O Banco de Portugal e Bruxelas já
alertaram. Com os preços das casas a disparar, uma bolha imobiliária poderá
fazer tremer toda a economia do país.
Marta Velho 10.06.2017 / 09:00
O Prior Velho não é a Lapa, o Parque das Nações ou a Avenida
da Liberdade. Ainda. O crescimento imobiliário na capital do país está a fazer
nascer empreendimentos em locais anteriormente considerados como improváveis.
Ali, junto ao aeroporto, está o condomínio de luxo Garden Residence, com 63
apartamentos de T2 a T5+ 1, a partir dos 400 mil euros. Margarete Pereira está
a ponderar mudar-se com a família. “O mercado está muito dinâmico. Moramos numa
vivenda e vamos conseguir vendê-la a um bom preço, acima do que estávamos a
contar. Vir para aqui parece-me uma boa opção”, explica enquanto visita o andar
modelo do empreendimento. No ano passado, no cardápio de Hollywood, figurava A
Grande Aposta. O filme, nomeado para cinco Óscares, mostrava o nascimento da
crise do subprime que, em 2008, abalou o mundo. Na famosa cena na casa de
striptease, a personagem interpretada por Steve Carell questiona a dançarina
acerca dos seus créditos à habitação. “Posso sempre pedir um refinanciamento”,
diz-lhe ela. “Não, não podes. Se os preços das casas não subirem ficas presa a
essa mensalidade e não podes pedir mais dinheiro.” “Em nenhum dos meus
empréstimos?” “Estamos a falar de quantos? Dois em cima da mesma casa, certo?”
“Tenho cinco casas e um condomínio.” A resposta dá o mote para o alerta de
bolha imobiliária que conduz ao desenlace da história, baseada em factos
verídicos. Apesar de o sistema norte-americano ser diferente do europeu, a
especulação e as facilidades no crédito foram o fio condutor que levou à queda
do Lehman Brothers, propagando uma crise financeira, em efeito dominó, por
quase todo o mundo ocidental. Portugal nunca chegou a viver a bolha, ao
contrário de Espanha, que entre 1997 e 2007 viu os preços das suas casas
subirem 288%, de acordo com os dados de um estudo da Fundação BBVA e do
Instituto Valenciano de Investigação Económica. Quando estoirou, as pessoas
deixaram de conseguir pagar os seus empréstimos à banca, que se viu a braços
com uma carteira repleta de imóveis sobrevalorizados. O impacto na economia do
país foi violento fazendo o desemprego disparar para valores próximos dos 20%.
A retoma que a Europa tem recentemente assistido, para já, não preocupa
demasiado o Banco Central Europeu, no que diz respeito ao mercado imobiliário.
Mario Draghi, durante uma conferência em Madrid, no mês passado, afastou o
cenário de bolha especulativa. Mas reforçou a necessidade de uma vigilância
apertada para evitar surpresas desagradáveis para quem compra e para os bancos.
A valorização das casas em Portugal, sobretudo em Lisboa e no Porto, não tem
passado despercebida a Bruxelas. Ainda no mês passado, a Comissão Europeia
deixou o alerta: a subida dos preços no setor imobiliário português pode causar
desequilíbrios na economia do país. O Banco de Portugal também veio lembrar
que, se as taxas de juro, que se têm mantido em mínimos históricos, subirem, as
pessoas podem ficar sem capacidade para pagar os seus créditos. No Relatório de
Estabilidade Financeira relativo ao primeiro semestre deste ano, o regulador
português reconhece que ainda não se vive um cenário de bolha, mas receia que
“a atual conjuntura de maior crescimento económico, subida de preços no
imobiliário e maior concorrência entre instituições poderá propiciar uma menor
restritividade nos critérios de concessão de crédito [a famílias e empresas]”.
Os ingredientes para uma nova crise de malparado estão todos aí… Preços das
casas a subir Os dados revelados pela Confidencial Imobiliário, consultora de
análise de mercado imobiliário, indicam que a recuperação dos preços das casas
em Portugal, desde o mínimo do mercado, atingido em junho de 2013, está nos
14,3%. Ainda assim, os valores mantêm-se cerca de 3,8% abaixo dos níveis
observados em agosto de 2010, o ponto mais elevado do mercado desde que a
empresa começou a recolher informação. “Não há bolha imobiliária de nenhum
tipo. Existe Lisboa e Porto… e o resto. O país, no seu todo, está dentro da
normalidade. Os preços caíram muito a partir de 2011, cerca de 50%, e as
transações também. O mercado português está a evoluir, de forma tranquila, a
uma média de 3% por ano. As moradias, por exemplo, ainda não voltaram aos
preços de 2008”, explica Manuel Alvarez, presidente da Remax. Mas a realidade é
que a esmagadora maioria das famílias, sobretudo jovens, acabam por ser
empurrados para a periferia das principais cidades, onde as casas estão mais
baratas. “A dinâmica das casas está dentro do expectável”, defende Alvarez,
lembrando a lei da oferta e da procura. O problema é que “o mercado costuma
reger-se por duas variáveis: quanto ganha o português e quanto lhe empresta o
banco. Quando a procura vem de fora, essas variáveis alteram-se. Os
estrangeiros têm mais dinheiro, estão dispostos a pagar mais e nem sequer
recorrem à banca. Como agora Portugal está na moda, como já esteve Barcelona,
Paris ou Roma, os preços estão a disparar”. Nuno Mello, gestor da corretora XTB
partilha da mesma opinião. “Apesar dos preços exagerados em algumas cidades,
como Lisboa e Porto, não acho que haja para já uma bolha imobiliária”,
considera. “A subida dos preços em si não é propriamente um fator de risco, bem
pelo contrário, uma vez que significa um crescente investimento estrangeiro em
Portugal. Estamos, sim, a assistir a compras massivas por capital vindo de
fora”. Investir em imobiliário Só que não são só os estrangeiros que estão a
comprar casa em Lisboa. Há muitos portugueses que também o fazem. Uns para
morar e outros como investimento. “As pessoas já não confiam tanto nos bancos e
preferem aplicar as suas poupanças no imobiliário, sobretudo agora que veem os
preços a subir cada vez mais”, refere Nuno Rico, economista da Deco. No ano
passado, de acordo com os dados da consultora Worx, o investimento em
imobiliário ascendeu a 1300 milhões de euros. Os investidores estrangeiros
foram o grande motor do mercado de compra e venda de imóveis, representando 86%
do negócio, enquanto os nacionais se ficaram pelos 14% do total das transações.
