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Sair da cinza
Inês Cardoso
Ontem às 00:01
Tinha prometido a mim mesma não voltar a escrever sobre
incêndios por estes dias. E sobretudo tentar não o fazer emotivamente. Porque é
fácil, quando as coisas nos tocam muito, que nos falhe a lucidez. E o
jornalismo exige-a. Mas esta tarde, ao abrir o Facebook, fui surpreendida pela
partilha incessante de uma publicação que fiz esta semana, a acompanhar
fotografias das terras dos meus pais após a passagem das chamas.
"Nunca me esqueço de onde venho. Do meio das estevas.
Do pó. O fogo arrasa a superfície. Mas não nos leva as raízes".
Ao ver Proença-a-Nova mobilizada pela reconstrução a partir
de meia dúzia de palavras, tive um sentimento misto. De imediato a confiança na
resiliência e na capacidade infinita de regeneração da natureza e de quem vive
em comunhão com ela. Mas logo a seguir um desconforto. Porque a vida rompe
sempre, sim, mas neste caso não basta o otimismo.
Embora com características e dimensões diferentes, concelhos
como Pedrógão, Sertã, Proença e Mação, ligados entre si, lidam com o mesmo
drama do despovoamento. Sabem que só são notícia no verão quando as chamas
dominam a agenda mediática. Sabem que os políticos do poder central raramente
passam por ali. E que anos e anos de promessas de desenvolvimento do interior
ficaram por cumprir.
Sem capacidade para atrair grandes empresas, com agravantes
como as elevadas portagens das antigas scut, apostaram nos recursos naturais
como via de desenvolvimento. As praias fluviais, os passeios pedestres, as
aldeias de xisto, tudo sai enfraquecido pelas cinzas. E em territórios já de si
frágeis, qual será o real impacto, nas economias locais, de incêndios tão
graves?
Por agora, o Governo tem tido sorte com a incapacidade da
Oposição, perdida em declarações suicidas e ultimatos caricatos. Mas há de
facto um antes e um depois de Pedrógão. Não apenas pela dimensão única da
tragédia, como em entrevista considerou Pedro Nuno Santos, secretário de Estado
dos Assuntos Parlamentares, mas porque a equipa de António Costa tem de
demonstrar que é capaz de ir além da gestão dos compromissos à Esquerda.
Não basta fazer declarações de amor ao interior. Os
incêndios têm de ser uma oportunidade para repensar muito mais do que reformas
florestais. Para olhar de uma vez por todas para esse país rural envelhecido,
vazio e cansado de ver anunciadas medidas sem efeitos. Sem políticas novas,
acompanhadas de investimento, por mais que as populações batalhem será difícil
sair das cinzas.
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