Garcia Pereira apresenta queixa
contra o Metro de Lisboa
“Há uma tragédia à espera de
acontecer”, diz advogado referindo-se a episódios de entalamentos nas portas e
falta de mecanismos de segurança para travar os comboios
CARLOS CIPRIANO 17 de Junho de 2017, 9:46
“Só numa semana do passado mês de Março registaram-se no
Metro de Lisboa dois acidentes, os quais, apenas por mera casualidade, não
tiveram consequências ainda mais graves, designadamente mortais”. É assim que
começa a queixa apresentada por Garcia Pereira na Procuradoria Geral da
República (PGR) que foi entregue no passado dia 5 de Junho. O advogado diz que
ambos os casos se deveram ao não funcionamento adequado dos sistemas de
segurança dos comboios. “Não obstante haver objectos ou mesmo passageiros
entalados nas portas, na cabine do maquinista acenderam as luzes verdes de
“fecho de portas” e “preparação de partida” (significando “ordem de avançar”)”,
lê-se no documento.
Uma das razões para estas anomalias tem a ver com o desgaste
das borrachas das portas e com intervenções técnicas que retiram a
sensibilidade ao mecanismo de alerta de entalamento “permitindo o acendimento
da luz verde com objectos mais volumosos”. Deste modo é possível que pegas de
tróleis, pastas, ou até mesmo braços, fiquem apertados nas portas sem que disso
seja dado sinal ao maquinista.
A queixa refere que os sindicatos e comissões de
trabalhadores do Metro já alertaram o ministro da tutela, o primeiro-ministro e
o Presidente da República para estes problemas que, diz, “são perfeita e
completamente conhecidos pelas diversas administrações do Metro de Lisboa”.
Mas há mais situações que concorrem para se caminhe “numa
inconsciência verdadeiramente delituosa até à ocorrência do acidente”. Uma
delas são as chamadas “entradas directas”, que, segundo Garcia Pereira,
consistem numa alteração ao Regulamento de Circulação de Comboios imposta pela
administração aos maquinistas.
Tal consiste em os comboios entrarem nas estações términus
directamente na mesma via da qual vão partir em sentido contrário. No Metro de
Lisboa os comboios circulam pela esquerda e na última estação da linha devem os
passageiros sair também pela esquerda e o comboio fazer depois a inversão de
marcha e entrar noutra linha para receber os passageiros no cais de embarque
oposto.
Na entrada directa o maquinista deverá, então, abrir as
portas do lado direito e não do esquerdo.
E se ele se enganar?
“Basta pensar no que poderá suceder um dia, sobretudo de
maior stress ou cansaço, em que o maquinista abra (como é habitual e deveria
ser normal) a porta do lado esquerdo, e os passageiros, sobretudo à hora de
ponta, se precipitem, não para a plataforma, mas... para o carril de energia
(electrificado) para se constatar a enorme gravidade dos riscos que se está, e
com inteira consciência dos mesmos, a incorrer”.
Outro motivo de preocupação é o não cumprimento da distância
mínima de segurança para fazer parar o comboio quando o Dispositivo de Travagem
Automática de Via (DTAV) é accionado. Se o maquinista exceder a velocidade
limite, este mecanismo faz parar o comboio. O problema é que nas estações
términus não há uma distância mínima de segurança para a imobilização
automática do comboio mesmo quando o DTAV actua. E por isso, já houve um
comboio que chocou contra a parede na estação do Aeroporto.
Na lista das queixas apresentadas à PGR, Garcia Pereira
refere que há peças que de vez em quando caem dos comboios para a linha
(situação confirmada pelo PÚBLICO) e denuncia ainda a retirada dos areeiros das
composições. A areia é utilizada para evitar a patinhagem das rodas sobre o
carril e por isso todos os comboios e eléctricos possuem estas caixas que são
accionadas pelo maquinista para evitar perder aderência. No Metro de Lisboa
foram retiradas dos comboios, apesar destas serem necessárias devido ao
agravamento do desgaste ondulatório do carril provocado pela deficiente
manutenção do material circulante.
Numa nota de imprensa, Garcia Pereira diz que fez esta
queixa após autorização do presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem
dos Advogados. E em declarações ao PÚBLICO diz que o fez como cidadão
preocupado porque “há uma tragédia à espera de acontecer” no Metro.
A queixa refere que existe “negligência grosseira” por parte
dos responsáveis do Metro susceptíveis de “integrar a prática de diversos e
graves ilícitos criminais de natureza pública”.
Contactada pelo PÚBLICO, a PGR diz que a queixa foi remetida
ao DIAP com vista à instauração de inquérito.
Fonte oficial do Metro de Lisboa diz que a empresa “não
considera oportuno prestar comentários sobre este assunto”.
Entalamentos anunciados
Setembro de 2012. Estação do Saldanha. Uma passageira
estrangeira fica com o trólei entalado numa porta do Metro quando o comboio
arranca. A mala fica danificada. A mulher não apresenta queixa, mas o Metro de
Lisboa abre um processo disciplinar ao maquinista que é punido com dois dias de
suspensão por “negligência”.
Inconformado, o Sindicato dos Trabalhadores de Tracção do
Metropolitano de Lisboa (STTM) recorre aos tribunais, protestando pela
excessiva responsabilidade atribuída aos maquinistas num contexto em que o
material apresenta falhas. E avisa que a redução dos custos na manutenção que
então já se faziam sentir, perspectivavam novos incidentes.
Nos anos seguintes aconteceriam mais quatro episódios de
entalamento.
Em 2013 houve malas arrastadas, uma na Avenida e outra na
estação de Sete Rios. Em 2017 os casos aumentam de gravidade: em 7 de Março, no
Saldanha, um homem fica preso numa porta e só se salvou porque os passageiros
puxaram o sinal de alarme. Felizmente, a última carruagem não tinha ainda
passado o cais da estação e a composição parou. Senão, a vítima teria seguido
entalada até à estação seguinte porque o alarme só faz parar o comboio quando
pelo menos uma carruagem tem acesso a um cais para eventual evacuação.
Três dias depois um homem fica entalado na porta e só não
“viajou” assim entre duas estações porque caiu a meio do percurso. Na estação
seguinte os passageiros alertam o maquinista que este perdera um passageiro,
mas pouco depois vêem, estupefactos, o homem a caminhar, vindo do túnel, cheio
de escoriações. Sobrevivera miraculosamente.
“Nós avisamos desde 2012
para estas situações”, diz Silva Marques, do STTM. “Isto não se resolve
instaurando processos disciplinares aos maquinistas. O equipamento não está bom
e acontece o maquinista ter a luz verde de fecho de portas e haver objectos
entalados nas portas”.
O dirigente diz que noutros países também há episódios
destes, mas fazem-se inquéritos, publicitam-se, tomam-se medidas e não se
resolvem problemas de segurança com castigos aos maquinistas, ao contrário do
Metro de Lisboa em que estas questões são escondidas e os trabalhadores são
sempre os culpados.
Nelson Oliveira, director do Gabinete de Prevenção e
Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes Ferroviários (GPIAAF),
disse ao PÚBLICO que tem conhecimento de ocorrências com passageiros arrastados
tendo aquele gabinete recolhido informações junto do Metro de Lisboa, “as quais
estão a ser analisadas com vista a eventual abertura de inquérito”.
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