Lula da Silva condenado a nove anos e seis meses de prisão por
corrupção
É o primeiro Presidente do Brasil condenado por um crime.
Para já, e até ao recurso, fica em liberdade.
Rita Siza
RITA SIZA 12 de Julho de 2017, 18:10 actualizado a 12 de
Julho às 18:35
Um pequeno terramoto político aconteceu esta quarta-feira no
Brasil, com a condenação do antigo Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da
Silva, a uma pena de nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e
lavagem de dinheiro, no âmbito de um processo em que estava acusado de ter
beneficiado de dinheiro desviado de contratos da Petrobras pela construtora
OAS, para pagar obras num apartamento triplex na praia do Guarujá, no estado de
São Paulo.
O antigo Presidente e líder histórico do Partido dos
Trabalhadores (PT) é, actualmente, o político brasileiro mais bem posicionado
nas sondagens para as eleições de 2018. É, ao mesmo tempo, aquele que obtém
maior taxa de reprovação, 45%. Com uma carreira de mais de 40 anos de
intervenção pública, Lula desperta paixões e críticas em doses iguais. A sua condenação
vem acrescentar mais tumulto e confusão na já conturbada vida política do país,
baralhando todas as contas e deixando a corrida presidencial para a sucessão de
Michel Temer completamente aberta.
O juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava
Jato, lançada em 2013 para investigar o esquema de corrupção montado em torno
da empresa petrolífera estatal brasileira, Petrobras, considerou Lula da Silva
culpado de três crimes de corrupção passiva, praticados entre 11 de Outubro de
2006 e 23 de Janeiro de 2012, e outros três crimes de lavagem de dinheiro,
entre 8 de Outubro de 2009 até 2017.
Esses crimes resultam de pagamentos de 2,2 milhões de reais
(cerca de 592 mil euros) que foram feitos pela empresa de construção OAS, para
obras de beneficiação de um apartamento no edifício Solaris que era utilizado
pela família de Lula da Silva. O antigo Presidente sempre desmentiu que essa
propriedade lhe pertencesse.
Recurso
No entanto, como escreveu o juiz Moro, o argumento de que o
imóvel nunca foi registado no seu nome não colhe, uma vez que o antigo
Presidente “foi beneficiado materialmente por débitos da conta geral de
subornos [da Petrobras], com a atribuição a ele e à sua esposa, sem o pagamento
do preço correspondente, de um apartamento triplex, e a realização de custosas
reformas no apartamento, às expensas do grupo OAS” – cujos executivos Léo
Pinheiro, antigo presidente da empreiteira, e Agenor Franklin Medeiros também
foram condenados, a dez anos e seis anos de prisão, respectivamente.
Segundo a acusação, a OAS também suportou os custos do
transporte e armazenamento de bens pessoais do antigo Presidente, já depois do
fim do seu mandato: o tribunal avaliou as suspeitas de 61 crimes de lavagem de
dinheiro, entre Janeiro de 2011 e Janeiro de 2016, o que configuraria
“continuidade delitiva”. No entanto, o antigo Presidente foi absolvido desses
crimes, tal como o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto.
“Entre os crimes de corrupção e lavagem, há concurso
material, motivo pelo qual as penas somadas chegam a nove anos e seis meses de
reclusão, que reputo definitivas para o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da
Silva”, justificou o juiz federal Sérgio Moro, que no seu despacho de sentença
considerou que a prisão de um antigo chefe de Estado “não deixa de envolver
certos traumas”, pelo que recomendou que Lula ficasse a aguardar a ratificação
da sua decisão por um tribunal de segunda instância em liberdade.
Lula da Silva já não beneficia do chamado foro privilegiado
que a legislação brasileira concede aos detentores de cargos públicos. Mas pode,
como qualquer cidadão, recorrer da sentença: como escrevia a Folha de São
Paulo, “pelo entendimento do Supremo”, o cumprimento da pena fica suspenso até
à deliberação da instância superior – neste caso, o Tribunal Regional Federal
da 4.ª Região, em Porto Alegre (que em anteriores casos demorou em média um ano
e dez meses a analisar as decisões de Moro). A defesa já fez saber que vai
apresentar recurso.
Candidato em 2018?
Se a sentença for mantida, Lula da Silva terá de cumprir a
pena. Mas se a decisão do recurso não for proferida até Outubro de 2018, o
cadastro de Lula continuará limpo, e o antigo líder do PT poderá ser candidato
à presidência do país. Segundo a última sondagem do instituto Datafolha,
publicada a 26 de Junho, o antigo Presidente é o favorito à vitória na primeira
volta, com 29 a 30% das intenções de voto, seguido por Jair Bolsonaro, com 16%,
e Marina Silva com 15%. Segundo a mesma pesquisa, Lula venceria Bolsonaro numa
segunda volta, mas empataria com Marina Silva (ambos com 40%). E, num cenário
hipotético, seria derrotado pelo juiz Sérgio Moro (44%-42%), que nunca
manifestou qualquer intenção de concorrer à presidência.
Esta foi a primeira sentença do antigo Presidente
brasileiro, de 71 anos, que é arguido noutros quatro processos resultante da
investigação Lava Jato. Uma dessas acções é conduzida por Sérgio Moro, e diz
respeito a suspeitas de corrupção e lavagem de dinheiro proveniente da
construtora Odebrecht e usado na compra de um terreno para o Instituto Lula.
Nas outras três Lula responde perante a Justiça Federal de Brasília, pelos
crimes de obstrução da justiça, tráfico de influência e organização criminosa.
Todos estes processos estão ainda na fase de instrução.
Esta quarta-feira, Sérgio Moro considerou que Lula tinha “um
papel relevante no esquema criminoso da Petrobras”, pois era ele que indicava
os nomes dos directores da petrolífera. Segundo escreve o jornal Estado de São
Paulo, o magistrado considerou Lula o “líder máximo” do esquema sistematizado
de corrupção, que “foi replicado noutras estatais e negócios do governo
federal”, e através do qual o antigo Presidente “teria garantido a
governabilidade de sua gestão e a permanência no poder, com o financiamento
ilegal das suas campanhas”.
A defesa alegou sempre que as acusações contra Lula da Silva
são “frívolas” e que o antigo Presidente está a ser vítima de uma perseguição
judicial por parte do Ministério Público e da chamada força-tarefa da Lava
Jato, alegadamente com motivações políticas – o objectivo seria impedir que
pudesse voltar a ser eleito. Lula recorreu ao comité de Direitos Humanos das
Nações Unidas por violação dos seus direitos fundamentais.
Vários Presidentes brasileiros foram investigados e acusados
de corrupção (incluindo no tempo da ditadura), mas Lula da Silva fez história
ao tornar-se, esta quarta-feira, o primeiro antigo chefe de Estado a ser
condenado por um crime. O actual Presidente, Michel Temer, foi já acusado de
corrupção passiva no âmbito da Lava Jato, mas poderá evitar o julgamento;
Fernando Collor de Mello, o primeiro líder eleito pelo voto directo após a
redemocratização do país, foi acusado de corrupção um mês e meio antes de ser
destituído do cargo num processo de impeachment – foi julgado e absolvido por
falta de provas. Collor, agora senador do estado do Alagoas, também já foi
imputado pela força-tarefa da Lava Jato, mas ainda não foi formalmente
constituído arguido por ter foro privilegiado.
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