Merkel e Macron: a última
oportunidade
O que há de novo nesta tentativa de
dar vida ao eixo Paris-Berlim são as circunstâncias. A eleição de Trump e o
Brexit voltaram a colocar a França e a Alemanha sozinhas frente-a-frente.
Teresa de Sousa
11 de Junho de 2017, 6:08
1. Emmanuel Macron operou uma verdadeira revolução do
sistema político francês em menos de um ano, que será confirmada hoje com uma
vasta maioria na Assembleia Nacional. Venceu, defendendo a Europa, a abertura
ao mundo e mais generosidade perante os refugiados. Foi uma inesperada mas
bem-vinda lufada de ar fresco numa Europa ainda manietada pelas divisões internas
e pela ascensão de forças populistas e nacionalistas que põem em causa a
própria integração. O seu maior desafio pode ser reformar a França. Não apenas
porque a economia francesa teima em comportar-se pior do que as suas
congéneres, mas porque disso dependerá também a sua segunda missão fundamental:
devolver a vida ao eixo Paris-Berlim.
Quando visitou a chanceler no dia seguinte à tomada de
posse, resumiu ao que vinha. “Cada um de nós tem uma tarefa. Eu tenho que levar
a cabo reformas que são necessárias para a França e para restaurar a confiança
entre a Alemanha e a França. A chanceler tem de conseguir convencer a opinião
pública e a classe política alemãs”. De quê? De que é preciso completar a
reforma da zona euro de modo a prevenir novo desastre. Macron defende mais
integração e maior partilha de risco. Até agora, a Alemanha ignorou todas as
propostas nesse sentido, insistindo em que não quer uma “Europa de
transferências”, ou seja, nada que custe dinheiro aos contribuintes alemães.
Merkel não rejeitou as suas palavras. A sua visão sobre o futuro da Europa
evoluiu de forma assinalável desde que chegou ao poder, quando via o futuro da
Alemanha garantido pela força da sua economia. Aprendeu muito nos últimos anos,
quando teve de enfrentar a Rússia, o terrorismo, o Brexit ou a eleição de
Donald Trump, substituindo um Presidente com o qual estabeleceu uma forte
relação de confiança. O seu discurso já mudou alguma coisa. Insiste mais na
ideia de que a Europa é do interesse vital do seu país, que beneficia dela em
todas as suas dimensões. Há 15 dias, vinda das cimeiras da NATO e do G7, avisou
os alemães de que já não podem contar “completamente” com os Estados Unidos
para garantirem a sua segurança. Em Setembro, vai provavelmente ser eleita para
o seu quarto mandato. Como lhe disse Macron, tem de convencer a opinião pública
alemã de que é do seu interesse manter a Europa unida, mesmo que isso lhes
custe algum dinheiro. Talvez possa contar hoje com uma nova corrente de opinião
que defende que a chanceler tem de apoiar a França mesmo que isso implique
sacrifícios, porque está perante a última oportunidade de devolver à integração
europeia um dinamismo e uma liderança que muita gente já considerava
impossíveis. Quanto às eleições, diz à Reuters Claire Demesmay, do German
Council on Foreign Relations: “Na perspectiva de Macron, o ideal seria uma
grande coligação [CDU/CSU-SPD] sem Schäuble”.
2. Entretanto, o Presidente francês já conseguiu devolver à
França o seu lugar na Europa. Com uma assinalável mestria e um sentido apurado
da importância dos gestos na cena internacional. Fê-lo na cimeira da NATO ou na
resposta a Donald Trump, em ingkês e perto da meia-noite, quando este anunciou
o abandono do Acordo de Paris. Recebeu Putin em Versalhes, mas não cedeu nada quanto
às sanções, enquanto o Presidente russo não cumprir os acordos de Minsk. Neste
capítulo, é fácil um entendimento com Merkel. Ambos estão a trabalhar para dar
à Europa uma política de segurança e defesa devidamente apoiada por uma maior
operacionalidade militar. São apenas os primeiros passos. Nada poderá
substituir os EUA (ambos não têm qualquer ilusão sobre isso), mas há coisas que
a Europa pode fazer sozinha e qualquer reforço da sua capacidade militar
traduzir-se-á no reforço da NATO. A saída do Reino Unido é um golpe duro.
Ontem, Macron fez a diferença na forma como reagiu aos resultados das eleições.
Telefonou a May, felicitou-a, disse-lhe que continuava a contar com o seu país,
convidou-a a ir visitá-lo logo que possa. Apesar da eterna rivalidade, os dois
países estão ligados pela cooperação militar e pelo seu estatuto de potências
nucleares.
3. Resta a pergunta óbvia: qual é a diferença entre Macron e
os seus dois antecessores, Sarkozy e Hollande? Ambos iniciaram os seus mandatos
com promessas de entendimento com a chanceler (que está lá desde 2005). Ambos
chegaram ao fim mantendo a aparência de um bom entendimento. A Alemanha não
abdicou um instante da oportunidade de refazer as regras do euro de acordo com
o seu interesse, ignorando as suas consequências devastadoras. O que há de novo
nesta tentativa de dar vida ao eixo Paris-Berlim são as circunstâncias. A
eleição de Trump e o Brexit voltaram a colocar a França e a Alemanha sozinhas
frente-a-frente. O Reino Unido era o terceiro pilar desta relação, funcionando
como uma espécie de árbitro. Para Merkel, a ortodoxia financeira de Londres e a
sua defesa da liberdade de comércio ajudavam a conter a visão francesa, menos
austera e menos aberta à globalização. Para a França, a parceria militar com o
Reino Unido ajudava a lidar com uma Alemanha cada vez mais hegemónica.
Finalmente, Trump funcionou para Berlim como uma ameaça à solidez do segundo
pilar da sua relação com o mundo: a aliança com os EUA. O que está hoje em
causa para Berlim e para Paris é muito diferente do que poderia estar há um ano
atrás. Merkel tem a oportunidade que lhe dá um quarto mandato para escrever o
seu lugar na História: a chanceler que veio do Leste para salvar a Europa ou
para acabar com ela. Ambos têm pela frente uma oportunidade histórica mas
também irrepetível. É esta a grande diferença.
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