Novo Hospital de Lisboa Oriental põe
em causa os hospitais do centro da capital
POR O CORVO • 26 JULHO, 2017 •
A prometida construção do novo Hospital de Lisboa Oriental,
em Marvila, cuja entrada em funcionamento está prevista para 2023, está a
provocar grande apreensão sobre o futuro das unidades existentes no centro
histórico da capital. Teme-se que à entrada em funcionamento do, há muito
reclamado, equipamento corresponda a uma acentuada quebra dos padrões mínimos
de prestação de cuidados de saúde no coração da cidade, bem como a abertura de
um cenário de incerteza sobre o real destino dos edifícios e dos terrenos onde
hoje funcionam as unidades do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC).
Tanto que, três anos
após um muito participado debate temático na Assembleia Municipal de Lisboa
(AML), se voltou a ouvir falar do fantasma da “especulação imobiliária” em
torno dos hospitais da zona da Colina de Santana, durante a discussão realizada
na tarde desta terça-feira (25 de julho), requerida pelo Partido Ecologista “Os
Verdes” (PEV), a propósito das unidades hospitalares do centro de Lisboa.
Helena Roseta, presidente daquele órgão autárquico, escreveu mesmo uma nova
carta ao ministro da Saúde a pedir uma clarificação urgente sobre a matéria.
A discussão de ontem,
que antecedeu a votação na assembleia, na sessão extraordinária desta
quinta-feira (27 de julho), da cedência dos terrenos municipais necessários à
construção do Hospital de Lisboa Oriental, fora aliás motivada por uma troca de
correspondência entre Roseta e o Ministério da Saúde. A resposta da presidente
da Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo a um pedido
de esclarecimentos sobre a matéria, feito em junho por Roseta, apanhou de
surpresa quase toda a assembleia, pela sua escassez de informação e de
garantias sobre o que acontecerá ao CHLC – no qual se incluem São José, Capuchos,
Santa Marta, Curry Cabral, Dona Estefânia e Maternidade Alfredo da Costa.
Na informação
enviada, na semana passada, pela dirigente da ARS Lisboa e Vale do Tejo, faz-se
uma descrição muito sumária das características do novo equipamento e
explica-se, de forma muito genérica, o que acontecerá aos hospitais do centro
de Lisboa. Lá, diz-se, por exemplo, que a Maternidade Alfredo da Costa “irá
deixar as suas actuais funções, mantendo-se no entanto ao serviço da saúde” ou
que o Hospital dos Capuchos deixará de estar no activo. Mas são mais as dúvidas
do que as certezas o que prevalece da missiva enviada pelo ministério.
Lamentado tal situação, na carta agora enviada como resposta da AML a Adalberto
Campo Fernandes, Helena Roseta critica a referência a alterações ao
funcionamento dessas unidades “que passam pelo seu desmantelamento ou
descaracterização e que não foram democraticamente decididas por ninguém, que
se saiba”.
“Para além de não se
compreender como é que um hospital de 875 camas pode substituir as 1307 camas
do CHLC, não é aceitável que sejam desmantelados equipamentos hospitalares no
centro da cidade em benefício de uma localização mais periférica e em prejuízo
da identidade histórica de zonas e de edifícios icónicos de Lisboa”, escreve
Roseta, para logo de seguida afirmar que a cidade de Lisboa “não foi ouvida e
certamente não aceitará ser assim subalternizada, nem muito menos desapossada
de equipamentos públicos cruciais para a sua população”. A presidente da
assembleia municipal sublinha que o facto de se estar em final de mandato
impede que se possa “desenvolver a temática”, mas alerta o ministro da Saúde
que “durante a próxima campanha autárquica e no mandato de quem vier a seguir,
este será um tema central” do qual os representantes eleitos não abdicarão.
Mas a cedência dos terrenos municipais em Marvila para a
edificação do novo hospital será ainda debatida e votada agora, na quinta-feira
(27 de julho). Razão pela qual, nesta última carta enviada ao ministro da
Saúde, Helena Roseta diz estar órgão por si presidido “perante um dilema
insuportável”. “Ou viabiliza a venda de mais uma extensa parcela de terreno
municipal para a construção do novo HLO, cujo pressuposto é o desmantelamento
do CHLC; ou não o faz e fica com o ónus de ter retardado o urgente lançamento
do concurso para o novo hospital”, postula, antes de avançar com uma sugestão
de saída que defenda o “interesse da cidade”.
