Eucaliptugal, o ecocídio da floresta
nacional
JOÃO CAMARGO
10.10.2013 às 15h16
Portugal tem a maior área de eucalipto plantado de toda a
Europa
Portugal é hoje provavelmente o país com maior área de
eucaliptal plantado em toda a Europa. Não falamos em termos relativos, mas em
termos absolutos de área plantada. Portugal, o pequeno jardim à beira-mar
plantado, tem a maior área de eucalipto plantado de todo o continente.
Em 2008 o território português era já o maior produtor
mundial de Eucalyptus globulus, à frente de Espanha e da Austrália. A área de
eucaliptal na altura era de mais de 700 mil hectares. Cresceu. Hoje o
Eucalyptus globulus atinge oficialmente os 812 mil hectares de área plantada no
espaço florestal em Portugal. Em termos de área total de eucaliptos plantados,
Portugal fica apenas atrás da Índia, do Brasil, da China e da Austrália.
- A área da Índia é 32 vezes a área de Portugal.
- A área da Austrália
é 84 vezes a de Portugal.
- A área do Brasil é 92 vezes a de Portugal.
- A área da China é 104 vezes a de Portugal.
No entanto Portugal compete diretamente com estes países em
termos de área plantada de eucalipto, com os seus modestos 91 mil 470 km², onde
8,8% são eucaliptos, 26% de toda a área florestal, recorde mundial.
Na Austrália, país de que são originários os eucaliptos, o
Eucalyptus globulus é conhecido como Tasmanian Blue Gum (Árvore da Seiva Azul
da Tasmânia), Southern Blue Gum (Árvore da Seiva Azul do Sul), Fever Tree
(Árvore da Febre) e até mesmo Gasoline Tree (Árvore Gasolina). Os nomes comuns
das árvores costumam ter forte ligação às suas características próprias.
Algumas das características deste eucalipto promoveram a sua expansão por todo
o mundo, ocupando hoje uma área estimada em 22 milhões de hectares. Este
eucalipto é uma árvore de rotação curta e crescimento rápido, o que permite que
seja utilizada com uma elevada produtividade e com rápido retorno nos
investimentos, o que anda a par com a escolha da economia de curto prazo
vigente nos dias de hoje.
Se o eucalipto for introduzido em territórios onde não
exista falta de água, ao contrário do seu terreno natural, este crescimento
será ainda mais rápido, com elevada voracidade de absorção de água e nutrientes
dos solos. E é assim que em Portugal e Espanha temos boas condições para o
eucalipto, razão pela qual os mais altos Eucalyptus globulus do mundo se
encontram na Península Ibérica e não na Oceânia O eucalipto está perfeitamente
adaptado a Portugal, o problema é que Portugal não está perfeitamente adaptado
ao eucalipto.
As árvores não podem nem devem avaliadas segundo as suas
características próprias como se fossem boas ou más. As suas características
derivam das condições naturais em que as mesmas evoluíram e dos fatores que
levaram ao seu sucesso nesses mesmos ecossistemas. As condições nas quais este
eucalipto evoluiu favoreceram uma série de características próprias excelentes
para o seu desenvolvimento no sul da Austrália e na Tasmânia, que poderão não
ser as mais adequadas à sua plantação por todo o mundo.
O eucalipto é altamente inflamável, em particular a partir
dos 6/7 anos de idade. As folhas do eucalipto libertam o agradável aroma que todos
conhecemos, que se compõe de terpenos e de ácidos fenólicos, óleos e compostos
que não só inibem o desenvolvimento de microrganismos nos solos das florestas
de eucaliptos como também impedem o crescimento de ervas nestes solos, inibindo
o desenvolvimento de raízes de sementes de outras espécies. Esta é uma
característica importante para o desenvolvimento do eucalipto na Austrália,
onde compete com outras espécies para a ocupação de poucos recursos,
nomeadamente para absorção de água e minerais. Apesar de altamente inflamável,
não é comum o eucalipto morrer em incêndios. A sua casca incendeia-se muito
rapidamente, explode e emite projeções da sua casca incandescente até centenas
de metros de distância. A elevada acumulação de biomassa das folhas no leito da
plantação aumenta o material disponível para a combustão, de difícil
decomposição pelos microrganismos.
Os solos das plantações deste eucalipto são altamente
hidrofóbicos e os microrganismos têm dificuldade em digerir as folhas e a casca
que caem da árvore, razão pela qual há pouca variabilidade de microrganismos
presente nas plantações de eucalipto. Consequentemente há menos invertebrados
nestas "florestas", menos cogumelos e menos ervas. A possibilidade de
qualificar um eucaliptal como passível de integrar um sistema
agro-silvo-pastoril ignora o facto de que tanto cabras como ovelhas ou vacas são
incapazes de digerir as folhas de eucalipto.
A maior parte das espécies que come matéria vegetal estará
portanto afastada das plantações de eucalipto, em todos os locais exceto
aqueles em que existem eucaliptos há milhares de anos e onde as espécies como o
koala conseguem de facto comer e digerir as folhas do eucalipto. Considerando a
difícil habitação da maior parte das espécies num eucaliptal plantado fora do
seu habitat, alguém lembrou-se um dia de lhe chamar a estas plantações de
"desertos verdes".
Mitos, dirão os produtores deste eucalipto e da pasta branca
de papel, apontando estudos que não confirmam nem desmentem uma série de
pequenos aspetos passíveis de discussão. Apontarão problemas de gestão para
justificar os impactos dos eucaliptos nos solos, os seus efeitos nos níveis de
água, tentando negar as características responsáveis pelo sucesso económico do
eucalipto: ele cresce rapidamente porque metaboliza rapidamente os nutrientes,
absorve mais água e utiliza-a de forma mais eficiente para extrair dos solos a
sua riqueza. Depois é cortado e leva essa riqueza consigo.
Não é um complot do eucalipto, é a forma como ele é
utilizado. E as únicas formas de gestão do eucalipto que o compatibilizariam
com um desenvolvimento harmonioso seriam a negação das características desta
árvore que, sendo benéficas para o crescimento económico a curto prazo, são
pelas mesmas características prejudiciais ao território, às características dos
incêndios, ao esgotamento dos solos da água, à incompatibilidade com a
biodiversidade local. E diploma algum em qualquer parte do mundo permitirá
mudar a biologia por decreto administrativo.
Se considerarmos além disto que a previsão atual é de que a
temperatura no país possa subir até 10ºC nos próximos 75 anos e que o mercado
mundial do papel está em declínio, ficam perguntas: qual é o objetivo de tudo
isto? Porquê um eucaliptugal, um portugalipto? Quem ganha com este ecocídio? E
quando é que vamos deixar de vez de aceitar que espezinhem o nosso direito
universal a um ambiente saudável? Quando já não houver?
João Camargo
Engenheiro Zootécnico
Engenheiro do Ambiente
Técnico de Intervenção da Liga para a Protecção da Natureza
Sem comentários:
Enviar um comentário