António Mexia sob pressão dos
mercados
O presidente da EDP vai falar pela
primeira vez sobre a investigação em que foi constituído arguido. A EDP
arrisca-se a sofrer danos reputacionais e uma eventual reformulação da equipa
de gestão, dizem os analistas.
ANA BRITO 6 de Junho de 2017, 6:40
Esta manhã, a administração da EDP deverá concentrar-se em
torno do líder, António Mexia, enquanto este dá explicações à imprensa sobre os
motivos que levaram um Procurador da República e vários inspectores da Polícia
Judiciária (PJ) a deslocar-se à sede da empresa na sexta-feira e a constituí-lo
como arguido por suspeitas de corrupção.
Ontem foi dia dos advogados da EDP consultarem o processo,
segundo explicou a eléctrica num comunicado enviado à Comissão do Mercado de
Valores Mobiliários (CMVM), mas foi também um dia em que os investidores
castigaram as acções da EDP, que fecharam a desvalorizar-se 2% na bolsa de
Lisboa, para 3,116 euros, depois de terem estado a cair cerca de 4% ao longo
dia.
As suspeitas que pairam sobre Mexia (e sobre os restantes
arguidos, entre eles o presidente da EDP Renováveis, João Manso Neto) envolvem
os “crimes de corrupção activa, corrupção passiva e participação económica em
negócio”. E podem ser o suficiente, segundo o BiG – Banco de Investimento
Global, para forçar mexidas na gestão do grupo EDP.
“Para já, o principal impacto é em termos de corporate
governance, não em termos operacionais”, afirmaram os analistas do banco numa
nota citada pela Reuters. “É muito negativo em termos de corporate governance
ter dois executivos de topo, tanto na EDPR e EDP, constituídos arguidos”,
considera a equipa de research do BiG.
Se se vier a provar que é necessária “a reformulação da
equipa executiva”, aí sim, o risco poderá passar a ser também operacional,
admitem. A eventual saída de Mexia “dependerá acima de tudo do apoio
accionista”, frisa o BiG. A forma como a China Three Gorges, que tem 21,35% da
EDP, “olha para a situação” e a decisão de manter ou não apoio a António Mexia
(à frente da EDP desde 2006) e à actual gestão serão questões chave.
Os impactos negativos para a EDP desta investigação do
Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) aos contratos
conhecidos como CMEC e o alargamento do prazo de exploração de três dezenas de
barragens (com receitas garantidas por mais tempo) também são uma certeza para
o analista do Haitong Bank, Jorge Guimarães. O motivo “mais óbvio” diz respeito
à governação da empresa, pois ter gestores de topo “investigados por possível
corrupção nunca é positivo”, afirmou numa nota citada pelo Negócios.
Por outro lado, diz o analista, corre-se o risco de que a
equipa de gestão da EDP “perca o foco no desenrolar deste processo”. Além de
que para os investidores poderá pesar ainda a “possibilidade de a empresa ser
forçada a dar algum tipo de compensação pelos ganhos excessivos no passado
devido ao valor final atribuído aos CMEC”. Este é, no entanto, um cenário
“pouco provável”, admite o Haitong.
A investigação que na sexta-feira levou à realização de
buscas nas sedes da EDP, da REN e da consultora Boston Consulting Group abrange
o período entre 2004 e 2014. A PJ está a investigar não só os “factos
subsequentes ao processo legislativo” que substituiu os Contratos de Aquisição
de Energia (CAE) pelos CMEC (o decreto-lei foi aprovado no final de 2004), mas
também “os procedimentos administrativos relativos à introdução no sector
eléctrico nacional” destes contratos de rendas garantidas.
Todo este processo foi conduzido por Manuel Pinho, antigo
ministro da Economia de José Sócrates, que chegou a ter como assessor do seu
gabinete o administrador da REN João Faria Conceição, que também foi
constituído arguido na sexta-feira (a par de Pedro Furtado, director da REN que
veio da antiga Transgás).
Antes de chegar ao Governo, Conceição foi durante vários
anos consultor na Boston Consulting, um grupo que assessorou o Estado nos
negócios relacionados com a energia – inclusive no decreto-lei que ditou o fim
dos CAE e a criação dos CMEC.
Sem uma única palavra sobre o estatuto de arguido dos seus
quadros, a REN veio assegurar durante a noite de sexta-feira, em comunicado
enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que não era
arguida e estava a colaborar com as autoridades. Já a EDP, optou antes por um
comunicado de imprensa no qual, sem referir nomes, assegurou apenas que “foram
constituídos como arguidos os representantes da EDP que, à data, assinaram os
contratos” dos CMEC e das barragens.
Ontem, depois de as acções já levarem um tombo de 4%, a EDP
veio repetir ao mercado a informação que tinha dado à imprensa na sexta-feira,
com uma novidade, a da realização da conferência desta terça-feira.
