A defesa de Mexia em quatro pontos
António Mexia recusa que a EDP tenha
sido beneficiada com os contratos polémicos conhecidos por CMEC e diz que
abandonar o cargo está fora de questão.
ANA BRITO 7 de Junho de 2017, 6:31
Rodeado pelos administradores da EDP que estavam em Portugal
e ladeado pelo representante dos accionistas, Eduardo Catroga, o presidente da
EDP explicou na terça-feira porque é que está absolutamente tranquilo quanto ao
desfecho da investigação do Ministério Público em que foi constituído arguido e
porque é que nem lhe passa pela cabeça demitir-se.
Os contratos que deram origem aos CMEC, os CAE, nasceram em
1995, quando o Estado fixou as rentabilidades das centrais eléctricas. “Um
segundo momento” nesta história antiga deu-se em 2004, quando, para acompanhar
a lei europeia, o Estado substituiu os CAE por outros contratos que
assegurassem a neutralidade financeira para a empresa, contou Mexia. Nasciam os
CMEC, com o aval de Bruxelas. “Porque é que o tema retorna em 2007?” Porque com
a aproximação do mercado ibérico da energia “houve necessidade de alterações
legislativas”. Mas nenhuma delas foi da “iniciativa da EDP” nem lhe trouxe
benefícios. O que houve foi uma redução do CMEC inicial, que deveria ser de
3300 milhões de euros, para 800 milhões, defendeu. “Isso não me parece um
benefício”, frisou Mexia, acrescentando que a empresa também não contava pagar
750 milhões pela extensão da vida útil das barragens. Tudo somado, “a EDP teve
de entregar ao Estado em valor 2115 milhões de euros; entregou um valor mais
alto do que o direito que estava consagrado antes”, queixou-se.
“Não nos sentimos visados”
“A tranquilidade aqui é absoluta”, garantiu o presidente da
EDP. “É um processo antigo” e que “foi amplamente escrutinado ao longo de
décadas”, pelo Parlamento, pelos vários Governos e pela Comissão Europeia,
afirmou o gestor. “O grosso das decisões” relevantes para o processo dos CMEC
foi tomada em 1995 e 2004, quando “nenhuma das pessoas que aqui está tinha
assento no conselho” , disse o líder da EDP, referindo-se aos administradores
que o acompanharam na conferência de imprensa. “Não nos sentimos visados”,
afirmou.
Os accionistas da empresa manifestaram “a sua solidariedade
total com a gestão” liderada por António Mexia, garantiu Eduardo Catroga,
presidente do Conselho Geral e de Supervisão. Catroga foi muito crítico dos
autores da denúncia anónima de 2012 que motivou a investigação aos contratos da
EDP: “Não se brinca com uma empresa cotada, lançando denúncias anónimas”,
afirmou, dizendo que os accionistas estão a ponderar acções judiciais contra
estas pessoas. Sobre remunerações e rendas, o ex-ministro das Finanças de
Cavaco Silva sustentou que “se alguém beneficiou desses regimes foi o estado
accionista” nas diversas operações de privatização da EDP. Por isso, acerca das
alterações aos CMEC pressionadas pelos partidos da esquerda no Parlamento,
Catroga avisou: os accionistas têm dito aos governos que “aquilo que compraram
não deve ser espoliado”. E disse esperar que o Governo respeite o princípio de
“não violar contratos, sobretudo contratos que vendeu”.
Apoio a Pinho foi “transparente”
O apoio ao curso que o antigo ministro Manuel Pinho
leccionou na Universidade norte-americana de Columbia (cerca de 266 mil euros,
por ano, durante quatro anos) foi feito de forma “clara e transparente”. A
empresa tem todo o interesse em ver discutidos nos mercados estratégicos os temas
da energia renovável, explicou o gestor. Nos Estados Unidos, onde a EDP tinha
acabado de comprar a Horizon (hoje EDP Renováveis) essa discussão só se fazia
na Califórnia, foi por isso que quando a Universidade de Columbia, situada em
Nova Iorque, abordou a EDP para apoiar um curso, a empresa achou que “fazia
sentido” o apoio.
