Uma nova fachada para salvar um velho
largo
Esta nova fachada constitui um precedente
valioso para os inúmeros casos semelhantes que pululam por toda a Lisboa e que
urge corrigir.
PEDRO MASCARENHAS CASSIANO NEVES
4 de Julho de 2017, 6:16
Numa Lisboa que está na moda e em que o desejável boom
turístico e “invasão” de exóticos habitantes anda de mão dada com a
descaracterização acelerada da cidade e uma destruição patrimonial que parece
não ter fim; em que reabilitação é confundida com fachadismo, condenando o que
resta dos interiores oitocentistas, mas também, pasme-se, os pombalinos da
Baixa; em que a extraordinária Rua das Janelas Verdes não pára de ser
“bombardeada” e a também esplêndida das Portas de Santo Antão viu nascer uma
enorme cratera que deixa “preso por arames” o que resta do Palácio da
Anunciada; em que um outro palácio, o de São Miguel, na belíssima Praça da
Alegria, viu o seu interior integralmente demolido de um dia para o outro e a
emblemática Casa Pombalina da Rua da Lapa desapareceu num fim-de-semana,
fazendo tábua rasa da classificação camarária e da zona de protecção
patrimonial a que estava sujeita; em que a típica e integralmente conservada
Praça das Flores pode ser cirurgicamente abatida por um mamarracho e a
quinhentista Rua do Bemformoso, que escapou milagrosamente à hecatombe do
Martim Moniz nos anos 40, se prepara para ser esventrada, ignorando
alternativas, para a construção de uma mesquita e em que até, sacrilégio dos
sacrilégios, o coração dessa jóia que é Alfama está teimosamente ameaçado por
um “móno” indescritível para albergar o Museu Judaico; o anúncio de que um
outro “móno”, já velhinho, se prepara para ser intervencionado com o fim de
restaurar a imagem perdida de um largo histórico, constitui uma feliz novidade!
Edificado nos meados da passada década de 1970, o edifício
em causa faz a curva do Largo Rafael Bordalo Pinheiro para a Rua da Trindade, e
o seu impacto na envolvente constitui como que uma antevisão do “pesadelo” que
espera os esplêndidos largos das Flores e de São Miguel de Alfama, acima
referidos, caso os sinistros projectos para aí previstos sejam concretizados.
Uma fachada com superfícies envidraçadas que contrasta
violentamente com as sete e oitocentistas que a rodeiam; uma cobertura em
terraços que deve ser caso único na Zona Histórica em que se insere e um
escusado e provocador revestimento de azulejos que, independentemente do seu
valor “per si”, constitui uma tremenda agressão à extraordinária fachada
azulejar do famoso “Prédio do Ferreira das Tabuletas” que lhe fica defronte,
fazem com que este edifício seja desde o inicio apontado no ensino como aquilo
“que não deve ser construído” nos centros históricos e esteja há muito presente
em inventários patrimoniais como uma chaga urbana que urge corrigir.
A fachada prevista, embora não recupere a do edifício
original do seculo XIX do qual existe registo fotográfico, uma prática
recorrente em “países atrasados” como a Alemanha, a França, a Itália ou a
Espanha, mas que a inteligência nativa cá do burgo insiste em desvalorizar como
“pastiche”, recupera no entanto a imagem do mesmo, acrescentando-lhe um andar e
uma mansarda que alinha com a do belíssimo “Prédio das Marquises” contínuo, que
faz gaveto com a Rua Nova da Trindade, incluído no mesmo projecto.
Estão, pois, de parabéns a empresa construtora (atenção ao
interior do segundo prédio!), a Câmara Municipal de Lisboa, numa excepção à
catastrófica política de protecção patrimonial a que nos têm habituado, e a
Direcção-Geral do Património Cultural, tantas vezes “distraída” ou até
conivente com os atentados que a cidade tem sofrido, que, empenhadas numa
solução de consenso que demorou mais de um ano, nos oferecem a recuperação da
imagem deste recanto de eleição do nosso Chiado.
E, importantíssimo, esta nova fachada constitui um
precedente valioso para os inúmeros casos semelhantes que pululam por toda a
Lisboa e que urge corrigir. A começar, logo ali no mesmo largo, um pouco mais a
baixo, no gaveto com a Travessa da Trindade, com a inenarrável cobertura que
acrescentaram ao histórico edifício onde em tempos foram as “Conferências do
Casino”!
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