“Construir o novo HLO
o mais rapidamente possível, porque ele faz muita falta, e manter o CHLC,
reconvertendo valências quando necessário, mas sem pôr em causa a existência de
uma rede hospitalar e de cuidados de saúde digna desse nome n centro histórico
da capital” é a proposta de Roseta, que, na sessão da AML da semana passada,
lamentou o facto de ser a presidente da ARS a responder à sua carta de junho e
não o ministro da tutela.
O anúncio do envio da
carta de Helena Roseta aconteceu numa sessão em que todas as forças políticas,
incluindo o PS – se bem que de forma algo contrita -, se manifestaram
apreensivos devido às dúvidas ainda prevalecentes em relação ao futuro dos
hospitais localizados no centro da capital. Não apenas pelo que poderá acontecer
ao nível da oferta de cuidados de saúde, mas também pela preservação do imenso
património histórico e arquitectónico daquelas unidades ainda no activo – uma
preocupação que, de resto, sublinha o que foi aprovado por uma deliberação de
2014 da AML, na sequência do debate temático então realizado sobre o futuro da
Colina de Santana. O Bloco de Esquerda viu ontem aprovada uma chamada de
atenção a esta questão, com a votação favorável no plenário do primeiro ponto
da sua recomendação. O mesmo conseguindo o PEV, partido que convocou o debate
sobre a matéria.
Mas foi o PCP quem conseguiu ver aprovado pela assembleia,
apesar dos votos contra do PS e do PNPN, o mais urgente apelo: “Manifestar
junto do governo a sua profunda preocupação relativamente à previsível perda de
capacidade de resposta aos cuidados de saúde da população em razão do
encerramento das unidades do Centro Hospitalar de Lisboa Central”. Receio que
acaba por estar em sintonia com as inquietudes expressas por Helena Roseta na
carta enviada a Adalberto Campos Fernandes. A presidente da assembleia e os
eleitos comunistas não estiveram, porém, sozinhos no exprimir dessa
preocupação, longe disso.
Miguel Santos, do
PAN, disse não admitir que “o centro de Lisboa fique pior do que está, nem que
o Hospital Oriental seja construído à custa de fechar dos restantes hospitais
do centro”. Já Isabel Pires, do Bloco de Esquerda, considerou que continua a
existir uma “indefinição premeditada” sobre o destino dos hospitais centrais.
Situação que não encara como um fruto do acaso. “Infelizmente, o apetite pelos
terrenos da Colina de Santana não foi apaziguado, bem pelo contrário. Não há
garantia de permanência pública destes edifícios, nem de alguns serviços”,
constatou. Uma incerteza que também Sobreda Antunes (PEV) vê como algo que está
longe de ser casual. “Existem ou não vorazes interesses imobiliários?”,
questionou.
Também à direita se
fizeram ouvir fortes críticas ao aparente impasse sobre os hospitais do CHLC e
o futuro da Colina de Santana. “Acabamos este mandato da mesma forma que o
iniciámos. Ou seja, com um novo hospital à espera de ser construído e
meia-dúzia de hospitais cujo destino está traçado há muito e nós aqui a
fazermos este tipo de proclamações”, afirmou Sofia Vala Rocha, pelo PSD, que
aproveitou para atacar ainda as “promessas” de Fernando Medina em construir
três dezenas de centros de saúde. “Andámos quatro anos a discutir o sexo dos
anjos dos hospitais”, ironizou sobre a situação de aparente impasse na
concretização de obras de vulto no campo da saúde, antes de afirmar que “antes
de 2015, a Troika e Passos Coelho tinham as costas largas”. Também Gabriel
Fernandes, do CDS-PP, criticou o que considerou serem informações pouco claras
do Ministério da Saúde sobre a rede hospitalar da cidade.
