PJ na Gebalis para investigar
espionagem de equipa informática
A suspensão dos informáticos, de quem
a administração apresentou queixa-crime, e a contratação de um fotógrafo por 30
mil euros anuais estão na base da contestação de trabalhadores da Gebalis.
A administração da Gebalis, empresa municipal que gere os
bairros sociais em Lisboa, está debaixo de fogo da Comissão de Trabalhadores
(CT). Um dos pontos de confronto é o afastamento em bloco da equipa de
informática com acusações de “espionagem” a computadores da direção, que levou
a administração a apresentar queixa-crime e resultou numa visita da Polícia
Judiciária à empresa.
A empresa está a viver uma série de conflitos internos em
ano de autárquicas. A contratação de um fotógrafo por 30 mil euros anuais — que
também é o fotógrafo oficial da candidatura de um administrador da Gebalis à
Junta de Freguesia do Parque das Nações —, um ajuste direto a um gabinete de
advogados com ligações ao PS e denúncias de “assédio moral” têm motivado várias
queixas dos trabalhadores da empresa municipal. Também contestam a política de
contratações, como a de Inês César, sobrinha de Carlos César, noticiada pelo
Observador. O Conselho de Administração nega todas as acusações, ponto por
ponto.
Na sequência de uma auditoria forense — que terá comprovado
que três trabalhadores entraram indevidamente em computadores de vários
funcionários, incluindo no do presidente da Gebalis — a administração
apresenteou uma queixa-crime. Questionada sobre a presença da Polícia
Judiciária no edifício, a administração confirmou ao Observador: “A presença da
PJ nas nossas instalações decorreu da queixa-crime apresentada ao Ministério
Público pelo conselho de administração, após os preocupantes resultados da
auditoria aos sistemas de informação da empresa.” A versão dos trabalhadores
(dos envolvidos e da CT) é diferente.
O caso da “espionagem” informática
A atual administração instaurou processos disciplinares aos
cinco trabalhadores do Serviço de Sistemas e Tecnologias da Informação (SSTI),
num processo que começou por suspeitas de “acessos indevidos a computadores do
conselho de administração e de elementos que lhe prestam diretamente apoio”. No
entanto, a medida mais gravosa (o despedimento por justa causa) manteve-se para
apenas três trabalhadores no processo final.
O inquérito começou em janeiro e arrastou-se até 5 de abril,
quando os trabalhadores do Serviço de Sistemas e Tecnologias da Informação
enviaram uma carta à Administração da Gebalis, à Autoridade para as Condições
do Trabalho (ACT), à Comissão de Trabalhadores da Gebalis e aos sindicatos que
os representam (STML e STAL) a denunciar “coação moral em contexto laboral”.
Na carta, à qual o Observador teve acesso, os trabalhadores
do SSTI revelam que “desde o início do mandato desta administração, têm-se
registado constantes abordagens com vista no escrutínio de suspeições,
relativamente às condições de segurança dos Sistemas de Informação”. Os
trabalhadores pediam ainda a “necessidade de se acabar com o clima
intimidatório, perturbador, constrangedor e de suspeição indesejados que paira
indiscriminadamente sobre as pessoas que fazem parte desta equipa“.
Os mesmos trabalhadores contam que lhe foi transmitido que,
no relatório forense que administração fez ao departamento, havia suspeitas de
“infrações graves e geradoras de responsabilidade”. No entanto, foi-lhes negado
acesso ao documento por ser “interno e confidencial”. Na mesma carta, denunciam
ainda que todos foram convidados a uma espécie de confissão, sendo concedida,
por parte da administração, “a oportunidade a cada um dos elementos da equipa
para se pronunciar no prazo de 8 dias , de forma individual e presencialmente,
com vista a esclarecer e identificar — quem o fez? os motivos e/ou porque o
fez? a mando de quem o fez”. Isto, lamentam, foi feito “sem qualquer
salvaguarda dos meios instrutórios ou probatórios, e sem salvaguarda das
garantias e meios de tutela expressa e constitucionalmente previstos.”
Cerca de dois meses depois destas cartas, a 1 de junho os
trabalhadores foram suspensos e enviados para casa sem perderem o salário. Num
e-mail enviado aos funcionários da empresa, ao qual o Observador teve acesso, o
próprio presidente, Pedro Pinto Jesus, informa os funcionários que “os
trabalhadores ativos do SSTI, no âmbito de um procedimento disciplinar, foram
suspensos preventivamente das suas funções na presente data, sem perda de
renumeração”. Entre os cinco trabalhadores há dois precários e três que têm uma
longa carreira na empresa (20, 16 e 13 anos de casa).
