sexta-feira, 28 de julho de 2017

Assembleia pede vigilância do alojamento local em Lisboa para ajudar arrendamento


Passo a passo, aproximamo-nos de um inevitável e urgentemente necessário regulamento para o Alojamento Local
OVOODOCORVO

Assembleia pede vigilância do alojamento local em Lisboa para ajudar arrendamento

POR O CORVO • 28 JULHO, 2017 •

É um claro apelo à intervenção do poder político na correcção de um cada vez maior desequilíbrio de mercado. A Assembleia Municipal de Lisboa (AML) quer que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) passe a exercer um controlo mais apertado dos imóveis dedicados ao alojamento local, para assim se poderem estabelecer medidas mais eficazes com vista a resgatar o arrendamento de longa duração da capital da profunda crise dos últimos anos. E aconselha mesmo a autarquia a adoptar “eventuais medidas de equilíbrio nos casos em que tal se afigurar necessário, nos instrumentos de gestão territorial e em sede tributária, em elaboração e a elaborar futuramente”. Para que tal aconteça de forma mais eficiente, deverão ser criadas ferramentas de monitorização “em tempo real” do alojamento local, advoga-se numa recomendação aprovada por aquele órgão, na sessão desta quinta-feira (27 de julho), que pede ainda a realização de um amplo debate sobre estas matérias na assembleia.

Apesar de reconhecer a complexidade do problema – tal como já havia sido admitido pelos deputados municipais, quando ouviram os autores da petição “Travar o Alojamento Local e salvar o que resta do Arrendamento” -, a recomendação estabelece de forma inequívoca uma relação directa entre o crescimento do alojamento local e a escassez de casas para alugar. O texto agora votado pela assembleia, e que visa dar resposta aos anseios dos peticionários, é aliás muito mais ousado na assunção de tal correlação na sua parte deliberativa do que nos considerandos, onde a mesma é referida de forma algo tímida. Tanto que, nesta parte do documento, se chega a falar em “eventual impacto do alojamento local”, lembrando-se ainda outros factores, como a Lei das Rendas, “sucessivas alterações legislativas”, “vistos gold”, programas para residentes não habituais e a “conjuntura financeira internacional favorável ao investimento imobiliário em Lisboa”.

Apesar das ressalvas, a recomendação pede à CML, no primeiro ponto, que “sistematize e trate os registos existentes sobre o alojamento local, construindo indicadores georreferenciados por freguesia, que permitam aos decisores obter informação em tempo real, relativamente à evolução dos alojamentos de curta duração e ao seu peso relativo e respectivo impacto ao nível local”. E, logo de seguida, aconselha a câmara a utilizar esses dados na elaboração das tais “medidas de equilíbrio” nos instrumentos de gestão territorial e em sede tributária. Mas é solicitada também uma acção mais abrangente por parte da administração central, ao ser pedido que a autarquia “manifeste junto do Governo a imperativa necessidade de implementação de medidas legais, administrativas e fiscais que promovam e dinamizem o mercado de arrendamento de alojamento de longa duração” ou que, através da ASAE e da Autoridade Tributária, se intensifiquem as acções de fiscalização ao alojamento local.

Ora, se estas orientações da recomendação destoam, em grande medida, do tom timorato dos considerandos feitos no mesmo texto sobre a existência de uma relação directa entre a diminuição da oferta do arrendamento e o aumento da oferta do alojamento local, mais se distanciam ainda do que pensam alguns dos deputados municipais que apreciaram a petição. Nomeadamente, e de forma surpreendente, a própria deputada relatora, a socialista Rita Neves, que, após elogiar os propósitos dos peticionários, afirmou que “não se conseguiu encontrar uma causa directa entre uma coisa e a outra”. “Consideramos que há um desequilíbrio, mas não podemos dizer que exista uma relação directa entre os dois fenómenos”, afirmou a eleita do PS, salientando que “esse desequilíbrio não é de agora”. Rita Neves considera, por isso, que a matéria exige um “aprofundamento sério” durante o próximo ciclo autárquico.

 Uma posição idêntica à de Diogo Moura (CDS-PP), para quem estabelecer uma relação directa entre os dois fenómenos “é manifestamente abusivo”. O deputado municipal centrista disse ainda, e dando eco a apreciações do mesmo género da relatora e do documento por ela produzido, que o “turismo não deve ser visto como uma praga”. A propósito, afirmou que o alojamento local apenas representa 2,4% das habitações existentes em seis das mais importantes freguesias da cidade. Diogo Moura acenou ainda com que considera ser uma outra evidência da não existência de um nexo de causalidade entre as duas dinâmicas: “Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que a saída de habitantes da cidade tem sido contínua ao longo dos anos”. E lamentou que “apenas ao fim de dez anos” a maioria socialista da CML tenha lançado um programa de habitação acessível – referência ao Programa Renda Acessível, que promete lançar mais de seis mil habitações em 15 bairros de Lisboa.

 Em sentido contrário à apreciação feita pelo PS e pelo CDS-PP, destacou-se Tiago Ivo Cruz, do Bloco de Esquerda (BE), que fez questão de contrariar ambos os partidos. “Lisboa é o foco de um gigantesco processo de especulação imobiliária. Sim, o turismo é um dos factores que impulsiona esse movimento especulatório, com a afectação massiva de imóveis de habitação própria à actividade turística, sem qualquer licenciamento – sendo natural, por isso, que não apareça nas estatísticas”, disse o eleito do Bloco, força que viu chumbada a sua recomendação “para que se proceda à rápida alteração do regime jurídico do Alojamento Local com vista a assegurar o acesso ao Direito à Habitação”. Já o grupo dos deputados independentes viu recusada a pretensão de que as licenças municipais para “uso habitacional” passassem a discriminar se se tratam de uso permanente ou uso de curta duração em alojamento local – o que obrigaria a uma alteração do PDM.

 Mas o mesmo grupo independente de deputados municipais conseguiu reunir o número de votos suficiente do plenário da AML para ver aprovado o reconhecimento da “urgência de vir a ser estabelecida, em sede de Orçamento de Estado, uma discriminação positiva na fiscalidade sobre o arrendamento de longa duração, incentivando directamente, por esta via, o mercado do arrendamento urbano”. Algo que vai de encontro ao defendido também ontem na assembleia pela vereadora da Habitação, Paula Marques. “É necessário que haja discriminação fiscal positiva ao alojamento de longa duração a preços acessíveis”, pediu, lembrando a necessidade imperiosa de serem criadas políticas nacionais de habitação. “Tem havido um desinvestimento estrondoso da administração central neste área”, diz.


 Texto: Samuel Alemão

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