fábrica [de material de guerra] estava lá, fechada e toda esta zona do rio era
industrial. Essa transformação demora tempo, a mudança das cidades demora
tempo. Mas agora as coisas estão a avançar e espero que em poucos anos tenhamos
o trabalho completo.
Fez alguma alteração ao desenho inicial?
É essencialmente o mesmo. Desde o princípio que era uma rua
que descia este/oeste a colina desde a estação de comboios até ao Tejo. Desde o
início foi o conceito de uma pequena cidade com ruas, com uma praça no centro.
Claro que fizemos algumas alterações. Por exemplo, no princípio havia o plano
de ter o elétrico a atravessar mas agora já não temos. Essencialmente o projeto
continua o mesmo e também os materiais. Uma das coisas mais bonitas de Lisboa,
que é uma das minhas cidades preferidas do mundo, além do rio, do mar, das
colinas, são os materiais, as cerâmicas, os azulejos, que dão aos edifícios uma
essência especial, um brilho especial, há uma vida na pele cerâmica. Desde o
início quisemos usar não os azulejos tradicionais mas cerâmica, para ter este sentimento
brilhante quando se anda na rua, quando nos deslocamos. A orientação do espaço
é muito boa porque as ruas desenvolvem-se este/oeste, de manhã têm o sol de um
lado, à tarde do outro, há um interessante jogo de luz... Bem, essencialmente,
o esquema é o mesmo de há 18 anos, tivemos alguns problemas, mas temos de ser
pacientes. Em arquitetura temos de esperar.
Os azulejos dão aos edifícios de Lisboa uma essência
especial, um brilho especial. Há uma vida na pele cerâmica
A escultura de José de Guimarães [Lisboa - Aos Construtores
da Cidade, 1999] vai ser absorvida pelo projeto, deixa de ser uma rotunda como
até agora. Será uma espécie de porta de entrada desta pequena cidade que está
nascer em Braço de Prata?
Sim, é verdade que vai ficar no mesmo sítio. Sabe que eu
conheci o artista e conversámos. A obra de arte fica lá mas já não temos a
rotunda. É uma alegre obra de arte e deve ficar, faz parte do ambiente do
lugar. Isso foi também decidido logo no início, provavelmente há uns 16 anos.
Espero que possamos ter mais obras de arte no projeto, porque temos uma praça e
vamos manter parte do edifício da Tabaqueira, vamos manter uma parte da memória
do sítio. E é importante que a memória seja essencialmente o ritmo das ruas
porque é o mesmo que tínhamos antes com a fábrica, com a fábrica de Braço de
Prata, por isso vai ser a continuidade. Outra coisa são as árvores, trabalhámos
muito com a cidade de Lisboa esta questão. Foi um belo trabalho, mesmo com o
arquiteto encarregado da cidade... pode ajudar-me com o nome...?
O arquiteto Manuel Salgado, vereador do urbanismo?
Exatamente! Conheci-o em Lisboa, encontramo-nos de tempos a
tempos, é uma colaboração muito boa. Acho que Braço de Prata vai ser outra boa
aquisição para a cidade...
Veio muito a Lisboa nos últimos 18 anos? Quando foi a última
vez?
Estive aí no ano passado e devo voltar em breve. Eu vivo em
Paris, mas tenho um escritório em Nova Iorque, por isso viajo muito. Adoro
Lisboa. Estive em Lisboa provavelmente há seis/nove meses, algo assim. Lisboa é
um dos meus destinos. É uma cidade de água, claro, mas a vantagem é que tem
água salgada de um lado, mas quando subimos o Tejo encontramos água fresca
[risos]. É um sítio fantástico, dos poucos em que conseguimos ver a cidade em
bird view [olho de pássaro], das colinas. Poucas cidades têm sítios assim. Até
em Braço de Prata, não é alto mas subimos a colina e quando olhamos para baixo
estamos acima do nível da água, e é muito interessante. No projeto, usámos
materiais como por exemplo o lioz, pedra, para os pavimentos das ruas. Acho que
isso também vai dar um carácter especial ao local.
Adoro Lisboa. É um sítio fantástico. É um dos poucos onde
conseguimos ver a cidade em "bird view"
Uma vez que gosta tanto de Lisboa, não gostaria de viver no
centro da cidade ou mesmo em Braço de Prata, por exemplo?
Claro que sim. Eu digo a toda a gente que um dia quando isto
acabar gostava de ter um pequeno apartamento aí. Sabe, eu adoro o mar, sou um
marinheiro, enfim sou arquiteto mas os tempos livres passo-os todos no barco...
mas tem muita razão, é uma ótima ideia, os arquitetos devem amar os locais onde
constroem. Quando estive aí da última vez subi ao primeiro edifício [construído
no empreendimento] e penso que o ritmo e a localização são fantásticos. As
pessoas vão adorar viver ali, de certeza.
Sabe que vai ser um condomínio de luxo, as casas são muito
caras. Tem essa noção?
Eu não sei exatamente os preços, compreende que não é a
minha parte do trabalho. Mas espero que tenhamos um pouco de tudo. Talvez os
apartamentos maiores sejam mais caros, mas também espero que surja uma mistura
de pessoas, que não seja só para pessoas especiais. E tem as lojas nos pisos
térreos e os restaurantes e a atividade junto ao rio, esse mix de funções, de
níveis económicos que são essenciais para criar um bom recurso urbano. Creio
que vai ser o caso, não vai ser só para algumas pessoas. É esse o espírito com
que o projeto foi feito: ser um mix e tornar-se um destino. Além disso, temos a
frente de rio, que é grande, com restaurantes, bares, atividades. E também
temos uma piazza [praça] no interior, que acho que vai ser muito agradável.
Sabe, tudo sai da praça. Quando fazemos um projeto destes temos de começar numa
praça. Se observar os planos de corte do projeto, vê que os telhados têm um ângulo
tal que quando estamos na rua recebemos a luz. Essas superfícies são feitas de
material cerâmico, são brilhantes, e vão ter um tom azulado.
E tem um mercado coberto no antigo edifício da Tabaqueira?
Sim, o edifício da Tabaqueira deverá ser usado para criar
uma praça especial. Movemos alguns elementos do anterior edifício da Tabaqueira
para criar um mercado. Um mercado é um elemento muito interessante, é muito
urbano. É uma parte da centralidade do projeto. Com a praça, são os elementos
centrais, e é disso que precisamos para criar um espaço urbano, de sítios onde
as pessoas se encontrem e fiquem juntas. É esse o espírito do esquema.
Em que está a trabalhar agora?
Estou a trabalhar em muitas coisas. Em Paris terminou a
construção do novo tribunal, está quase construído, na Porte de Clichy. É muito
importante em Paris construir edifícios públicos na periferia. E temos também a
École Normale Supérieure, que é uma grande uni versidade, a sul da cidade. Em
Nova Iorque estamos a construir o novo campus da Universidade de Columbia, no
Harlem. Estamos a fazer o edifício da Academia de Hollywood, a academia de
cinema no centro de Los Angeles. Estamos a desenhar um hospital no Uganda,
junto ao Lago Victoria, é um projeto muito interessante. Estamos também a fazer
um museu em Istambul, junto ao Bósforo, um prédio em Viena, estamos a construir
uma escola na China, em Shenzhen. Não é mau...
Tem várias cidades do mundo na sua cabeça....
Não... sim.. [risos] mas devo dizer que adoro Lisboa e que
estou muito contente que Braço de Prata se torne uma realidade.
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