Pedrógão Grande:
"revoltados", familiares de vítimas criam associação
Governo reitera que há 64 vítimas
mortais e primeiro-ministro considera caso “esclarecido”. Famílias das vítimas
constituem-se assistentes no processo judicial em curso e ponderam avançar com
acção contra o Estado.
ALEXANDRA CAMPOS 22 de Julho de 2017, 23:11
Depois da dor inicial, agora é tempo de “revolta”.
Familiares de vítimas do incêndio de Pedrógão Grande estão a dar os passos
necessários para a constituição de uma associação, um movimento cívico que
permitirá que acompanhem a par e passo as investigações em curso, que possam
contribuir para o apuramento de responsabilidades e, de alguma forma, evitar
que tragédias semelhantes aconteçam.
Uma das grandes dificuldades dos promotores da associação
foi chegar à lista oficial das vítimas mortais. A lista não foi divulgada pelas
autoridades, que se recusam fazê-lo alegando que o caso está “em segredo de
justiça”, no âmbito do processo-crime que investiga as circunstâncias das
operações de combate ao fogo e de resgate às vítimas. “Andamos a cruzar
informações. Tivemos que ir às paróquias, passar a palavra de boca em boca”,
conta Nádia Piazza, que perdeu o filho de cinco anos na tragédia e é uma das
promotoras da futura Associação de Familiares de Vítimas do Incêndio de
Pedrógão Grande, que já tem um grupo no Facebook.
Este sábado, porém, o Expresso publicou a lista das 64
vítimas e acrescentou mais um nome ao rol, o de uma viúva de 71 anos que vivia
sozinha e foi atropelada a 17 de Junho perto de sua casa, quando tentava fugir
das chamas.
Ao final da tarde, o primeiro-ministro, António Costa, disse
acreditar que “já está tudo esclarecido” pela "Autoridade Nacional de
Protecção Civil e pelo Ministério da Justiça”, depois de a vice-presidente do
PSD, a coordenadora do Bloco de Esquerda e a líder do CDS- PP terem reclamado
um esclarecimento do Governo. Tanto o Ministério da Administração Interna como
a Autoridade Nacional de Protecção Civil reiteraram que são 64 as vítimas
mortais, de acordo com os critérios estabelecidos.
Processo contra o Estado
“Houve um abandono completo, antes e durante” o incêndio,
lamenta Nádia Piazza. Um mês depois, "após o trauma e a dor inicial, as
pessoas estão muito revoltadas, mas querem transformar esta revolta em acção
para honrar os que morreram”, sintetiza.
Depois de uma primeira reunião preparatória há uma semana,
em que participaram cerca de “duas dezenas” de pessoas, um novo encontro
"à porta fechada" está marcado para o final da tarde deste domingo. Desta
vez, o número de participantes deverá ser maior: a mensagem tem estado a
circular através das redes sociais e há cada vez mais pessoas a aderir, explica
Nádia, que é jurista na Câmara Municipal de Figueiró dos Vinhos.
Mas é ainda necessário definir os estatutos e marcar uma
assembleia-geral para a constituição da associação, o que deve acontecer
"em meados de Agosto", acrescenta, pedindo a todos os familiares de
vítimas mortais e de feridos que entrem em contacto com a associação. Os
familiares querem ser também ouvidos pela comissão independente que está a
investigar o caso até para ter a certeza que, deste processo, resultarão
medidas concretas que impeçam uma repetição de uma tragédia deste tipo.
“Vivemos num mar de eucaliptos, vivemos num barril de pólvora, precisamos de
máscaras, de luvas", afirma.
Entretanto, três pessoas já se terão constituído como
assistentes no âmbito do inquérito judicial em curso e, contactado por
"pessoas ligadas aos familiares das vítimas", o advogado lisboeta
Ricardo Sá Fernandes disponibilizou-se a dar o apoio jurídico necessário.
“Ninguém recusaria ajudar pessoas nesta situação”,
justificou ao PÚBLICO o advogado, para quem há “indícios suficientes” para se
avançar com uma acção de responsabilidade extracontratual do Estado por
violação do dever de zelo, como se diz na gíria jurídica. “Houve uma
descoordenação manifesta”, sustenta Ricardo Sá Fernandes, que lembra que esta
acção não tem necessariamente que chegar aos tribunais. “Oxalá isso não seja
necessário”, enfatiza.
Governo diz que mortos são 64
Na edição deste sábado, o Expresso incluiu na lista de
vítimas mortais o caso da idosa e questionou a possibilidade de este rol ser
ainda ser maior, explicando que apenas terão sido consideradas as vítimas
directas da tragédia — ou seja, as pessoas que morreram devido às queimaduras
ou por inalação de fumo. Foi a filha da idosa que descreveu as circunstâncias
da morte da mãe: “Levava uma lanterna, o telemóvel e o dinheiro que tinha em
casa e foi encontrada na estrada, com a cabeça e o braço partido."
Ao início da tarde, a vice-presidente do PSD, Teresa Morais,
considerou que esta é "uma matéria de imensa gravidade que não pode estar
sujeita a especulações de qualquer espécie", enquanto a líder do BE,
Catarina Martins, defendia que “o país tem de conhecer exactamente a dimensão
da tragédia”. "Existir um caso significa que há alguma coisa que não está
bem feita", frisou.
O PÚBLICO tentou obter uma reacção do gabinete do
primeiro-ministro, que começou por remeter para a assessoria de imprensa da
ministra da Administração Interna — que, por sua vez, remeteu uma resposta para
o Ministério da Saúde. Este garantiu ser "infundada a suspeita de um
número de óbitos superior ao oficialmente divulgado".
"No Instituto de Medicina Legal foram realizadas
autópsias a 64 cadáveres relacionados com o grande incêndio de Pedrógão. O
delegado de Saúde do PIN [Pinhal Interior] informou que, após a noite de 17
para 18 [de Junho], não mais foi convocado para qualquer outra verificação de
óbito relacionada com o incêndio", assegurou o Ministério da Saúde.
Ao final da tarde deste sábado, o Ministério da
Administração Interna e a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC)
reiteraram que 64 vítimas mortais é o número "validado e confirmado pelas
autoridades competentes", nomeadamente pelo Instituto de Medicina Legal,
com base "nos dados disponibilizados até ao momento".
"O número de vítimas mortais foi apurado com base nos
critérios previamente definidos e que se prendem com cidadãos que morreram por
queimaduras ou inalação de fumos decorrentes dos incêndios", precisou o
Ministério da Administração Interna. "O Governo é o primeiro interessado
em que tudo fique esclarecido e, por isso, aguarda as conclusões das diversas
investigações em curso."
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