Há homens que só querem ver o mundo
arder
Paris é apenas o último compromisso
internacional sobre alterações climáticas destruído pela indústria petrolífera
e pelos EUA.
JOÃO CAMARGO
1 de Junho de 2017, 6:58
As notícias acerca de uma tomada de decisão do Presidente
Donald Trump sobre o Acordo de Paris, não sendo uma novidade, dão uma machadada
no fraco acordo. Os EUA persistem em impedir um acordo global para travar as
alterações climáticas, o que indica outros caminhos de acção multilateral e
deve despertar as populações para a realidade inultrapassável de que a grande
concertação internacional à volta das alterações climáticas foi sempre minada
pelos interesses das empresas petrolíferas e das grandes energéticas, que
aceitam ver o mundo a arder, desde que tal garanta mais duas ou três décadas de
dinheiro a entrar nos cofres.
Donald Trump é o líder adequado para um petroestado:
profundamente ignorante do funcionamento do mundo, alienado de qualquer conhecimento
científico e focado numa narrativa medieval do excepcionalismo estado-unidense,
cuja principal característica é a do “líder forte”. A sua única acção
presidencial com nível de aceitação acima dos 50% foi bombardear outro país.
Isto também explica a sua ligação a Vladimir Putin, líder do petroestado russo.
Estes dois países são os maiores produtores combinados de petróleo e gás, e a
acção concertada para desmantelar nacionalmente as restrições internas às
emissões poluentes e internacionalmente o Acordo de Paris confirmam a intenção
de serem a tábua de salvação da indústria do petróleo e do gás. Para tal, Trump
assumiu uma agenda militante de negacionismo das alterações climáticas,
mandando as agências públicas apagar referências nos seus sites à maior questão
dos nossos tempos.
Mas no que diz respeito às petrolíferas, Trump não está
assim tão distante dos seus antecessores. Foi durante o mandato de Obama que os
EUA se tornaram os maiores produtores de petróleo e gás por fracking,
suplantando a Arábia Saudita. Mesmo antes disso, os EUA sabotaram
sistematicamente qualquer acordo internacional: desde a COP-1 em 1995, as
petrolíferas estiveram representadas pelos EUA e forçaram o Protocolo de Kyoto
em vez de uma taxa global sobre as emissões. Depois, os EUA recusaram-se a
ratificar o protocolo que impuseram. O próprio Acordo de Paris só é um
“acordo”, porque se fosse “tratado” e vinculativo Obama não o teria conseguido
aprovar na Câmara dos Representantes dominada pelo Partido Republicano. Paris é
apenas o último compromisso internacional sobre alterações climáticas destruído
pela indústria petrolífera e pelos EUA.
Kyoto, com as suas metas de cortes de emissões vinculativas
mas transaccionáveis, foi impotente para travar o aumento de emissões de
dióxido de carbono a nível global. O Acordo de Paris, com metas nacionais não
vinculativas, se fosse cumprido, ficaria preso num aumento de temperatura de
2,7ºC a 3,7ºC até 2100. Mas algo está a acontecer a nível energético à escala
global, e os últimos três anos viram uma estagnação no nível de emissões de
CO2. Além da explosão das energias renováveis, essa estagnação significa que a
recta ascendente de produção de petróleo e gás nos EUA, em crescendo desde
2009, estabilizou. Apesar disso, o país de Trump continua a ser o maior
responsável pelas alterações climáticas, já que é o maior produtor e o maior
consumidor de produtos petrolíferos à escala global (a China é o maior emissor
de dióxido de carbono, mas a maior parte dos produtos da sua indústria são
exportados).
Este corte de emissões de CO2 a nível global é importante e
dá-nos mais notícia do que uma tomada de decisão de Donald Trump: mesmo que os
EUA se mantenham no Acordo, a probabilidade de o cumprirem é muito baixa. Por
outro lado, a União Europeia está a embarcar no seu próprio resgate às
petrolíferas, através do investimento massivo em gás natural, ignorando o
gigantesco volume de emissões de metano (outro gás com efeito de estufa) nos
processos de extracção, armazenamento e transporte e aumentando o aquecimento
do planeta no curto prazo. Há homens que só querem ver o mundo arder.
O movimento político global pela justiça climática, popular,
social e transformador, que trave o petróleo e gás e avance firmemente na
direcção de um novo modelo energético e económico, sem ilusões acerca do
processo negocial internacional como ele existe, continua a ser a melhor
garantia para lidar com as alterações climáticas.
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