“Lobby da energia é um dos mais
fortes que temos em Portugal”
"Quando saí do Governo, escrevi
uma carta ao primeiro-ministro em que disse que tínhamos identificado mais 1500
milhões de euros de rendas da energia que era preciso cortar e eles aplicaram
uma contribuição para o sector"
SÉRGIO ANÍBAL 7 de Junho de 2017, 6:33
Em declarações ao PÚBLICO, o antigo ministro da Economia
Álvaro Santos Pereira diz não ter dúvidas de que era preciso fazer mais na
energia e alerta para a necessidade de não reverter o que foi feito.
Portugal ainda deveria ir mais longe no corte das rendas da
energia?
No último relatório sobre Portugal que saiu este ano, a OCDE
diz isso muito claramente. No anterior Governo cortaram-se 3,5 mil milhões de
euros de rendas de energia. Antes desse Governo ninguém tinha cortado um
cêntimo. O lobby da energia é um dos mais fortes que temos em Portugal. Pode-se
cortar nas rendas de energia de muitas formas: pode ser nos CMEC [custos de
manutenção do equilíbrio contratual], nas garantias de potência ou noutras
formas. Foi isso que foi feito. Agora é importante que nos próximos anos,
primeiro, quando houver um ajuste final dos CMEC, não haja reversão deste
corte. É o primeiro ponto a ter em linha de conta e sobre o qual ninguém está a
falar: não pode haver reversão dos cortes e não pode haver mais rendas paras as
empresas de energia. Em segundo lugar, é importante criar as condições para
haver mais concorrência. Para isso, as interligações entre Espanha e França são
fundamentais. Mas também é preciso continuar a criar condições para cortar as
rendas da energia, quer seja através de contribuições, como as que foram
criadas, quer através de outros mecanismos que possam reduzir as rendas desses
sectores que foram protegidos durante demasiado tempo e que criaram lobbies
fortíssimos, com ligação ao poder político, e que tiveram uma influência
nefasta no nosso país.
Sentiu esses lobbies políticos enquanto foi ministro? Não
lhe permitiram ir mais longe nos cortes?
Fomos o mais longe possível. Quando saí do Governo, escrevi
uma carta ao primeiro-ministro em que disse que tínhamos identificado mais 1500
milhões de euros de rendas da energia que era preciso cortar e eles aplicaram
uma contribuição para o sector, para cortar exactamente grande parte dessas
rendas. O que é preciso fazer é continuar com os estudos, continuar a
identificar se há mais rendas ou não. Quem está a pagar as rendas são os
consumidores, são as famílias, é a economia portuguesa. Para defender alguns,
estava a prejudicar-se a economia portuguesa. Só para lhe dar uma ideia, eu
lembro-me bem que em 2011 e 2012, quando cheguei ao Governo, tive uma
estimativa de que o preço da electricidade iria aumentar 50%, se nada fosse
feito. E por isso não tivemos hesitação em actuar.
A privatização da EDP não afectou esse processo?
Claro que no contexto muito delicado da privatização da EDP,
e sabendo que os CMEC foram criados de tal forma que o próprio Estado português
poderia ser processado, se não tivéssemos tomado as decisões correctas, os
cortes foram feitos uns meses mais tarde, não foram feitos em 2011 – mas foram
feitos em 2012 e 2013. Nos próximos tempos é preciso continuar a fazer os
cortes nas rendas dos sectores protegidos como é a energia.
O que pensa das investigações que estão a ser feitas em
relação à forma como foram criados os CMEC?
Não vou comentar essa matéria. O que posso dizer é que quem
conhece o dossier das rendas da energia sabe que o mais importante é cortar
essas rendas e acabar com os privilégios que existem no sector da energia.
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