Imagem de OVOODOCORVO
O Estado português está entregue aos
bichos?
As fragilidades demonstradas pelo Governo nas últimas duas
semanas provam que, de facto, não há milagres. A vaca de António Costa deixou
de voar.
João Miguel Tavares
4 de Julho de 2017, 5:56
É verdade que não morreram 64 pessoas – ainda –, mas, no
campeonato da incompetência e do desprestígio do Estado, o assalto à base
militar de Tancos não é menos grave do que o incêndio de Pedrógão Grande. A
lista de armamento roubado revelada pelo El Español dá para iniciar uma pequena
guerra, e não se transporta às costas, nem em dois sacos do IKEA. Se o Estado
não consegue sequer proteger armamento militar, permitindo roubos de camioneta
nas traseiras dos seus paióis, consegue proteger exactamente o quê?
Mais uma vez, ninguém soube explicar o que se passou. Mais
uma vez, o ministro da tutela limitou-se a passear estupefacção pelo
telejornal. Mais uma vez, ninguém se demitiu. Afinal, “estes roubos” – palavra
do chefe do Estado-Maior do Exército – “podem acontecer em qualquer país e em
qualquer Exército, desde que haja vontades e capacidades”. Em Pedrógão, a culpa
foi da natureza do fogo. Em Tancos, foi da natureza do homem. Tudo 100%
natural.
Orçamento da Defesa para 2017: 2149 milhões de euros. Será
que não dava para arranjar uns trocos para pôr a funcionar o sistema de
videovigilância de um armazém com explosivos potentíssimos e lança-granadas
capazes de abater helicópteros? O supermercado da minha rua tem videovigilância
para ver se não roubam agriões e latas de salsichas. O Bairro Alto tem
videovigilância para ver turistas ébrios a vomitar nas esquinas. Mas um paiol
do Exército contendo armamento capaz de demolir um prédio e matar milhares de
pessoas não tem a dignidade de um bêbado nem de uma salsicha tipo Frankfurt.
Bem-vindos à República Portuguesa.
E, das duas, uma: ou António Costa passou, em 15 dias, de
ser o homem mais sortudo do planeta para ser o homem mais azarado do mundo, ou
então aquilo que se está a passar no país não é obra nem da sorte, nem do azar.
É obra da incompetência e de uma estratégia política e económica assumida pelo
primeiro-ministro e pelo ministro das Finanças. É o reflexo de opções muito
claras, que elevaram boys incapazes a cargos de poder – seja na Protecção
Civil, seja no Exército, seja na liderança do Ministério da Defesa – e deram
cabo, com as famosas “cativações”, dos meios básicos de sustentação do Estado.
O dinheiro que existe para pagar a redução das 40 para as 35 horas de trabalho
na função pública é o dinheiro que não existe para pagar atempadamente a
reparação de antenas, vedações e sistemas de videovigilância. Sim, o Estado
está a pagar melhor aos seus trabalhadores. Mas como, infelizmente, o dinheiro
não dá para tudo, falta orçamento para comprar o material que permita aos
trabalhadores fazerem o seu trabalho.
Foi assim, de garrote na mão, que em 2016 Portugal teve o menor
investimento público desde que há registos (1960), com uma queda de 16,5% face
a 2015. O desinvestimento não é só nas carrinhas do SIRESP ou no arame farpado
de Tancos – basta ver o que se está a passar nos hospitais quando é preciso
comprar um medicamento dispendioso. Temos um Estado máximo a prestar serviços
mínimos. Os portugueses andam há ano e meio a fechar os olhos a tudo isto,
encadeados pelo sorriso do primeiro-ministro. Já vai sendo hora de começarem a
abrir a pestana e exigirem responsabilidades pelas manifestações contínuas de
absoluto desleixo por parte de quem dirige o país. As fragilidades demonstradas
pelo Governo nas últimas duas semanas provam que, de facto, não há milagres. A
vaca de António Costa deixou de voar.
Sem comentários:
Enviar um comentário