O mistério das lojas asiáticas
O perigo de generalizações exige-nos
prudência e cautela, mas também não nos pode conduzir à paralisação e à apatia.
ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO
12 de Julho de 2017, 6:06
Este artigo é totalmente baseado e sustentado por citações e
constitui um convite aos ilustres jornalistas para traduzirem estas perguntas e
questões em investigações, que possam contribuir para o desvendar deste
mistério.
“Durante o primeiro período de trabalho de campo havia 60
lojas de bangladechianos nesta zona de Lisboa. Em 2006 eram já 80 ao longo da
Avenida Almirante Reis, Rua da Palma, Calçada dos Cavaleiros, Rua do
Benformoso, Largo do Intendente, Rua de São Lázaro e nos centros comerciais Mouraria
e Martim Moniz. Em 2008, ocupavam já mais de 150 lojas, entre a Praça Martim
Moniz e imediações, os Anjos e a baixa lisboeta (onde, só no último ano,
abriram mais de 30 lojas).”
Isto afirma José Mapril em 2010 num estudo académico
publicado na Etnográfica Revue. Num levantamento desenvolvido pelo sociólogo
Guilherme Pereira ele assinala que desde 2010/12, na zona da Baixa, as lojas de
souvenirs low-cost (LLC) de fabrico massificado e pretensamente português ou
representativos de Lisboa passaram de nove para 90!
Muito recentemente, Carla Salsinha (2017), a presidente da
UACS, avisava com pertinência e urgência: “Todos os tipos de comércio têm
direito a existir”, mas confessou ter dificuldade em entender a concentração de
lojas de recordações turísticas de baixo custo e de kebabs, “em locais onde os
comerciantes portugueses não conseguem sobreviver”. Apesar das rendas cada vez
mais altas, só na Baixa haverá 97 lojas de souvenirs detidas por cidadãos do
Bangladesh, disse a presidente da UACS. E depois, para além dessas, há todo um
mundo de lojas muito caras e das grandes cadeias multinacionais. Tudo isto
estará a criar um quadro muito desfavorável para o comércio convencional.
Salsinha denuncia uma total ausência de planeamento
estratégico por parte da CML, do chamado Urbanismo Comercial nos
licenciamentos, de forma a garantir um equilíbrio. Além disso, os produtos de
fabrico massificado e pretensamente “portugueses” garantem um tsunami de
plástico e quinquilharia híbrida, que afecta e domina largamente o ambiente e a
imagem de uma zona que se pretendia como a historicamente central e nobre de
Lisboa.
Em 2014, a conceituada e respeitada professora Raquel
Varela, especialista nas questões do Trabalho, já tinha referido o efeito
nocivo e incompreensível deste fenómeno: “As mercearias asiáticas em Portugal
fazem dumping como fazem as empresas-monopólio portuguesas cujos preços e a
produção é inteiramente — e sem qualquer livre concorrência que não a da
aparência jurídica — por estas fixada. Não faço ideia se as ditas mercearias
são indianas, do Bangladesh, ou do Paquistão, nem me interessa, se fossem
alentejanas e fizessem dumping eram as mercearias alentejanas que, como fazem
dumping, não podem vender produtos de qualidade nem ter trabalhadores com
condições dignas. Entram em Lisboa, e noutras cidades, com salários mais
baixos, horários não controlados por ninguém e condições laborais desconhecidas
— muitas com um regime fiscal abonatório durante cinco anos.”
Seguindo esta linha de questões, a jornalista Sónia Simões
publicava um artigo no Observador (18 Março 2016): “Nos últimos meses, o número
de mercearias e frutarias tem crescido abruptamente nas ruas dos bairros
históricos de Lisboa. E não só. Já se começam a fazer notar noutros concelhos.
Para tal, também contribuíram as leis portuguesas. Por um lado, como sublinhou
ao Observador o vereador Duarte Cordeiro com o pelouro da Economia e Inovação
da Câmara de Lisboa, o Licenciamento Zero, que vem simplificar a vida aos
empresários que queiram abrir um negócio. Por outro, refere o responsável pelo
SEF, a própria Lei dos Estrangeiros, que dispensa os vistos de trabalho para a
autorização de residência no país.
Assim, qualquer cidadão estrangeiro que obtenha um contrato
de trabalho e faça descontos para a Segurança Social consegue automaticamente
uma autorização de residência — o que não acontece noutros países da Europa.
‘Temos indícios de que algumas lojas possam estar a ser usadas para esse fim’,
reconhece o investigador. Sempre que os serviços de fiscalização do SEF se
deparam com vários contratos de trabalho em nome de uma mesma empresa, abrem um
inquérito para apurar se existe, de facto, uma relação laboral, ou se é uma
relação fictícia. Daí as empresas estarem frequentemente ‘a rodar’. Isto é, a
abrir e a fechar, mas mantendo os mesmos espaços comerciais.”
Para terminar, o perigo de generalizações grosseiras e de
estigmatizações ou mesmo de inaceitáveis discriminações de grupos étnicos
exige-nos prudência e cautela, mas também não nos pode conduzir a uma
paralisação e apatia impedidora, inibidora e neutralizadora dos mais básicos
princípios de análise, dedução e discernimento daquilo que é evidente. Trata-se
do equilíbrio e futuro de Lisboa!
Historiador de Arquitectura
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