Texto: Samuel Alemão
Roseta avisa Governo: Lisboa não
aceita ser "subalternizada" na decisão sobre novo hospital
O Ministério da Saúde explicou, em
apenas página e meia, como vai ser a rede hospitalar de Lisboa. A presidente da
assembleia municipal não gostou de tanta concisão e escreveu carta dura a
Adalberto Campos Fernandes
JOÃO PEDRO PINCHA 25 de Julho de 2017, 19:33
É curta e grossa a mensagem que Helena Roseta enviou ao
ministro da Saúde: a Assembleia Municipal de Lisboa não vai desistir de lutar
para que os hospitais do centro da cidade se mantenham em funcionamento. No
início de Julho, o Governo informou a assembleia que mantém a intenção de
encerrar total ou parcialmente seis equipamentos hospitalares da capital assim
que abra o futuro Hospital de Lisboa Oriental, em Chelas.
Helena Roseta não gostou da carta enviada pela Administração
Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARS-LVT) e, na segunda-feira, fez
saber isso mesmo ao ministro, Adalberto Campos Fernandes.
“Lamento que esta
informação, crucial para a cidade de Lisboa, não venha acompanhada de nenhum
estudo, nenhuma quantificação e nenhum suporte de planeamento da Rede
Hospitalar de Lisboa”, começa por escrever a autarca, que adopta um tom
particularmente duro. “Lamento igualmente que numa única página deste documento
se faça uma referência abreviada ao que se prevê para o novo Hospital de Lisboa
Oriental”, prossegue Roseta.
O ofício da ARS-LVT foi enviado à presidente da assembleia
municipal depois desta ter perguntado ao Ministério da Saúde, em Junho, “qual o
futuro da actual rede hospitalar de Lisboa”. Apesar de ter oito páginas, o
documento da ARS é parco em informações. Diz que terá 875 camas e que deverá
estar a funcionar em 2023, num espaço de 13 hectares em Chelas. “O novo
hospital, geral e polivalente, com ensino universitário, deverá centralizar e
substituir a maior parte da actividade actualmente assegurada nos hospitais que
integram o Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC), que se manterão em
actividade até à transferência para o novo hospital”, lê-se no ofício.
Sobre o futuro desses hospitais, a informação também é
escassa. O Dona Estefânia, hospital pediátrico, “será transformado num espaço
dedicado à criança”, enquanto a Maternidade Alfredo da Costa e o Curry Cabral
vão “manter-se ao serviço da saúde”, embora não se defina como. Já parte das
actuais instalações do Santa Marta “serão afectadas a actividades na área da
saúde” e São José “passará a hospital de proximidade”. Quanto ao Hospital dos
Capuchos, “não está previsto o seu uso para saúde”, esclarece o ofício.
Na carta enviada a Adalberto Campos Fernandes, Helena Roseta
critica que a opção passe pelo “desmantelamento ou descaracterização” dos
actuais hospitais e lembra que essas alterações “não foram democraticamente
decididas por ninguém, que se saiba”.
É, aliás, na falta de audição de cidadãos e órgãos
municipais que a presidente da Assembleia Municipal de Lisboa põe a tónica na
restante missiva. “Não é aceitável que sejam desmantelados equipamentos
hospitalares no centro da cidade em benefício de uma localização mais periférica
e em prejuízo da identidade histórica de zonas e edifícios icónicos de Lisboa.
A cidade não foi ouvida e certamente não aceitará ser assim subalternizada, nem
muito menos desapossada de equipamentos públicos cruciais para a sua
população”, escreve Roseta.
Na próxima quinta-feira, a assembleia municipal reúne
extraordinariamente para deliberar um conjunto de propostas antes das férias.
Uma das matérias que estará em votação é a venda de um terreno municipal ao
Estado para que seja construído o hospital oriental. Ora, Roseta escreve que a
assembleia está perante um “dilema insuportável” na discussão deste assunto.
“Ou viabiliza a venda de mais uma extensa parcela de terreno municipal para a
construção do novo hospital, cujo pressuposto é o desmantelamento do CHLC; ou
não o faz e fica com o ónus de ter retardado o urgente lançamento do concurso
para o novo hospital.”
