Uma cultura política lastimável
Lacerda Machado é apenas mais um
exemplo de que não há melhor currículo em Portugal do que ter bons amigos na
política.
João Miguel Tavares
13 de Junho de 2017, 6:11
Diogo Lacerda Machado reagiu às acusações de Pedro Passos
Coelho sobre a sua nomeação para a administração da TAP (“uma pouca vergonha” e
“uma nódoa na nova administração”, afirmou o líder do PSD), dizendo apenas:
“Não tenho vergonha, tenho orgulho.” Na verdade, não se justifica nem uma coisa
nem outra. Não se pode dizer que a nomeação de Lacerda Machado seja
propriamente vergonhosa, pois ele está no conselho de administração como
representante do Estado (diferente seria se os privados o tivessem contratado).
Mas também não há qualquer razão para ter orgulho: Lacerda Machado — tal como
Miguel Frasquilho, do qual pouco se tem falado — é apenas mais um exemplo de
que não há melhor currículo em Portugal do que ter bons amigos na política.
Pior do que Lacerda Machado acabar na TAP foi Ferreira do
Amaral ter acabado na Lusoponte, Pina Moura na Iberdrola ou Jorge Coelho (e
agora Paulo Portas) na Mota/Engil. Esta porta giratória entre público e privado
tem séculos e continua oleadíssima. A única forma de contê-la é diminuindo o
peso do Estado na economia. Só que tudo aquilo que a troika procurou separar
está o casamenteiro Santo António Costa a tentar de novo juntar. As reversões,
sejam elas nas escolas ou nos transportes, têm o efeito de reforçar o Estado,
efeito esse que é perfeitamente assumido pelo primeiro-ministro. E não é
possível reforçar o Estado sem os amigos de quem manda no Estado saírem
igualmente valorizados. É por isso que Lacerda Machado, aqui há uns meses, se
disponibilizou para trabalhar pro bono para o Governo — mais tarde ou mais
cedo, sabia que o pagamento iria chegar. Chega sempre.
Diogo Lacerda Machado, melhor amigo de António Costa, já
esteve envolvido no negócio do SIRESP (segundo o socialista António Galamba,
Lacerda Machado era advogado da Motorola, que integrou o consórcio vencedor) e
na compra dos helicópteros Kamov (terá sido júri no concurso). Esteve, já com
Costa como primeiro-ministro, envolvido na reversão da privatização da TAP, na
resolução do caso dos lesados do BES, e ainda no acordo do CaixaBank com Isabel
dos Santos para reduzir a exposição do BPI a Angola. Parece que ainda deu uma
perninha no dossiê dos lesados do Banif e na tentativa de constituição de um
“banco mau” para o sistema financeiro português.
Há mais. Revista Sábado, Abril de 2016: “Lacerda Machado é
também administrador da Geocapital, uma sociedade de investimento sedeada em
Macau e presidida pelo multimilionário Stanley Ho. O socialista Almeida Santos
era presidente da mesa da assembleia geral. A Geocapital foi parceira da TAP na
compra da Varig Engenharia e Manutenção, em 2005, mas dois anos depois saiu do
negócio. A entretanto apelidada TAP Manutenção e Engenharia é o activo do grupo
com mais prejuízos.” Eu admito que Lacerda Machado seja o Mourinho da
negociação em Portugal, mas pergunto-me se tal currículo seria possível sem as
amizades no PS e a confiança pessoal do primeiro-ministro.
Os socialistas sempre fizeram isto com especial à-vontade,
desde o tempo de Soares. Claro que a grande vantagem de Costa em relação a
anteriores primeiros-ministros é ele ser mais sério e ter amigos de melhor
qualidade. Lacerda Machado não é um Armando Vara. Mas isso não significa que a
informalidade com que tudo se desenrola não tenha custos profundos. É uma
péssima cultura política, cuja gravidade depende da hombridade de quem está no
poder. Se for um tipo honesto, passa. Se for um aldrabão, vamos todos ao fundo.
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