Contudo, o responsável da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor não
é tão otimista em relação a uma possível situação de bolha imobiliária no país.
Lembrando que o número de famílias endividadas se tem mantido praticamente
igual ao da crise, alerta para os perigos do crédito fácil. “Depois de 2008,
houve uma mudança na oferta de créditos à habitação e os bancos subiram muito
os spreads. Facilmente chegavam aos 5%. A partir do final de 2014, começaram a
baixar. Hoje é fácil encontrar um spread de 1,5% a 2% e isso torna-se atrativo.
Mas se a Euribor subir, as pessoas podem deixar de conseguir pagar a
prestação”, alerta. Os analistas esperavam que os juros subissem nos primeiros
meses de 2018, contudo o BCE indicou esta semana que a retoma económica não
estava ainda a refletir-se na inflação e , por isso, não se espera uma subida
das taxas nos próximos meses. Ontem, a Euribor voltou a atingir mínimos
históricos, com o valor a seis meses, o mais usado em Portugal nos créditos à
habitação, a descer para uns negativos 0,264%. A agente imobiliária Lurdes
Neves indica que, dos dez apartamentos já vendidos no Garden Residence, a maioria
foi para portugueses. “Há também uns angolanos, mas é uma situação pontual.
Quem está a vir para aqui são famílias portuguesas, de classe alta, para
habitação própria. Muitas delas nem recorrem a crédito. Há várias situações de
pagamento a pronto”. Se Margarete Pereira decidir avançar com a compra de uma
casa naquele empreendimento do Prior Velho, também não conta pedir ajuda ao
banco. “O dinheiro da venda da nossa moradia servirá para o apartamento”.
Preços. Dinamismo do mercado afeta arrendamento O dinamismo do mercado
imobiliário está a afetar o arrendamento de longa duração. É cada vez mais
difícil encontrar casa nos centros urbanos e foram lançadas diversas petições a
apelar ao Governo para intervir. A que está na plataforma “Petição Pública”
recolheu já perto de 8.000 assinaturas. Ao Dinheiro Vivo, a autora – que pediu
anonimato – contou que está há quase dois anos em Lisboa e ainda não conseguiu
sair de casa de familiares. “Basta-me um quarto, até 350 euros, com despesas
incluídas, perto do metro, mas tem sido impossível. Tenho uma amiga que já
desistiu e regressou à terra dos pais”. Deco. Conselhos antes de aderir ao
crédito à habitação Leia com atenção a simulação feita pelo banco O documento
que a instituição bancária entrega aos clientes, com a simulação do crédito,
tem de indicar o valor da prestação, caso as taxas de juro aumentem. “É
importante verificar o valor máximo que pode atingir e ter consciência se o
pode ou não pagar”, explica Nuno Rico, da DECO. Tenha em atenção a taxa de
esforço A mensalidade da casa não deve ser superior a 35% do rendimento líquido
mensal da família. Pegue na calculadora e faça as contas. Se a mensalidade do
crédito lhe leva uma grande fatia so ordenado, é melhor procurar uma habitação
um pouco mais barata. Não olhe só para o spread O valor mais importante de um
crédito à habitação não é o spread, nem sequer a taxa de juro. Procure a TAER.
“É a taxa anual efetiva revista, ou seja inclui já todos os custos que estão
associados àquela contratação, como por exemplo custos de manutenção de conta
ou outros encargos exigidos. Esta taxa inclui tudo o que está implícito na
contratação do crédito e é o valor que deve servir de referência”, sublina Nuno
Rico. Veja os produtos cruzados Por vezes, um banco pode ter um spread atrativo
mas exigir-lhe a subscrição de determinados produtos, como seguros e cartões,
que podem acabar por encarecer o contrato. Tenha todos estes fatores em atenção
antes de se comprometer com qualquer instituição bancária. “Veja se os produtos
que estão incluídos na simulação são mesmo necessários ou se estão apenas a
encarecer o crédito”. Vá às suas poupanças O valor que vai dar de entrada para
a casa é de extrema importância. Com ele, vai conseguir aliviar a prestação
mensal e poderá ter ainda alguma margem negocial extra com o banco.
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