Um escândalo chamado SIRESP
Acham mesmo que esta tragédia não tem
implicações políticas? Claro que tem. E não são poucas.
João Miguel Tavares
22 de Junho de 2017, 6:45
Dia 26 de Janeiro de 2013, notícia da TVI: “A rede de
comunicações SIRESP, usada pelo INEM, polícias e bombeiros, falhou durante o
temporal do último fim-de-semana. O socorro às populações vítimas do mau tempo,
mas também de doentes urgentes, foi afectado. O SIRESP começou a falhar às
06h18. Às 15h00 de sábado sofreu uma interrupção de mais de duas horas. Os
ventos vieram mostrar que polícias, bombeiros e profissionais de emergência
médica não podem fiar-se na rede de telefones e de dados que os políticos compraram
por 500 milhões de euros.”
Este é um exemplo. Há muitos mais. Ontem, vários jornais
noticiaram que há menos de um ano, a 23 de Agosto de 2016, existiu uma nova
“falha crítica” do SIRESP num incêndio no Sardoal. Antes disso, a 27 de Janeiro
de 2014, a jornalista Ana Leal assinou uma badalada reportagem onde mostrava a
ausência de sinal do SIRESP em garagens e em elevadores. Que os hospitais de
Santarém, Torres Vedras e Viseu não o conseguiam utilizar. Que até em Lisboa,
no Hospital São Francisco Xavier e no próprio aeroporto, não havia rede
decente. Em quase todos esses locais, as equipas de emergência preferiam recorrer
a telemóveis. Era mais fiável e mais eficaz. O SIRESP – Sistema Integrado das
Redes de Emergência e Segurança em Portugal – é uma rede que foi paga por
valores absurdos para unificar todas as comunicações em casos de incêndio,
tempestades ou terramotos. Funciona excelentemente, excepto em casos de
incêndio, tempestades e – temo bem – terramotos.
O SIRESP voltou a falhar no incêndio de Pedrógão Grande. O
Expresso Diário contou que existem quatro unidades móveis que podem ser
activadas para responder a quebras do sistema, por destruição das torres fixas
– que são mantidas, imaginem, pela Meo. Duas dessas unidades são ligeiras mas
não dispõem de ligações por satélite. Restam duas unidades pesadas, uma mantida
pela GNR, outra pela PSP. A que é mantida pela GNR estava indisponível: aquando
da visita do Papa, há cinco semanas, danificou uma das antenas em Fátima, e
pelos vistos as antenas de uma rede de emergência demoram tanto a ser
arranjadas como as escadas rolantes da Baixa/Chiado. Sobrava a unidade da PSP –
e lá foi ela. Chamada às 23 horas de sábado só conseguiu restabelecer as
comunicações às oito horas de domingo. É isto o SIRESP.
Há duas coisas que falta apurar: 1) a dimensão do apagão, e
até que ponto ele pode estar implicado na tragédia da EN236; 2) porque razão o
sistema continua a falhar perante a complacência geral (só faltou ao comandante
Vítor Vaz Pinto agradecer publicamente ao SIRESP por falhar pouco tempo de cada
vez). Isto, pelo menos, já está apuradíssimo: a PPP SIRESP, um consórcio envolvendo
a SLN (actual Galilei, 33%), a PT (30%) e a Motorola (15%), é um escândalo
nunca devidamente apurado da nossa democracia. Em 2005, o ministro da
Administração Interna Daniel Sanches – que trabalhava para a SLN antes de
integrar o governo – e o ministro das Finanças Bagão Félix adjudicaram o
negócio por mais de 500 milhões de euros, três dias depois de Pedro Santana
Lopes perder as eleições para José Sócrates. Num primeiro momento, António
Costa, ministro da Administração Interna de Sócrates, travou a adjudicação, mas
acabou por fechar o negócio por 458 milhões. Juntando-lhe as despesas de
operação e manutenção são 600 milhões de euros até 2021 por um sistema
miserável. Acham mesmo que esta tragédia não tem implicações políticas? Claro
que tem. E não são poucas.
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