Resistência e desobediência: a
resposta à saída dos EUA do Acordo do Clima
O Presidente dos EUA acordou para uma
nova realidade depois de anunciar a sua decisão de retirar o país do pacto
global contra as alterações climáticas. Agora é "todos contra Trump".
RITA SIZA 2 de Junho de 2017, 20:17
Manifestantes concentraram-se `em frente à embaixada dos EUA
em Berlim para protestar contra decisão de TrumpFoto
Manifestantes concentraram-se `em frente à embaixada dos EUA
em Berlim para protestar contra decisão de Trump REUTERS/FABRIZIO BENSCH
Já tinha acontecido com anteriores decisões controversas, do
decreto que proibia a entrada de refugiados sírios e cidadãos de sete países
muçulmanos nos Estados Unidos à proposta para revogar o programa de saúde
conhecido como Obamacare. Os aplausos e elogios que Donald Trump ouviu na Casa
Branca ao anunciar a sua decisão de retirar o país do Acordo do Clima de Paris,
contrastaram com os gritos de protesto que se seguiram – em Washington e várias
outras cidades norte-americanas, e de todo o mundo.
Como antes, quando os tribunais ou os senadores puseram um
travão nas pretensões e iniciativas do Presidente, Trump e os seus conselheiros
e defensores não precisaram de esperar muito para perceber até que ponto a sua
última manobra política corre o risco de sair gorada. A desobediência – e a
resistência – está na rua.
Numa reacção interna que apenas promete continuar a crescer,
dirigentes locais e estaduais, organizações não-governamentais e executivos e
administradores de empresas, anunciaram que não vão acatar a decisão
presidencial, e vão continuar a cumprir os compromissos – de redução até 28%
das emissões de gases com efeito de estufa em dez anos, e também de
contribuições financeiras até três mil milhões de dólares para o Fundo Verde do
Clima – que foram assumidos pela anterior Administração Obama aquando da assinatura
do Acordo de Paris, no fim de 2015.
Um novo movimento, a Aliança para o Clima dos Estados
Unidos, foi já constituído para negociar com as Nações Unidas a sua adesão ao
pacto de Paris na qualidade de “grupo independente”. Dele fazem parte os
estados da Califórnia, Nova Iorque e Washington (que juntos respondem por um
quinto do PIB e 11% das emissões de carbono do país); mais de 80 municípios,
entre os quais o de Pittsburgh; 80 universidades e mais de uma centena de
empresas. O magnata dos media e antigo mayor de Nova Iorque, Michael Bloomberg,
comprometeu-se a doar 14 milhões de dólares nos próximos dois anos, para apoiar
os esforços da nova aliança.
Um vídeo gravado por Arnold Schwarzenegger, transformado em
arqui-inimigo por Donald Trump, está a ser partilhado nas redes sociais: o
actor e antigo governador da Califórnia lembra que 70% das emissões podem ser
controladas pelas autoridades locais e estaduais, que “certamente vão saber
responder ao desafio e preencher o vazio que o Presidente deixou”. “Um homem
não pode destruir o nosso progresso. Não pode travar a revolução das energias
limpas. Nem pode viajar para trás no tempo”, afirma.
Entretanto, o grupo de conselheiros para as questões
económicas reunido por Donald Trump começou a encolher em retaliação pela
decisão do Presidente. Depois de o fundador da construtora de automóveis
eléctricos Tesla, Elon Musk, confirmar o seu abandono daquele fórum informal,
também o chefe da Walt Disney, Bob Iger, renunciou ao cargo. “Discordo
profundamente com a decisão de abandonar o Acordo do Clima de Paris”, explicou,
acrescentando que para ele a protecção do planeta é uma “questão de princípio”.
O CEO do banco Goldman Sachs, Lloyd Blankfein, estreou-se no
Twitter com uma mensagem que dizia que a acção de Trump “é um revés para o
ambiente e para a posição de liderança dos EUA no mundo”. Outros líderes
empresariais, da General Electric, Ford, Dow Chemical, Microsoft, Google,
Facebook, eBay, e das petrolíferas Exxon-Mobil, Conoco e BP, exprimiram o seu
desagrado com a postura de Trump, e o seu apoio aos objectivos fixados pela
comunidade internacional para travar o aquecimento global. “Esta foi uma
decisão incrivelmente míope. Partilhamos todos o mesmo planeta, precisamos de
trabalhar juntos para o salvar”, resumiu o CEO do Twitter, Jack Dorsey.
O isolamento e oposição ao Presidente também se sentem na
arena política interna, onde a mobilização para as eleições intercalares de
2018, e para as presidenciais de 2020 – quando Trump pretende concorrer a um
segundo mandato – vai passar pela denúncia da sua filosofia da América contra o
mundo. O que o Presidente fez foi “transformar o ambiente na grande questão
eleitoral de 2018 e 2020”, escreveu no Twitter o veterano analista político
Stuart Rothenberg, acrescentando que a pressão da oposição e a resistência da
opinião pública vão manter o assunto no topo da agenda política, desgastando a
imagem de vitória que Trump tenta projectar. “E isso definitivamente
desfavorece o Partido Republicano”, considerou.
Trump vs o resto do mundo
Ao contrário de outros líderes estrangeiros, da Europa à
Índia, China e Japão, ou às pequenas ilhas do Pacífico ameaçadas pela subida do
nível do mar, o Presidente da Rússia não parece muito preocupado com as
implicações internacionais da retirada dos EUA do Acordo do Clima de Paris
anunciada por Trump. “Don’t worry, be happy!”, comentou Vladimir Putin,
lembrando que os EUA só ficarão de fora do acordo no final de 2020, pelo que
“ainda há muito tempo” para concertar uma estratégia global de combate às
alterações climáticas.
Num claro contraste ao coro internacional que criticou a
decisão de Trump como “extremamente lamentável”, Putin disse compreender a
posição do Presidente norte-americano. “Não sou eu que o vou julgar”,
prosseguiu Putin, que tal como Trump não está a ouvir o que dizem os restantes
líderes mundiais: que o tempo das negociações já passou e que o caminho
iniciado em Paris é “irreversível”.
O violento discurso em tons nacionalistas com que Trump
justificou o seu abandono do pacto de Paris – “Até quando a América ia
continuar a ser menorizada? Até quando os líderes dos outros países iam
continuar a rir-se de nós?” –, acabou por expor a fractura transatlântica que
já se antevira nas reuniões dos aliados da NATO e dos parceiros do G7. A última
“provocação” de Trump parece ter sido a gota de água, e a anterior reserva deu
lugar à hostilidade e ao confronto aberto.
As últimas duas semanas representaram “o mais triste de uma
era de 70 anos de liderança global americana”, lamentou o antigo secretário
americano da Defesa, Leon Panetta, para quem as “políticas da 'América
Primeiro' estão a ameaçar os interesses estratégicos” do país. Outros analistas
estimam que o Presidente dos EUA comece a ouvir “não” sempre que precisar da
ajuda dos seus aliados (por exemplo, para o reforço de tropas da NATO no
Afeganistão). “A Pax Americana acabou. Bem vindos ao Ground Zero”, escreveu o
director da consultora Eurasia, Ian Bremmer, que leu nesta decisão uma
abdicação do estatuto de “nação indispensável” dos EUA.
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