Numa das notas de culpa, à qual o Observador teve acesso, é
dito que “é verdade que num contexto laboral existem situações de conflito, mas
isso não significa a existência de assédio moral”. A mesma nota de culpa
insiste que as acusações feitas pelo arguido são “atentórias da dignidade e do
bom nome dos elementos do Conselho de Administração da Gebalis” e que o facto
de ter enviada a carta aos sindicatos ainda torna as acusações “mais gravosas”.
Então acusa os trabalhadores de violarem de forma “grave e culposa” os “deveres
laborais de boa fé e de respeito e urbanidade”. Termina a dizer que “os factos
descritos, pela sua gravidade e consequências, são suscetíveis de integrar
justa causa de despedimento“.
Ou seja: os trabalhadores acabaram afastados a 1 de junho
não por espionagem, mas por se queixarem a entidades sindicais e públicas de
não conhecerem o objeto do inquérito de que são alvo.
Ao Observador, a administração insiste que repudia “as
acusações por tais asserções comportarem juízos conclusivos ou adjetivações sem
suporte factual” e sugere que os trabalhadores “apresentem provas de tais
acusações”. A administração diz saber muito bem “o que aconteceu e o que está a
gerar este mal-estar e consequente perturbação intencional da empresa.” Explica
então que “foram feitas auditorias aos sistemas de informação da empresa, uma
forense e outra de segurança ofensiva, que revelaram indícios suspeitos e
levaram este conselho de administração a apresentar uma queixa-crime no
Ministério Público. É este facto que tem gerado este desconforto, que se tem
traduzido nestas notícias falsas.”
Quanto à suspensão, o conselho de administração justifica-se
dizendo que “os trabalhadores violaram princípios e regras de conduta e foram
suspensos por esse comportamento, com manutenção da sua retribuição mensal
habitual”. E acrescenta que “dois desses trabalhadores já se retrataram.” A
Gebalis garante ainda que “0 processo decorre com normalidade, nos tempos e
locais apropriados, seguindo os trâmites legais protegidos pelo sigilo
inerente, estando os trabalhadores legalmente representados.”
A 2 junho a Comissão de Trabalhadores enviou uma comunicação
ao conselho de administração, onde expressava a “consternação pelos inusitados
e inesperados acontecimentos ontem ocorridos”. A CT considera a “ação muito
grave e lesiva do normal funcionamento da empresa, que durante os seus quase 22
anos de existência, e apesar de todas as vicissitudes ocorridas na sua
história, verificadas durante a gestão de várias administrações, ainda assim
nunca foi palco de uma suspensão coletiva discricionária de um serviço inteiro,
por atacado.”
A 7 de junho, a CT voltou a “expressar a sua preocupação com
os últimos acontecimentos, na sequência da suspensão coletiva dos trabalhadores
do SSTI”. Além disso, a comissão escreve à administração a dizer que “os
trabalhadores da Gebalis devem, igualmente, ser esclarecidos pelo Conselho de
Administração sobre os motivos da presença de trabalhadores da EMEL e da
Polícia Judiciária nas instalações da Gebalis, nomeadamente nos postos de
trabalho dos elementos SSTI que foram suspensos”. Isto porque, “são elementos
externos à Gebalis que, alegadamente, estarão agora com acesso a toda a
informação e dados da empresa e dos trabalhadores (aplicações, munícipes,
perfis, financeira, etc.), o que, naturalmente nos suscita alguma apreensão.”
Sobre a presença de técnicos da EMEL no edifício, a
administração explica que o “sistema e informações tecnológicas da empresa
estão devidamente acautelados e protegidos pelo apoio prestado, seguindo as
normas de conduta de segurança da informação” e que “os técnicos mencionados
encontram-se a garantir os serviços necessários ao normal funcionamento da
empresa, salvaguardando a proteção e segurança de todas as aplicações”.
O fotógrafo do administrador do PS que custa 36.900 mil
euros por ano
Outra das queixas dos funcionários — que se arrasta desde
dezembro — é o facto de terem sido realizados vários ajustes diretos que a
Comissão de Trabalhadores (CT) diz serem descabidos. Um deles é uma contratação
de um fotógrafo por 30 mil euros anuais ao qual acresce IVA (um custo total de
36 900 euros). Esse fotógrafo também presta serviços à candidatura de um
administrador da empresa, que concorre pelo PS a uma junta de freguesia.
A CT “estranha, nem consegue compreender, que se afigure
prioritário o ‘fornecimento e aquisição de serviços de registo, edição e
arquivo fotográfico’, quando há uma necessidade urgente e antiga de outros
recursos humanos em inúmeros departamentos da Gebalis”. Tendo em conta a “média
baixa de salários na Gebalis”, a CT considera “altamente imoral” o valor desta
aquisição de serviços, que pode chegar aos 110 700 euros, já que o contrato
pode ser prorrogado até 36 meses. O fotógrafo custa assim, 3.075 euros mensais
à Gebalis.
