quarta-feira, 21 de junho de 2017

Eucaliptugal, o ecocídio da floresta nacional


Eucaliptugal, o ecocídio da floresta nacional

JOÃO CAMARGO  10.10.2013 às 15h16

Portugal tem a maior área de eucalipto plantado de toda a Europa
Portugal é hoje provavelmente o país com maior área de eucaliptal plantado em toda a Europa. Não falamos em termos relativos, mas em termos absolutos de área plantada. Portugal, o pequeno jardim à beira-mar plantado, tem a maior área de eucalipto plantado de todo o continente.

Em 2008 o território português era já o maior produtor mundial de Eucalyptus globulus, à frente de Espanha e da Austrália. A área de eucaliptal na altura era de mais de 700 mil hectares. Cresceu. Hoje o Eucalyptus globulus atinge oficialmente os 812 mil hectares de área plantada no espaço florestal em Portugal. Em termos de área total de eucaliptos plantados, Portugal fica apenas atrás da Índia, do Brasil, da China e da Austrália.

- A área da Índia é 32 vezes a área de Portugal.

-  A área da Austrália é 84 vezes a de Portugal.

- A área do Brasil é 92 vezes a de Portugal.

- A área da China é 104 vezes a de Portugal.

No entanto Portugal compete diretamente com estes países em termos de área plantada de eucalipto, com os seus modestos 91 mil 470 km², onde 8,8% são eucaliptos, 26% de toda a área florestal, recorde mundial.

Na Austrália, país de que são originários os eucaliptos, o Eucalyptus globulus é conhecido como Tasmanian Blue Gum (Árvore da Seiva Azul da Tasmânia), Southern Blue Gum (Árvore da Seiva Azul do Sul), Fever Tree (Árvore da Febre) e até mesmo Gasoline Tree (Árvore Gasolina). Os nomes comuns das árvores costumam ter forte ligação às suas características próprias. Algumas das características deste eucalipto promoveram a sua expansão por todo o mundo, ocupando hoje uma área estimada em 22 milhões de hectares. Este eucalipto é uma árvore de rotação curta e crescimento rápido, o que permite que seja utilizada com uma elevada produtividade e com rápido retorno nos investimentos, o que anda a par com a escolha da economia de curto prazo vigente nos dias de hoje.

Se o eucalipto for introduzido em territórios onde não exista falta de água, ao contrário do seu terreno natural, este crescimento será ainda mais rápido, com elevada voracidade de absorção de água e nutrientes dos solos. E é assim que em Portugal e Espanha temos boas condições para o eucalipto, razão pela qual os mais altos Eucalyptus globulus do mundo se encontram na Península Ibérica e não na Oceânia O eucalipto está perfeitamente adaptado a Portugal, o problema é que Portugal não está perfeitamente adaptado ao eucalipto.

As árvores não podem nem devem avaliadas segundo as suas características próprias como se fossem boas ou más. As suas características derivam das condições naturais em que as mesmas evoluíram e dos fatores que levaram ao seu sucesso nesses mesmos ecossistemas. As condições nas quais este eucalipto evoluiu favoreceram uma série de características próprias excelentes para o seu desenvolvimento no sul da Austrália e na Tasmânia, que poderão não ser as mais adequadas à sua plantação por todo o mundo.

O eucalipto é altamente inflamável, em particular a partir dos 6/7 anos de idade. As folhas do eucalipto libertam o agradável aroma que todos conhecemos, que se compõe de terpenos e de ácidos fenólicos, óleos e compostos que não só inibem o desenvolvimento de microrganismos nos solos das florestas de eucaliptos como também impedem o crescimento de ervas nestes solos, inibindo o desenvolvimento de raízes de sementes de outras espécies. Esta é uma característica importante para o desenvolvimento do eucalipto na Austrália, onde compete com outras espécies para a ocupação de poucos recursos, nomeadamente para absorção de água e minerais. Apesar de altamente inflamável, não é comum o eucalipto morrer em incêndios. A sua casca incendeia-se muito rapidamente, explode e emite projeções da sua casca incandescente até centenas de metros de distância. A elevada acumulação de biomassa das folhas no leito da plantação aumenta o material disponível para a combustão, de difícil decomposição pelos microrganismos.

Os solos das plantações deste eucalipto são altamente hidrofóbicos e os microrganismos têm dificuldade em digerir as folhas e a casca que caem da árvore, razão pela qual há pouca variabilidade de microrganismos presente nas plantações de eucalipto. Consequentemente há menos invertebrados nestas "florestas", menos cogumelos e menos ervas. A possibilidade de qualificar um eucaliptal como passível de integrar um sistema agro-silvo-pastoril ignora o facto de que tanto cabras como ovelhas ou vacas são incapazes de digerir as folhas de eucalipto.

A maior parte das espécies que come matéria vegetal estará portanto afastada das plantações de eucalipto, em todos os locais exceto aqueles em que existem eucaliptos há milhares de anos e onde as espécies como o koala conseguem de facto comer e digerir as folhas do eucalipto. Considerando a difícil habitação da maior parte das espécies num eucaliptal plantado fora do seu habitat, alguém lembrou-se um dia de lhe chamar a estas plantações de "desertos verdes".

Mitos, dirão os produtores deste eucalipto e da pasta branca de papel, apontando estudos que não confirmam nem desmentem uma série de pequenos aspetos passíveis de discussão. Apontarão problemas de gestão para justificar os impactos dos eucaliptos nos solos, os seus efeitos nos níveis de água, tentando negar as características responsáveis pelo sucesso económico do eucalipto: ele cresce rapidamente porque metaboliza rapidamente os nutrientes, absorve mais água e utiliza-a de forma mais eficiente para extrair dos solos a sua riqueza. Depois é cortado e leva essa riqueza consigo.

Não é um complot do eucalipto, é a forma como ele é utilizado. E as únicas formas de gestão do eucalipto que o compatibilizariam com um desenvolvimento harmonioso seriam a negação das características desta árvore que, sendo benéficas para o crescimento económico a curto prazo, são pelas mesmas características prejudiciais ao território, às características dos incêndios, ao esgotamento dos solos da água, à incompatibilidade com a biodiversidade local. E diploma algum em qualquer parte do mundo permitirá mudar a biologia por decreto administrativo.

Se considerarmos além disto que a previsão atual é de que a temperatura no país possa subir até 10ºC nos próximos 75 anos e que o mercado mundial do papel está em declínio, ficam perguntas: qual é o objetivo de tudo isto? Porquê um eucaliptugal, um portugalipto? Quem ganha com este ecocídio? E quando é que vamos deixar de vez de aceitar que espezinhem o nosso direito universal a um ambiente saudável? Quando já não houver?

 João Camargo

Engenheiro Zootécnico

Engenheiro do Ambiente


Técnico de Intervenção da Liga para a Protecção da Natureza

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