Tuk-Tuks em Lisboa: “Se esta guerra
for de rufias nós vamos perdê-la”
A Câmara de Lisboa apresentou uma
proposta no final do ano passado para que os tuk-tuks passassem a ser
eléctricos, mas o documento ainda não entrou em vigor. As empresas destes
veículos que surgiram há cerca de quatro anos sentem-se “discriminadas”.
NELMA SERPA PINTO 3 de Julho de 2017, 8:39
Tuk tuks têm 116
lugares para pararem os veículos em Lisboa, mas os profissionais queixam-se que
“não são suficientes
Há três anos que os dias de Verão de António - que pediu
para ser assim identificado - são passados no assento da frente do tuk-tuk. Tem
25 anos, é guia há três e desde então que os problemas são os mesmos. Poucos
lugares para estacionar, várias ruas em que não pode circular e muitas multas
para pagar. “É uma verdadeira discriminação. Parece o apartheid da animação
turística”, refere João Tarrana, sócio da empresa EcoTuk Guide, na qual António
trabalha.
Ora poluem, ora fazem barulho ou causam problemas no
trânsito. “Se os tuks passarem todos a eléctricos, e é para aí que caminhamos,
deixam de poluir e de fazer barulho. Além disso são veículos pequenos e podem
andar a 50 quilómetros por hora, que é a velocidade máxima permitida para
circular na cidade”, refere João Tarrana, que é também coordenador do
Departamento de Operadores de Veículos Motorizados da APECATE (Associação
Portuguesa de Empresas de Congressos, Animação Turística e Eventos).
Porém, a proposta apresentada pela Câmara de Lisboa no dia
21 de Dezembro de 2016 - que pretende obrigar todos tuk-tuks a passarem a
eléctricos - não foi aprovada. O regulamento foi para consulta pública, mas não
voltou à Assembleia Municipal com a incorporação dos contributos da consulta e
nem sequer foi ainda votada pelo executivo.
De qualquer forma, a empresa de João Tarrana já está
preparada, caso o regulamento passe a vigorar na capital. Mas teve de investir
150 mil euros para trocar os dez tuks da sua empresa por eléctricos. “Tivemos
de vender os dez tuks a gasolina e comprar outros tantos eléctricos novos e com
matrícula branca. Foi um investimento muito grande”, explica.
“Pagava 40€ para ir para casa?”
Florêncio Almeida, presidente da associação de táxis ANTRAL,
refere que “os tuk-tuks são uma concorrência para os táxis e que,
inclusivamente, fazem viagens como se fossem táxis em vez de se limitarem a
fazerem roteiros turísticos”.
Esta acusação é frequentemente associada a estes veículos,
mas João Tarrana nega que corresponda à realidade. “Quer dizer, o guia esteve a
estudar, fala línguas, sabe sobre a arquitectura e história da cidade e tem uma
cultura acima da média e depois faz mais barato que o táxi?”, questiona. “E,
além disso, quem pagava 40 euros para ir para casa? É que esse é o valor mínimo
por uma viagem”, acrescenta.
Os tuk-tuks podem apanhar passageiros em qualquer lado e “só
é contra a lei se o passageiro pedir para ir para um sítio fora do programa que
a empresa apresentou à câmara, como é o caso, por exemplo, do aeroporto ou do
estádio do Benfica. Mas se fizer parte dos circuitos não há problema em fazer o
trajecto que o passageiro queira" explica João Tarrana. “E se o turista
quiser ir só de um sítio para outro, aviso logo que sou mais caro e vou a fazer
tour na mesma”, explica António. “As pessoas criam cenários que não são reais”,
completa o patrão.
“Esta discriminação não pode existir”
João Tarrana, no papel de coordenador do Departamento de
Operadores de Veículos Motorizados da APECATE, queixa-se de uma “discriminação”
dos tuk-tuks por parte da autarquia. “Há sinais pela cidade que dizem 'proibido
a veículos afectos a actividade turística não pesados'. Agora não me digam que
estão preocupados com o constrangimento da via, com a poluição e com o ruído
para depois deixarem os pesados circular e a nós não”, aponta. “Quando
confrontamos a câmara com este argumento ficam calados”, conta.
“Esta discriminação não pode existir. Não digo que a câmara
esteja contra nós, mas está sob pressões dos interesses que já estavam
instalados”, refere João Tarrana, referindo-se aos táxis e autocarros
turísticos. “Temos falado com os vereadores de todos os partidos na Assembleia
Municipal, menos com os do PS, porque não nos receberam. E também não fomos
atendidos pelo presidente da câmara. Têm que nos ouvir, pelo menos isso”,
menciona.
Além da Câmara, também sentem uma perseguição por parte da
Polícia Municipal. “Basta só parar para largar uma pessoa que já dá multa. Até
a EMEL já multou um tuk-tuk que tinha o papel do estacionamento pago”, conta
António. “Mas não é assim que vão conseguir limitar o número de veículos”,
adianta João, queixando-se ainda dos "poucos" lugares que têm para
parar enquanto esperam passageiros: "116 na cidade toda é muito pouco para
os veículos que há" - refere.
A Polícia Municipal confirmou ao PÚBLICO que durante 2016
verificou 815 infracções relativas a tuk-tuks e acrescentou que, em 2017, até
ao último dia de Maio, verificou 230 infracções relativas a este tipo de
veículo. “O número de infracções registado está a mostrar uma tendência para
diminuir”, informou, em reposta escrita.
Por seu lado, a Polícia de Segurança Pública, comunicou ao
PÚBLICO que desde o início de 2016 até ao dia 22 de Junho de 2017, foram
autuados 45 tuk-tuks.
Os tuk-tuks são regulados pelo decreto-lei 108/2009 e
registados pelo RNAAT (Registo Nacional dos Agentes de Animação Turística), mas
em Lisboa têm um despacho próprio que impõe algumas regras específicas para a
capital (Despacho n.º 123-P-2015).
“Acabamos por ir respeitando o despacho, porque não queremos
problemas nem somos vândalos. Mas a APECATE, por exemplo, tem uma pessoa no Miradouro
Nossa Senhora do Monte para controlar o tráfego e não foram precisas leis”,
refere João Tarrana. E acrescenta: “Se esta guerra for de rufias, nós vamos
perdê-la, porque nós não o somos”.
Apesar das insistentes tentativas do PÚBLICO, a Câmara de Lisboa
não respondeu.
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