quinta-feira, 6 de julho de 2017

Deputados municipais admitem dificuldade em “travar” o alojamento local em Lisboa


Deputados municipais admitem dificuldade em “travar” o alojamento local em Lisboa 

POR O CORVO • 7 JULHO, 2017 •

Há um grave problema de habitação na cidade de Lisboa, devido à enorme quantidade de casas antes disponíveis para arrendamento de longa duração que passaram a alojamentos turísticos. Este parece ser o único ponto sobre o qual concordam os deputados da Assembleia Municipal de Lisboa (AML) que se encontram a apreciar a petição “Travar o Alojamento Local (a turistas) e salvar o que resta do Arrendamento, criando condições para o seu desenvolvimento”, lançada em abril passado por um grupo de cidadãos. “É fácil fazer um diagnóstico da situação, mas não temos um consenso sobre a terapêutica, a solução para o problema é uma questão em aberto”, admitia, ao final de mais de uma hora de discussão, nesta quinta-feira (6 de julho), Carlos Santos Silva (PCP), presidente da comissão de economia e turismo, que, juntamente com os membros comissão de urbanismo e habitação, ouviu os autores da recolha de assinaturas. Todos reconhecem a dimensão de um fenómeno que está a fazer sair da cidade muita gente, mas abundam divergências sobre a melhor forma de com ele lidar.

E isso ficou evidente, sobretudo, pelas diferentes posições assumidas, durante a audiência, pelos deputados dos dois maiores partidos. A troca de argumentos entre os eleitos de ambas as forças deu eco ao que vem sendo dito sobre a matéria, em vários palcos, como o plenário da própria assembleia municipal. “A Lei do Arrendamento aprovada pelo anterior Governo foi muito nefasta para o centro histórico de Lisboa. Deparamo-nos, todos os dias, na nossa freguesia, com situações daí decorrentes”, disse Carla Madeira (PS), presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, quando decidiu pedir a palavra para refutar a sugestão, feita pelo peticionário Rui Martins, de que muitas juntas não estarão a prestar um adequado serviço de esclarecimento jurídico sobre estas matérias aos seus residentes. Minutos antes, o social-democrata Magalhães Pereira havia considerado “uma grande hipocrisia dizer que a culpa é da lei”. “Este governo chegou há quase dois anos e não mudou a lei”, disse sob protestos dos socialistas.

 “Não me parece que haja uma solução fácil”, concluiu o deputado do PSD, antes de sugerir que o problema do esmagamento da oferta de arrendamento, conjugado com o efeito predatório do alojamento local, terá que ser resolvido com “algumas alterações na lei e com a intervenção da câmara municipal” – embora não tenha avançado com pistas sobre o que fazer e como. O seu colega de partido, Luís Newton, presidente da Junta de Freguesia da Estrela, também admitiu a complexidade da situação, mas fez questão de afirmar que “não é com o recurso a uma gestão centralizada que vamos conseguir mudar isto”. Pouco depois, Rosa Maria Carvalho da Silva, também eleita pelo PSD, acabaria por considerar que “o aspecto social também tem que ser tomado em conta”. “Não nos podemos reger apenas por uma economia de mercado”, afirmou, sem deixar de reconhecer que a vontade dos proprietários sobre o que fazer com os seus imóveis será sempre sua prerrogativa. Até porque os lucros obtidos através do alojamento local, se comparados com o arrendamento, são mais aliciantes.

 Formou-se, aliás, um quase consenso sobre as vantagens económicas decorrentes da vinda dos turistas não poderem ser menosprezadas. Simonetta Luz Afonso, do PS, disse mesmo compreender que os senhorios queiram obter dividendos. “Não podemos tomar o turismo por bode expiatório. A cidade está recuperadíssima ou a caminho disso, basta olhar a reabilitação de edifícios que tem sido feita”, afirmou, assinalando ainda o número de postos de trabalho surgidos devido à chegada massiva de estrangeiros em lazer. Um diagnóstico semelhante, aliás, ao realizado pela colega de bancada, Rita Neves (PS), para quem a recuperação do edificado resultante do impulso económico nascido do turismo acabou por funcionar como “uma espécie de parceria público-privado”. Antes, Simonetta considerou que o Estado terá de encontrar soluções para “tornar apetecível e aliciante o arrendamento de longa duração”.

 Uma solução que, embora não muito aprofundada, acabou por encaixar numa das reivindicações centrais do principal dinamizador da petição ontem discutida. “Precisamos de uma resposta rápida e ela não passa por construir imóveis a rendas acessíveis, como promete a Câmara de Lisboa. Isso vai demorar anos. A resposta rápida é travar a conversão dos arrendamentos em alojamento local. E isso faz-se através da via fiscal”, postulou o activista, que, no início da sua intervenção, caracterizou como “calamidade” o que está a suceder no mercado de arrendamento lisboeta. “Isto não afecta apenas as classes baixas, mas também a classe média, que está a ser erodida e expulsa da cidade”, disse Rui Martins, confessando-se “desiludido com a incapacidade da autarquia para reconhecer que existe um problema”. A Câmara Municipal de Lisboa (CML) é, aliás, e a par da Assembleia da República, objecto de um conjunto de exigências por parte da petição, que recolheu até agora 721 assinaturas.

 Se à administração central, entre outras medidas, é pedido que sejam reduzidas as taxas de IRS aplicadas a arrendamentos de longa duração, já à CML sugere-se, por exemplo, que utilize parte das verbas do Fundo de Desenvolvimento Turístico na recuperação de edifícios para arrendamento de longa duração, “uma vez que pretendiam, precisamente, amortecer os efeitos do turismo”. Pede ainda que se criem quotas máximas de alojamento local por freguesia ou o limite de três apartamentos por proprietário dedicados a esta actividade. Mas também se olha para o estrangeiro como fonte de inspiração e sugere-se que se “estabeleça, como Nova Iorque, uma proibição de aluguer de alojamentos através da AirBnB por períodos inferiores a 30 dias” e “que a CML determine, como Amsterdão, uma ocupação máxima de 60 dias por ano e um máximo de quatro pessoas por edifício”.


 Texto: Samuel Alemão

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