A administração rejeita a acusação da CT e defende que esta
contratação se trata “de um procedimento concursal para aquisição de serviços
de registo, edição e arquivo fotográfico, cuja execução técnica e materiais
utilizados são pertença do prestador de serviços.” Ou seja: o fotógrafo usa o
material próprio. Além disso, defende a administração, “o registo fotográfico
de imóveis sob a gestão da Gebalis (mais de 22.500 fogos em cerca de 3.300
edifícios), é fundamental para uma boa gestão, designadamente da presente e
futura requalificação do património.” E acrescenta: “O prestador deste serviço
tem um longo currículo como fotografo jornalista e preenche os requisitos
adequados para o serviço contratado.”
Ao Observador o fotógrafo, António Azevedo, explica que para
o mercado o “preço é normalíssimo”, uma vez que por ser pago a “recibos verdes”
tem de fazer uma “série de descontos, pagar o material e pagar seguros”.
Outro dos pontos levantados por trabalhadores ouvidos pelo
Observador (não em nome da CT) coloca-se no plano ético, já que António Azevedo
é fotógrafo da Gebalis, mas ao mesmo tempo trabalha também para a candidatura
de Mário Patrício (administrador não-executivo na Gebalis) como candidato do PS
à junta de freguesia do Parque das Nações.
Mário Patrício destaca, em declarações ao Observador, que
António Azevedo é “freelancer” e, portanto, decidiu “contratá-lo para a
campanha“. O candidato socialista às próximas autárquicas explica que gosta de
“trabalhar com os melhores e ele é de facto dos melhores”. Além disso, como é
uma campanha a uma junta de freguesia, António só fotografa em “situações muito
pontuais”.
O fotógrafo também não vê qualquer problema ético e diz que,
como freelancer pode “trabalhar para quem quiser“, lembrando que, além da
Gebalis, também trabalha “para os CTT e para a Global Imagens (agência que
serve publicações como o DN, JN e O Jogo).
170 mil euros para escritório de advogados
Entre os contratos contestados pela Comissão de
Trabalhadores está também um contrato com a sociedade Macedo Fernandes, Costa
Magalhães & Associados, no valor de 170 mil euros (por 1.080 dias) de
“serviços jurídicos, apoio técnico e exercício do mandato forense”. A Comissão
de Trabalhadores contesta o valor, mas outros trabalhadores ouvidos pelo
Observador, denunciam ligações do escritório aos socialistas.
Uma das sócias — e representante no processo contra a equipa
de informática — é Anabela Fernandes, mulher de Ricardo Saldanha, deputado
municipal do PS em Lisboa. Esse é um facto que a administração considera
“irrelevante”. No mesmo escritório também chegou a colaborar Conde Rodrigues —
ex-secretário de Estado da Administração Interna e de quem Pedro Pinto de
Jesus, presidente da Gebalis foi adjunto no Governo. No entanto, a Gebalis
garante que Conde Rodrigues “cessou a sua colaboração com este escritório em
julho de 2015”. Isto tendo em conta que o atual conselho de administração
iniciou o mandato em março de 2016.
Além disso, lembra a administração da Gebalis, “as advogadas
sócias da sociedade supracitada prestam serviço à empresa desde, pelo menos
2002, tendo o seu serviço sido originalmente adquirido pelo diretor-geral de
então”. Ou seja: durante uma gestão PSD. A entidade liderada por Pedro Pinto
Jesus explica que esta é assim uma “mera renovação de bons serviços prestados a
seis diferentes conselhos de administração, ao longo de cinco mandatos
autárquicos.”
Quanto à política de contratações, como a de Inês César —
sobrinha do presidente do PS, Carlos César –, a Comissão de Trabalhadores tem alertado
para aquilo que considera ser falhas de gestão da administração. A
administração da Gebalis destaca, no entanto, que “desde o início do mandato
foram admitidos 16 trabalhadores (contratos individuais de trabalho ou acordo
cedência interesse público), para substituir trabalhadores que saíram da
empresa, de forma definitiva ou temporária, no mesmo período temporal.” De
acordo com a entidade, “foram contratados por áreas os seguintes trabalhadores:
nove para a direção de intervenção local, dois para o gabinete de estudos e
planeamento, dois para os serviços administrativos e três para a conservação e
manutenção do património.” A Gebalis acrescenta ainda que as contrações foram
“necessárias para o cumprimento da missão da empresa, respeitando as imposições
legais” a que a mesma estava obrigada, nomeadamente a Lei do Orçamento de
Estado.
A Gebalis que tem quadros de vários partidos (com destaque
para PS e PSD, que entraram para a empresa na altura que um ou outro estavam no
poder) e também passou por um período muito conturbado durante a gestão
camarária de Pedro Santana Lopes e de Carmona Rodrigues.
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