Por que é que repetimos sempre os
mesmos erros?
Enquanto as fitas da polícia a dizer
do not cross rodearem o cadáver da governação Sócrates, Costa pode dormir mais
descansado.
João Miguel Tavares
22 de Julho de 2017, 7:05
Mistérios portugueses: por que é que estivemos à beira da
falência três vezes em menos de quatro décadas? Por que é que não conseguimos
corrigir os nossos problemas estruturais? Por que é que é quase impossível
tomar medidas difíceis sem ser por imposição do exterior (como fez Passos
Coelho) ou por dissimulação interior (como está a fazer António Costa com a
austeridade)? Por que é que estamos sempre a repetir os mesmos erros? A
resposta a estas perguntas é simples: porque há uma recusa do diagnóstico. Nós
não concordamos sobre aquilo que nos aconteceu, nem acerca das razões porque
aconteceu.
E é neste ponto que regressamos ao tema dos meus textos
anteriores, que estão relacionados com os nossos traços culturais e com a
fragilidade de uma política da memória. Tanto José Sócrates como António Costa
são muito pós-modernos — os factos são menos importantes do que as narrativas.
Não juntei os dois numa só frase para os fazer equivaler, atenção. Já o disse
muitas vezes, mas vale sempre a pena repetir, que são — graças a Deus —
personalidades distintas. Comungam, contudo, de uma mesma escola de hábil
manipulação da memória, e de formas engenhosas de distorcerem a realidade.
Neste aspecto, Passos Coelho só pode ser condenado pelo contrário disso: uma
admissão quase masoquista dos nossos erros, dos nossos problemas estruturais e
da necessidade de os resolver custe o que custar (o famoso “ir além da
troika”).
O meu ponto aqui é sobre esta “luta das narrativas”, porque
o presente está a ser justificado através de estratégias hábeis que camuflam o
passado. Por exemplo, eu sempre elogiei António Costa pelo respeito que tem
demonstrado em relação ao trabalho da justiça na Operação Marquês. Só que esse
respeito também lhe dá muito jeito: ao empurrar o caso Sócrates para o estrito
âmbito judicial, Costa evita pronunciar-se sobre ele politicamente. Dupla
vantagem: estando calado não pode no futuro vir a ser confrontado com as suas
palavras, e no presente evita que o PS tenha de assumir as suas enormes
responsabilidades durante o período em que José Sócrates foi primeiro-ministro.
Até porque tanto António Costa, como muitos dos seus próximos (não só ministros
e deputados, mas boa parte da sua entourage), vêm de lá e estiveram com ele.
Com esta atitude, o primeiro-ministro ganha tempo, que é a sua grande
especialidade, e continua a exercer o seu cargo com a cena do crime devidamente
contida. Enquanto as fitas da polícia a dizer “do not cross” rodearem o cadáver
da governação Sócrates, Costa pode dormir mais descansado.
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