domingo, 11 de junho de 2017

Proprietários que retirem casas do alojamento local têm de pagar mais-valias / Subscritores de 'Travar o Alojamento Local' contestam resposta tardia


Proprietários que retirem casas do alojamento local têm de pagar mais-valias

Mesmo sem haver venda, quem desiste de receber turistas e regista a casa para uso pessoal fica obrigado a pagar ás Finanças

12 DE JUNHO DE 2017
Lucília Tiago

No ano passado, Paulo Castro colocou o seu apartamento no alojamento local (AL), juntando-se aos 8147 registos de AL atualmente existentes em Lisboa. Tal como muitas outras pessoas que se dedicam a esta atividade, desconhecia que arrisca pagar mais-valias sobre a sua casa se um dia destes decidir retirá-la do aluguer a turistas, mesmo que não haja venda do imóvel.
"É uma situação muito ingrata da lei", resume o jurista António Gaspar Schwalbach, referindo-se à arquitetura fiscal em que o alojamento está enquadrado e que pode levar uma pessoa apagar mais-valias sobre uma casa apenas pelo facto de decidir reafetá-la ao seu uso pessoal. Esta situação, que muitos consideram absurda do ponto de vista fiscal, acaba por travar o processo de legalização de muitos dos que continuam a alugar casas para férias de forma clandestina, e também por travar o cancelamento dos registos dos que tenham decidido retirar-se desta atividade. "Esta questão das mais-valias é um dos maiores obstáculos à legalização do alojamento local", referiu ao DN/Dinheiro Vivo Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP). E é também um dos motivos, adianta, para que alguns dos que desistiram "mantenham o registo e não cancelem a atividade", porque se não alugar a casa não haverá lugar a tributações.
Em causa está o facto de o alojamento local estar classificado, para o fisco, como prestação de serviços, o que significa que a maioria das pessoas abrem atividade e são tributadas na categoria B. Esta entrada no AL com uma casa de que se seja proprietário implica que seja afetada à nova atividade, passo que leva ao apuramento de uma mais--valia correspondente à diferença entre o valor de aquisição da casa e o seu valor de mercado à data da afetação: "Esta mais-valia fica suspensa", diz Mariana Gouveia de Oliveira, da Miranda Alliance, ou seja, não resulta no pagamento de imposto. O momento de sobressalto chega mais tarde, quando a pessoa desiste do alojamento local. A mera retirada da casa da atividade profissional e a reafetação a uso pessoal leva ao apuramento de nova mais-valia (que corresponde à diferença do valor existente à data de colocação do imóvel no AL e ao valor deste no momento em que é retirado da atividade) e ao pagamento, em sede de IRS.
E se a primeira mais-valia (que ficou suspensa) é considerada em apenas 50% do seu valor, na segunda é tido em conta a quase totalidade do valor (em 95%), porque se lhe aplicam as regras da categoria B e não as da G. "O imposto é bastante mais pesado", precisa a jurista.
Carla Matos, advogada da CCA Ontier diz não ter conhecimento de proprietários que se tenham deparado com esta surpresa fiscal, mas apercebe-se de que esta é uma questão desconhecida entre muitos dos que avançam para o alojamento local. "As pessoas esquecem-se de que estão a mudar a afetação da casa e que isto tem implicações fiscais", diz. Esta mudança é formalizada no Anexo B do IRS quando o contribuinte é convidado a responder à perguntas sobre se houve afeção do imóvel pessoal à atividade empresarial. "É aí que a pessoa se coloca no olho do furacão", diz António Gaspar Schwalbach. O jurista da Telles de Abreu diz que muitas pessoas desconhecem que podem ser confrontadas com o pagamento de uma mais-valia quando não houve lugar a qualquer venda do imóvel. Tal como desconhecem que este risco da mais-valia pode ser eliminado se quem está no alojamento local optar pelas regras de tributação da categoria F (rendas). Esta possibilidade foi criada no Orçamento do Estado deste ano, mas o facto de a tributação autónoma de 28% poder sair mais cara do que as regras de tributação da categoria B (em que apenas são considerados para efeitos de IRS 35% dos rendimentos obtidos) poderá fazer que não seja uma alternativa válida.
Salientando que esta "possível mais-valia não faz sentido nenhum", Eduardo Miranda precisa a necessidade de se adaptarem as regras fiscais a esta atividade. António Gaspar Schwalbach concorda que o regime fiscal aplicável ao AL deveria ser simplificado.

