Somos todos demasiado complacentes
com o PCP
Não há qualquer diferença no nível de
abjecção entre ver João Oliveira no meio da rua a defender Maduro ou o líder do
PNR a defender o fascismo.
8 de Julho de 2017, 7:35
Quando digo que somos todos demasiado complacentes com o PCP
estou a incluir-me nesse “todos” – e por isso publicamente me penitencio.
Também eu tenho dificuldade em resistir à pele tisnada de Jerónimo de Sousa,
aos sulcos campesinos da sua face, aos impecáveis passos de dança de um
profissional dos bailes, ao notável reportório de pregões, máximas e analogias
populares. Álvaro Cunhal metia medo. Carlos Carvalhas metia dó. Jerónimo de
Sousa parece o avô escanhoado da Heidi – austero por fora, amável por dentro. É
assim que eu o imagino. É assim que quero que ele seja. É assim que nós,
ex-jovens que não vivemos o Verão Quente de 1975, que temos de ir ao Google ver
como se escreve Soljenítsin, para quem a URSS era apenas o país dos louros que
o Rambo metralhava, gostamos de olhar para o PCP. Não como um partido, mas como
um pedaço de memorabilia. Uma agremiação de amigos da classe operária para a
qual olhamos com um misto de indulgência e nostalgia.
É impressionante a força desta armadilha sedutora. Não sou
só eu que me predisponho a ser enganado – é o próprio PCP que promove essa
ambiguidade. Nas entrevistas aos seus líderes, há sempre um véu entre aquilo
que dizem e aquilo que realmente pensam. Quando algum comunista mete o pé na
argola – Bernardino Soares a declarar que a Coreia do Norte talvez seja uma
democracia, por exemplo – há sempre um sururu, mas logo surgem os paninhos
quentes: o PCP já virou oficialmente costas ao estalinismo; a ditadura do
proletariado tem nuances; e por aí fora. As posições internacionais, onde o
PCP-troglodita mais facilmente se manifesta, são deixadas para artigos obscuros
no Avante!. Perante as câmaras de televisão, só ouvimos defender os direitos
dos fracos e dos trabalhadores. E quem está contra os direitos dos fracos e dos
trabalhadores?
E, no entanto, esta complacência tem um custo, como se viu
esta semana. Uma agremiação chamada Conselho Português para a Paz e Cooperação
– mais uma daquelas instituições, como Os Verdes, que finge ter autonomia do
PCP mas que se limita a ser uma mera extensão para efeitos propagandísticos –
resolveu promover uma “acção de solidariedade” para com “o povo da Venezuela”.
Tradução: uma manifestação em defesa de Nicolás Maduro, contra aqueles que
pretendem – e cito – “atacar o processo bolivariano e as suas realizações”
(basicamente, todos os esfomeados do país). A esta bonita iniciativa juntou-se,
imaginem, a Banda do Exército, porque alguém inventou um “acto protocolar” de
comemoração do Dia da Independência da Venezuela junto à estátua de Simon
Bolívar. Repare-se na perversão do empreendimento: à boa maneira soviética, os
meios do Estado são colocados ao serviço da propaganda comunista e da defesa de
um regime abjecto.
Ora, convém que sejamos claros, até porque das fotos do
evento consta o próprio líder parlamentar do PCP, João Oliveira: isto
ultrapassa em muito os textos trogloditas do Avante!. É uma vergonha para o
país. E devia ser uma vergonha para o PS. Não há qualquer diferença no nível de
abjecção entre ver João Oliveira no meio da rua a defender Maduro ou o líder do
PNR a defender o fascismo. Para a próxima vez, talvez José Pinto-Coelho possa
recrutar a Banda do Exército para tocar o hino da Mocidade Portuguesa. São
níveis absolutamente equivalentes de repugnância – e, numa altura em que a
Venezuela “bolivariana” se afunda e o PCP sustenta o Governo em funções,
sublinhar isto é uma obrigação moral.
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