Proprietários que retirem casas do
alojamento local têm de pagar mais-valias
Mesmo sem haver venda, quem desiste
de receber turistas e regista a casa para uso pessoal fica obrigado a pagar ás
Finanças
12 DE JUNHO DE 2017
Lucília Tiago
No ano passado, Paulo Castro colocou o seu apartamento no
alojamento local (AL), juntando-se aos 8147 registos de AL atualmente
existentes em Lisboa. Tal como muitas outras pessoas que se dedicam a esta
atividade, desconhecia que arrisca pagar mais-valias sobre a sua casa se um dia
destes decidir retirá-la do aluguer a turistas, mesmo que não haja venda do
imóvel.
"É uma situação muito ingrata da lei", resume o
jurista António Gaspar Schwalbach, referindo-se à arquitetura fiscal em que o
alojamento está enquadrado e que pode levar uma pessoa apagar mais-valias sobre
uma casa apenas pelo facto de decidir reafetá-la ao seu uso pessoal. Esta
situação, que muitos consideram absurda do ponto de vista fiscal, acaba por
travar o processo de legalização de muitos dos que continuam a alugar casas
para férias de forma clandestina, e também por travar o cancelamento dos
registos dos que tenham decidido retirar-se desta atividade. "Esta questão
das mais-valias é um dos maiores obstáculos à legalização do alojamento
local", referiu ao DN/Dinheiro Vivo Eduardo Miranda, presidente da
Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP). E é também um dos motivos,
adianta, para que alguns dos que desistiram "mantenham o registo e não
cancelem a atividade", porque se não alugar a casa não haverá lugar a
tributações.
Em causa está o facto de o alojamento local estar
classificado, para o fisco, como prestação de serviços, o que significa que a
maioria das pessoas abrem atividade e são tributadas na categoria B. Esta
entrada no AL com uma casa de que se seja proprietário implica que seja afetada
à nova atividade, passo que leva ao apuramento de uma mais--valia
correspondente à diferença entre o valor de aquisição da casa e o seu valor de
mercado à data da afetação: "Esta mais-valia fica suspensa", diz
Mariana Gouveia de Oliveira, da Miranda Alliance, ou seja, não resulta no
pagamento de imposto. O momento de sobressalto chega mais tarde, quando a
pessoa desiste do alojamento local. A mera retirada da casa da atividade
profissional e a reafetação a uso pessoal leva ao apuramento de nova mais-valia
(que corresponde à diferença do valor existente à data de colocação do imóvel
no AL e ao valor deste no momento em que é retirado da atividade) e ao
pagamento, em sede de IRS.
E se a primeira mais-valia (que ficou suspensa) é
considerada em apenas 50% do seu valor, na segunda é tido em conta a quase
totalidade do valor (em 95%), porque se lhe aplicam as regras da categoria B e
não as da G. "O imposto é bastante mais pesado", precisa a jurista.
Carla Matos, advogada da CCA Ontier diz não ter conhecimento
de proprietários que se tenham deparado com esta surpresa fiscal, mas
apercebe-se de que esta é uma questão desconhecida entre muitos dos que avançam
para o alojamento local. "As pessoas esquecem-se de que estão a mudar a
afetação da casa e que isto tem implicações fiscais", diz. Esta mudança é
formalizada no Anexo B do IRS quando o contribuinte é convidado a responder à
perguntas sobre se houve afeção do imóvel pessoal à atividade empresarial.
"É aí que a pessoa se coloca no olho do furacão", diz António Gaspar
Schwalbach. O jurista da Telles de Abreu diz que muitas pessoas desconhecem que
podem ser confrontadas com o pagamento de uma mais-valia quando não houve lugar
a qualquer venda do imóvel. Tal como desconhecem que este risco da mais-valia
pode ser eliminado se quem está no alojamento local optar pelas regras de
tributação da categoria F (rendas). Esta possibilidade foi criada no Orçamento
do Estado deste ano, mas o facto de a tributação autónoma de 28% poder sair
mais cara do que as regras de tributação da categoria B (em que apenas são
considerados para efeitos de IRS 35% dos rendimentos obtidos) poderá fazer que
não seja uma alternativa válida.