Subscritores de 'Travar o Alojamento Local' contestam resposta tardia

O responsável pela petição 'Travar o Alojamento Local' afirmou hoje que Portugal reagiu tardiamente e com lentidão ao fenómeno do arrendamento a turistas, o que levou já moradores de Lisboa a terem de ir viver para a periferia.

22:15 - 08/06/17 POR LUSA

No âmbito de uma audiência com o presidente do grupo parlamentar do PS, Carlos César, na Assembleia da República, o primeiro subscritor da petição, Rui Martins, manifestou-se satisfeito por começar a existir a consciência junto da classe política de que o alojamento local é um problema que merece "um caminho de solução rápido".

 "Travão não se deve confundir com extinção", reforçou Rui Martins, indicando que os 700 cidadãos que subscreveram a petição "Travar o Alojamento Local" pretendem "apenas um equilíbrio entre os dois regimes de ocupação dos territórios urbanos entre o alojamento local e o arrendamento tradicional".

Os signatários defendem a "aplicação a Lisboa de soluções ensaiadas já no estrangeiro", disse, lembrando que Amesterdão, Nova Iorque, Berlim e Barcelona são cidades que tiveram este problema há dois anos e que reagiram.

Portugal "está como sempre a reagir com um atraso", declarou Rui Martins, explicando que, neste caso, há um atraso de "pelo menos três anos", período durante o qual foram desviadas em Lisboa pelo menos 19 mil casas do mercado de arrendamento urbano para o alojamento local.

O epicentro deste fenómeno são as freguesias do centro histórico de Lisboa, referiu.

"Há zonas em Lisboa onde as ruas inteiras estão ocupadas por alojamento local", sustentou Rui Martins, explicando tratar-se de investimentos de grandes empresas.

Questionado sobre a obrigatoriedade de autorização dos condomínios para o alojamento local, Rui Martins afirmou ser "um caminho essencial", defendendo que "não faz sentido" que a instalação de um escritório de advocacia ou um consultório de dentista num apartamento careça da aprovação do condomínio e "não haja esse tipo de aprovação quando a atividade é alojamento local".

Para o primeiro subscritor da petição, o alojamento local é uma atividade comercial e que tem impacto nos "custos de contexto que são divididos pelos condomínios", nomeadamente o ruído e o lixo.

Em relação ao estabelecimento de quotas, Rui Martins considerou que é "um mecanismo essencial para impor alguma regulamentação" e que "está a ser adotado em todas as cidades onde este 'terramoto' já passou", designadamente Nova Iorque, Berlim e Veneza.

"O preço médio do arrendamento em Lisboa é idêntico ao preço médio do arrendamento em Berlim e ganham muitíssimo mais do que nós. Os preços médios são idênticos porque lá há barreiras ao alojamento local, porque lá há quotas por edifício", disse.

Rui Martins considerou que tal medida não viola o direito de propriedade, "há apenas uma questão de respeito a um direito constitucional que é o direito à habitação que não está a ser cumprido porque há um desvio brutal de casas para o alojamento local".

Para Rui Martins, "não se trata de tirar a propriedade a ninguém, nem sequer de limitar o uso enquanto habitação, porque são propriedades adquiridas para o uso de habitação, não para o uso comercial".


Em 23 de maio, o PS apresentou um projeto de lei para "assegurar que a atividade de alojamento local, no caso de prédios urbanos destinados a habitação, não seja exercida com desconsideração dos direitos dos demais condóminos".

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