O maior erro político de António
Costa
António Costa deixou que se lhe
colasse à pele a fama de um líder que só gosta de dar a cara nas horas boas.
João Miguel Tavares
6 de Julho de 2017, 6:01
O grande azar de António Costa é a impossibilidade de sentar
as labaredas e os ladrões de armamento a uma mesa de negociações. Se desse para
amarrá-los a um tampo de mogno, todos sabemos que o primeiro-ministro,
coadjuvado por Pedro Nuno Santos e por Diogo Lacerda Machado, conseguiria
certamente chegar a resultados admiráveis e alcançar entendimentos impossíveis.
O fogo teria matado, quando muito, dois ou três idosos acamados. Os ladrões
teriam roubado, quando muito, três caixas de munições velhas e uma dúzia de G3
por olear. Seriam tragédias negociadas e suaves. Assim, foram apenas tragédias.
Após ano e meio de legislatura, tanto os admiradores de
António Costa como os seus adversários são obrigados a reconhecer o seu génio
na arte do compromisso. Só que ninguém sabe nada acerca da sua fibra: de que é
António Costa feito quando é impossível negociar? Os primeiros sinais não são
brilhantes. Costa teve ao longo da sua carreira política vários momentos de
hesitação, um dos quais muito badalado, durante a liderança de António José
Seguro. Como primeiro-ministro, contudo, todo ele exalava confiança.
Faltava-lhe um teste a sério. Quando chegou, e logo em dose dupla, chegaram
também as perguntas difíceis: será que, quando é preciso cortar rente, assumir
os erros, dar o peito às balas, António Costa consegue fazê-lo com a mesma
competência e naturalidade com que enfiou o PCP e o Bloco de Esquerda no bolso?
Quando a temperatura na cozinha começa a subir muito, será que Costa é mais
Chamberlain ou mais Churchill? Será que consegue assumir rupturas dolorosas ou
está condenado a praticar o eterno apaziguamento? Eis uma série de questões a
que nenhum português está ainda totalmente habilitado a responder.
Desde logo, claro, porque António Costa resolveu desaparecer
a meio do primeiro exame sério à sua capacidade de liderar em tempos adversos.
Devo dizer que me chateia imenso criticar um político que tira uma semana de
férias. Ser primeiro-ministro é trabalhar de manhã à noite, sete dias por
semana, e toda a gente precisa de descansar – até para manter a sanidade
mental. Além disso, nós gostamos de políticos sérios e poupados, mas depois
tratamo-los como se fossem ricos, e pudessem desmarcar e remarcar férias com a facilidade
de um milionário. Contudo, todas as regras têm excepção, e no presente contexto
é perfeitamente natural que a semana de férias de António Costa se confunda com
uma deserção. Ter ido tomar banho para Palma de Maiorca enquanto dois dos seus
ministros ficavam em Portugal a assar em lume brando, completamente
fragilizados, não é a mais brilhante manifestação de liderança. E, como se viu
pela visita do Presidente da República a Tancos, quem preencheu o seu vazio não
foi Augusto Santos Silva, mas sim Marcelo Rebelo de Sousa, especialista em
abrir buracos na vedação da separação de poderes.
Isto é perigoso para Costa, porque o carimbo de homem dado a
retiradas estratégicas em tempos sombrios pode colar-se à sua pele, e vai muito
para além da mera discordância política – não se trata de um problema de
divergência ideológica, mas de carácter pessoal. Claro que António Costa é
suficientemente hábil para poder voltar de Espanha retemperado e cheio de
vontade de recuperar o controlo da situação. Mas parece indiscutível que ele
cometeu aqui o maior erro político desde que é primeiro-ministro: deixou que se
lhe colasse à pele a fama de um líder que só gosta de dar a cara nas horas
boas.
Sem comentários:
Enviar um comentário