Mexia é arguido em investigação a
negócio do tempo de Manuel Pinho
A negociação, em 2007, das
compensações que hoje representam grande parte das receitas da EDP em Portugal
levou a buscas da PJ nas sedes da EDP, REN e Boston Consulting. Há quatro
arguidos
ANA BRITO 2 de Junho de 2017, 21:33
Dez anos depois de terem sido negociados os instrumentos que
anualmente garantem à EDP receitas de milhões (os chamados CMEC), o Ministério
Público anunciou que o processo, concretizado no tempo em que Manuel Pinho era
ministro da Economia, pode envolver os “crimes de corrupção activa, corrupção
passiva e participação económica em negócio”.
Para já, há quatro arquidos confirmados, entre eles, o
presidente da EDP, António Mexia, e o administrador da empresa, João Manso
Neto. Também foram constituídos arguidos o administrador executivo da REN João
Conceição e Pedro Furtado, director na mesma empresa, segundo confirmou o
Departamento Central de Investigação Penal e Acção Criminal (DCIAP), que adiantou
ao PÚBLICO que poderão surgir outros arguidos.
Foram os indícios de crime num processo que já está sob o
radar do DCIAP desde 2012, que levou esta sexta-feira a Polícia Judiciária (PJ)
a realizar buscas nas sedes da EDP, da REN e da consultora Boston Consulting
Group, uma notícia que foi avançada a seguir ao almoço pela SIC e entretanto
confirmada pelo PÚBLICO junto das empresas.
O Ministério Público veio depois confirmar as diligências,
adiantando que “o inquérito tem como objecto a investigação de factos
subsequentes ao processo legislativo, bem como aos procedimentos
administrativos relativos à introdução no sector eléctrico nacional dos Custos
para Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC)”, em substituição dos contratos
de aquisição de energia (CAE). Em causa está o período entre 2004 e 2014.
A meio da tarde começaram a surgir rumores de que António
Mexia e Manso Neto (que é presidente da EDP Renováveis, empresa sob a qual a
EDP quer lançar uma oferta pública de aquisição) tinham sido constituído
arguidos. Numa primeira fase a eléctrica não quis comentar este estatuto
atribuído aos seus responsáveis, mas acabou por fazê-lo já ao início da noite,
num comunicado onde não refere nomes, mas adianta que “foram constituídos como
arguidos os representantes da EDP que, à data, assinaram os contratos
respeitantes a esta temática”, ou seja, respeitantes aos CMEC. A EDP adianta
igualmente que a visita de um “Procurador da República do DCIAP acompanhado de
vários Inspectores da Polícia Judiciária” à sua sede “insere-se no âmbito de
uma investigação que teve origem numa denúncia anónima”.
A SIC noticiou também que a PJ está a investigar a criação
de um curso na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, sobre energia eólica e
renováveis, onde Pinho deu aulas. E que terá recebido apoios da EDP.
Corria o ano de 2007 quando a equipa de gestão liderada por
António Mexia negociou com o então ministro da Economia de José Sócrates o
valor das compensações a atribuir todos os anos à EDP pela extinção dos CAE de
que beneficiava nas suas centrais. Desapareciam os CAE a pretexto da
liberalização do mercado eléctrico exigida por Bruxelas e apareciam outros
instrumentos de remuneração com um nome mais pomposo, mas com uma finalidade
semelhante: os CMEC, uma remuneração garantida que ainda hoje é parte
significativa das receitas da empresa em Portugal (e que é suportada pela
factura da luz, ou seja, pelos consumidores). O enquadramento dos CMEC foi
criado num decreto-lei de Dezembro de 2004, quando Mexia era ministro das Obras
Públicas de Santana Lopes.
O presidente da EDP tem defendido que em 2005 (depois de ter
sido publicada a legislação a extinguir os CAE) a empresa tinha direito a
receber uma remuneração de 3,3 mil milhões de euros que o Estado entendeu não
pagar, reduzindo-a a 800 milhões. Foi nesse contexto que, já em 2007, a
eléctrica e Manuel Pinho foram negociar o valor das compensações através dos
CMEC.
As avaliações que conduziram à definição destas remunerações
aplicáveis a várias centrais (e que lhes permitem obter o mesmo nível de
receitas que teriam se tivesse mantido os CAE, representando um pagamento
adicional face aos ganhos obtidos em mercado) foram desenvolvidas quer pelo
gabinete de Pinho (do lado do Estado), quer pela EDP.
A REN, a gestora do sistema eléctrico, também prestou apoio
ao Estado num processo em que o Boston Consulting Group terá sido assessor. Foi
por esta empresa que passaram, por exemplo, o ex-director-geral de Energia e
Geologia Miguel Barreto, que antes de chegar ao Governo (em 2004) tinha sido
consultor da EDP, e também o administrador da REN João Conceição, que foi
constituído arguido. Depois de sair desta consultora, onde esteve até 2007,
Conceição foi durante dois anos assessor no gabinete de Pinho, até transitar
para a gestão da REN, em 2009.
A propósito da investigação, a REN sublinhou, em comunicado
enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) que "não foi
constituída arguida", que "colaborou activamente com as
autoridades" e continuará a fazê-lo. Mas nada diz sobre João Conceição e
Pedro Furtado.
Queixa arquivada em Bruxelas
Além da criação dos CMEC, as atenções das autoridades
estavam centradas noutro processo paralelo, aquele que garantiu à EDP a
extensão do prazo de exploração de cerca de 30 barragens por 759 milhões de
euros. Foi sobre este tema que no final de 2012 chegou aos serviços da
Concorrência da Comissão Europeia uma denúncia de um grupo de cidadãos sobre
alegados auxílios de Estado à EDP. Uma queixa que visava quer os CMEC (cuja
metodologia a Comissão já tinha aprovado em 2007), quer o “baixo preço que a
EDP pagou a Portugal em 2007 pela prorrogação sem concurso público do direito
de utilização do domínio público hídrico” para exploração das barragens,
“renunciando assim o Estado a receitas em benefício da EDP”.
Em 2013, depois de um período de pedidos de esclarecimento a
Portugal, Bruxelas – que sobre a legalidade dos CMEC já se tinha pronunciado –
abriu no entanto uma investigação ao processo de alargamento do prazo das
barragens. Esta investigação foi arquivada há cerca de duas semanas por Bruxelas,
mas, por cá, o assunto promete continuar a dar que falar.
com Ana Henriques
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