Salientando que esta "possível mais-valia não faz
sentido nenhum", Eduardo Miranda precisa a necessidade de se adaptarem as
regras fiscais a esta atividade. António Gaspar Schwalbach concorda que o
regime fiscal aplicável ao AL deveria ser simplificado.
Subscritores de 'Travar o Alojamento
Local' contestam resposta tardia
O responsável pela petição 'Travar o
Alojamento Local' afirmou hoje que Portugal reagiu tardiamente e com lentidão
ao fenómeno do arrendamento a turistas, o que levou já moradores de Lisboa a
terem de ir viver para a periferia.
22:15 - 08/06/17 POR LUSA
No âmbito de uma audiência com o presidente do grupo
parlamentar do PS, Carlos César, na Assembleia da República, o primeiro
subscritor da petição, Rui Martins, manifestou-se satisfeito por começar a
existir a consciência junto da classe política de que o alojamento local é um
problema que merece "um caminho de solução rápido".
"Travão não se
deve confundir com extinção", reforçou Rui Martins, indicando que os 700
cidadãos que subscreveram a petição "Travar o Alojamento Local"
pretendem "apenas um equilíbrio entre os dois regimes de ocupação dos
territórios urbanos entre o alojamento local e o arrendamento
tradicional".
Os signatários defendem a "aplicação a Lisboa de
soluções ensaiadas já no estrangeiro", disse, lembrando que Amesterdão,
Nova Iorque, Berlim e Barcelona são cidades que tiveram este problema há dois
anos e que reagiram.
Portugal "está como sempre a reagir com um
atraso", declarou Rui Martins, explicando que, neste caso, há um atraso de
"pelo menos três anos", período durante o qual foram desviadas em
Lisboa pelo menos 19 mil casas do mercado de arrendamento urbano para o
alojamento local.
O epicentro deste fenómeno são as freguesias do centro
histórico de Lisboa, referiu.
"Há zonas em Lisboa onde as ruas inteiras estão
ocupadas por alojamento local", sustentou Rui Martins, explicando
tratar-se de investimentos de grandes empresas.
Questionado sobre a obrigatoriedade de autorização dos
condomínios para o alojamento local, Rui Martins afirmou ser "um caminho
essencial", defendendo que "não faz sentido" que a instalação de
um escritório de advocacia ou um consultório de dentista num apartamento careça
da aprovação do condomínio e "não haja esse tipo de aprovação quando a
atividade é alojamento local".
Para o primeiro subscritor da petição, o alojamento local é
uma atividade comercial e que tem impacto nos "custos de contexto que são
divididos pelos condomínios", nomeadamente o ruído e o lixo.
Em relação ao estabelecimento de quotas, Rui Martins
considerou que é "um mecanismo essencial para impor alguma
regulamentação" e que "está a ser adotado em todas as cidades onde
este 'terramoto' já passou", designadamente Nova Iorque, Berlim e Veneza.
"O preço médio do arrendamento em Lisboa é idêntico ao
preço médio do arrendamento em Berlim e ganham muitíssimo mais do que nós. Os
preços médios são idênticos porque lá há barreiras ao alojamento local, porque
lá há quotas por edifício", disse.
Rui Martins considerou que tal medida não viola o direito de
propriedade, "há apenas uma questão de respeito a um direito
constitucional que é o direito à habitação que não está a ser cumprido porque
há um desvio brutal de casas para o alojamento local".
Para Rui Martins, "não se trata de tirar a propriedade
a ninguém, nem sequer de limitar o uso enquanto habitação, porque são
propriedades adquiridas para o uso de habitação, não para o uso
comercial".
Em 23 de maio, o PS apresentou um projeto de lei para
"assegurar que a atividade de alojamento local, no caso de prédios urbanos
destinados a habitação, não seja exercida com desconsideração dos direitos dos
demais condóminos".
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