Em todas as cidades Europeias ( e não só ) confrontadas com
este desafio foram impostos limites de ocupação e oferta . Estamos apenas no
princípio deste fenómeno e do confronto repentino com os mesmo. Portugal irá
irremediávelemente seguir o processo e o caminho traçado por outras cidades.
Amsterdão limitou o periodo a um máximo de 60 dias por ano e
quatro pessoas no máximo por edifício. A vaga de fundo de irritação e
descontentamento é entretanto tão crescente e grande que se pensa em diminuir
este período para um máximo de 30 dias.
OVOODOCORVO
O turismo dos ovos de ouro
05 DE JUNHO DE 2017
00:00
Fernanda Câncio
O turismo está na moda e também está na moda dizer mal do
turismo." As palavras são do primeiro-ministro, na semana passada, em
pleno debate público sobre a proposta do PS que prevê poderem os condomínios,
em edifícios de habitação, vetar a existência de alojamento local.
António Costa tem razão: há algum tempo que se assiste a um
crescendo de protestos em relação ao turismo, muitos deles bacocos (há quem
vocifere, por exemplo, contra a Câmara de Lisboa por estar a fazer obras de
embelezamento "só para agradar aos turistas") e não raro até
xenófobos. António Costa não tem razão: há motivos para preocupação com as
consequências da explosão no afluxo de turistas, sobretudo no que respeita aos
centros das duas principais cidades portuguesas. E esta preocupação não
equivale a ser "contra o turismo"; é de simples bom senso perceber
que de 2013-14 para cá as coisas mudaram a uma velocidade assustadora,
nomeadamente no centro de Lisboa, e que é preciso que a política e a regulação
reajam de modo a enquadrar o que se passa, emendar o que está mal e evitar
(mais) desastres.
Infelizmente, como é uso por cá, é difícil ter uma discussão
sensata. E estando-se, no caso do alojamento local, a debater uma proposta do
PS, ainda temos partidarite à mistura. É ver, por exemplo, a direita
supostamente liberal a mandar as mãos à cabeça por se querer entregar a
privados a decisão sobre o que se passa na sua compropriedade. Alega-se, entre
outras coisas, que "os condomínios não se entendem para nada", que
"se abre caminho a grandes injustiças, com o condomínio a aprovar um AL
num caso e a rejeitar no outro" e até que "há a hipótese de
subornos". Portanto, a ideia é de que se se aprova um AL têm de se aprovar
todos; se se rejeita um têm de se rejeitar todos. O CDS até apresentou uma
proposta nesse sentido: o condomínio só poderá impedir um AL se tiver
especificado antes, nos estatutos, que os interdita. Não se discute, portanto,
o princípio de que o condomínio tem o poder de decidir, mas é tudo ou nada; não
pode deliberar caso a caso.
Não ocorrerá ao CDS algo tão simples como não ser o mesmo,
em termos de perturbação para quem habita um edifício, ter um AL no piso térreo
ou no último andar, ou conviver com um AL ou com cinco. Ou seja, que há uma
imensidão de motivos razoáveis para que se autorize um AL e não outro (ou mais
outro). E que fazer depender a possibilidade de não autorizar de uma interdição
total estatuída previamente pressupõe que o condomínio em causa não alberga já
um AL - quando são já muito poucos os edifícios das zonas mais afetadas nessas
circunstâncias.
Introduz a autorização caso a caso a possibilidade de
arbitrariedade? É verdade. Mas quem melhor que as pessoas que detêm e habitam
um edifício para decidir sobre o que é adequado e pacífico fazer-se nele? E se
sim, se as reuniões de condomínio podem ser insuportáveis, não é nelas que tem
de se decidir tudo o que tem que ver com o dito? Qual é a alternativa?
Há quem, como o meu amigo Luís Aguiar-Conraria, no Observador,
sugira serem as juntas de freguesia a regular o AL. Não é má ideia; mas a outro
nível de regulação. As juntas - cujos presidentes o DN já ouviu no caso de
Lisboa, todos defendendo a necessidade de impor limites ao AL - podem, por
exemplo, estabelecer quotas de AL por edifício, por rua, por zona. Porém, devem
ser os comproprietários de cada edifício a decidir se aí pode "abrir"
um AL e, alicerçados nessa prerrogativa, estarão em situação de impor
condições: mensalidades mais elevadas, horários de entrada e saída, exigências
de segurança e de disposição de lixo, etc. Já as podem requerer, dir-se-á; mas
não têm como certificar que são cumpridas.
Outro argumento muito repetido é o das leis que proíbem
algumas das perturbações alegadas para justificar a proposta do PS, como o
ruído em horas de descanso, etc. "Chama-se a polícia e pronto",
alega-se. Ah sim? Portanto, se se pode chamar a polícia de cada vez que se é
acordado às cinco da manhã por alguém a tocar à campainha alegando ter
esquecido a chave, está tudo OK? Será assim tão difícil perceber que as pessoas
não querem chamar a polícia, querem não ter chatices, viver em sossego e evitar
conflitos? E que a maioria das construções dos centros históricos não têm
isolamento sonoro e portanto é muito elevada a chance de que ocupantes novos a
cada três dias, sem a pressão social que a vizinhança de longo curso produz,
resultem em maior perturbação?
Por fim, há o argumento do bem comum - "o AL causa
chatices aos vizinhos mas temos de nos sacrificar pela economia porque o
turismo é muito importante"; "esta questão afeta um número muito
pequeno de pessoas, portanto não justifica legislação nacional". Ou seja,
os habitantes dos centros históricos - entre os quais me conto - teriam de se
conformar. Até porque, e L.A.-C di-lo, o único inquérito aos lisboetas sobre o
turismo, encomendado pela insuspeita Associação de Turismo de Lisboa,
assevera-os esfuziantes com a enchente. No que, a ser verdade, serão um
fenómeno mundial, como se constata pelas reações dos habitantes de outras urbes
pressionadas pelo turismo em geral e pelo AL em particular, como Barcelona,
Nova Iorque e Copenhaga. Nestas, face aos efeitos devastadores do AL na
tranquilidade dos habitantes e no preço do imobiliário e à consequente
turistificação (e portanto desertificação) das zonas mais cobiçadas, o
movimento de protesto consubstanciou-se em regulações hiper-restritivas do AL.
Vamos esperar por esse nível de conflitualidade e pela ocorrência da catástrofe
para acordar, como sempre tarde de mais? Ninguém aprendeu nada com o Algarve?
Sem comentários:
Enviar um comentário