A intenção de lançar uma OPA sobre os 22,5% que a EDP ainda
não detém na EDP Renováveis foi anunciada no final de Março, mas, por enquanto,
não há data prevista o registo da oferta. Fonte oficial da CMVM explicou ao
PÚBLICO que o facto de a Renováveis ser uma empresa de direito espanhol “gerou
um conflito de jurisdições” e foi preciso chegar a entendimento com o regulador
espanhol, a CNMV, sobre quem supervisionaria a operação.
Desse diálogo ficou decidido que a jurisdição da OPA caberá
à CMVM, pelo que “terá de ficar muito claro no prospecto” que a operação se
desenrolará ao abrigo da lei portuguesa, explicou.
Por isso, não é possível apontar uma data para o registo,
“tudo dependerá da estabilização do prospecto”. Sobre a investigação em curso,
a mesma fonte diz que não deverá ter influência sobre o prospecto, mas notou
que a CMVM acompanhará o tema.
Corrupção na EDP – o fechar do
circuito
Sim, a EDP é a peça que falta para
fechar o circuito dos malfadados anos socráticos.
João Miguel Tavares
6 de Junho de 2017, 6:33
O mais espantoso nas suspeitas de corrupção na EDP é a
ausência de qualquer espanto. Há anos sem fim que se falava nos privilégios
inaceitáveis da eléctrica nacional e no facto de nenhum governo português se
atrever verdadeiramente a beliscá-los. Depois da queda do BES, da destruição da
PT, da falência da Ongoing e do quase desabamento do BCP, a EDP era a última
grande empresa com ligações íntimas ao consulado de José Sócrates que ainda não
tinha sido visitada pelo Ministério Público. Foi agora. As suspeitas incidem
sobre a forma como foram negociados os chamados CMEC, Custos para Manutenção do
Equilíbrio Contratual – uma compensação atribuída à EDP pela liberalização do
sector eléctrico que a troika considerou ser uma renda desproporcionada,
excessiva e incompreensível. Tentou, aliás, acabar com ela. Não conseguiu.
Mas tal renda só é incompreensível para quem não conhece o
funcionamento do país. A EDP, tal como o BES, nunca teve problemas com a
alternância de governos. António Mexia foi ministro das Obras Públicas do
governo de Santana Lopes (altura em que foram criados os CMEC) e tornou-se o
senhor todo-poderoso da EDP durante o governo de José Sócrates. Com a chegada
ao governo de Pedro Passos Coelho, houve um secretário de Estado corajoso –
Henrique Gomes –, que conhecia muito bem o sector mas muito mal as suas próprias
limitações, que decidiu enfrentar a EDP. Dizia que era obrigação do Estado
“impor o interesse público ao excessivo poder da EDP” e que se as negociações
falhassem deveria ser tomada “uma decisão unilateral e soberana”. Henrique
Gomes durou nove meses no Governo.
Comentou-se, na altura, que o próprio ministro das Finanças
Vítor Gaspar não queria confusões com os chineses quando o Estado acabara de
negociar a venda da eléctrica nacional por 2,7 mil milhões de euros. Além
disso, com a eficácia habitual, a EDP continuava o seu trabalho de lobby. Ao
mesmo tempo que Henrique Gomes andava a fazer voz grossa na comunicação social,
a empresa afadigava-se a contratar Eduardo Catroga – representante do PSD nas
negociações com a troika que acordaram a privatização da EDP, e coordenador do
programa eleitoral de Passos Coelho – como presidente do seu Conselho Geral e
de Supervisão, com um salário milionário em troca de uma agenda telefónica
rechonchuda.
Novidade nisto? Nenhuma. A EDP nunca foi outra coisa, e aí
pouco difere de outros grandes grupos, sejam eles do sector bancário,
energético ou da construção. Todas as empresas que dependem dos negócios do
Estado são portas giratórias do circuito público-privado. Há apenas um aspecto
que sobressai no tempo de Sócrates – um despudor inabitual, que tem menos a ver
com a EDP e mais com a falta de vergonha do governo socialista, e dessa figura
tragicómica chamada Manuel Pinho. Desse despudor terão saído coisas tão
originais quanto um curso sobre política da energia ministrado na Universidade
de Columbia, EUA, para o qual Pinho foi contratado como professor convidado em
2010. Alegada doação da EDP para esse curso: três milhões de euros. Num excerto
de escutas da Operação Marquês, Pinho é até apanhado a convidar Sócrates, no início
de 2014, a ir dar aulas para Columbia como “visiting scholar”. Apetece rir e
chorar ao mesmo tempo. Sim, a EDP é a peça que falta para fechar o circuito dos
malfadados anos socráticos – e todos nós merecemos que se faça luz sobre a
terrível época em que o país esteve à beira da destruição económica e moral.
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