Para a autarca, existe uma “terceira solução”, que passa por
“construir o novo hospital o mais rapidamente possível, porque ele faz muita
falta, e manter o CHLC, reconvertendo valências quando necessário, mas sem pôr
em causa a existência de uma rede hospitalar e de cuidados de saúde digna desse
nome no centro histórico da capital.”
A carta a Adalberto Campos Fernandes termina com um aviso:
“Creia, sr. ministro, que durante a próxima campanha autárquica e no mandato de
quem vier a ser eleito em 1 de Outubro, este será um tema central de que não
abdicamos. Não prescindiremos do nosso direito a expressar, em nome da capital
do país que nos elegeu, a nossa profunda discordância quanto à matéria de que
tomámos conhecimento por um mero ofício da ARS-LVT e o nosso veemente protesto
pela forma como estão a ser tomadas decisões sobre um tema tão importante e
sensível para a cidade.”
“Uma colossal negociata”
O ofício da ARS serviu de mote para um debate sobre os
hospitais de Lisboa na reunião desta terça-feira da assembleia municipal,
pedido por “Os Verdes”. “Estamos perante um presente envenenado”, considerou a
deputada ecologista Cláudia Madeira. “Para Lisboa ter finalmente um novo
hospital na periferia, que é necessário, tem de abdicar dos hospitais do centro
histórico e isto é inaceitável”, disse.
“Como se não bastasse, do ponto de vista da saúde não se
conhece qualquer estudo que justifique esta decisão, tal como não se conhecem
estudos de impacto sobre a desactivação destas unidades, que têm especialidades
únicas no país”, continuou Cláudia Madeira, que acusou o Governo de apenas
querer fechar os hospitais do centro por causa de “uma colossal negociata”.
Em 2009, todos os hospitais da Colina de Santana foram
vendidos pelo Estado à Estamo, a imobiliária do Estado, que agora paga uma
renda à Estamo para manter os hospitais em funcionamento. Para essa colina –
onde estão São José, Capuchos, Santa Marta, Miguel Bombarda e Desterro (estes
últimos já desactivados) – estiveram previstos vários projectos imobiliários,
que ficaram em banho-maria depois de muita contestação popular e de, em 2014, a
assembleia municipal ter feito um debate sobre o tema.
“Ainda alguém acreditará que o verdadeiro motivo por que o
Governo quer encerrar estes hospitais é por questões de saúde?”, questionou
Cláudia Madeira no fim da intervenção.
Quase todos os outros grupos políticos se manifestaram
preocupados com a situação. Pelo Bloco de Esquerda, Isabel Pires afirmou que “a
passagem de praticamente todos os serviços” do centro para o novo hospital
oriental “não dá garantias de qualidade” aos utentes, além de deixar o
património edificado “à mercê da especulação imobiliária”.
O comunista Carlos Silva Santos considerou que esta temática
“precisa de ser discutida, não à pressa e em fim de mandato”, mas antevê já que
o fecho dos seis equipamentos provocará “um tsunami social no centro da
cidade”.
Pelo PS, José Leitão mostrou-se cauteloso. “Defendemos a
construção urgente do novo hospital e a promoção activa da rede de cuidados
primários por parte do município”, disse o deputado. Considerando que o ofício
da ARS “mantém dúvidas sobre o futuro dos hospitais da Colina de Santana”, o
socialista acrescentou que “sem resposta do ministro da Saúde” à carta de
Roseta “não faz sentido aprovar novas deliberações.”
Foi por isso, aliás, que o PS votou contra recomendações do
PCP, de Os Verdes e do Bloco que propunham que a câmara interviesse junto do
Governo para reverter a venda dos hospitais à Estamo e que eles se mantivessem
a funcionar mesmo depois de aberto o novo hospital.
Propostas que também o PSD rejeitou. “Isto não é sério”,
disse a social-democrata Sofia Vala Rocha. “Não há dinheiro para manter os
hospitais a funcionar e construir o novo hospital. Não há dinheiro para tudo:
ou há uma coisa ou outra”, afirmou. “O PSD não embarca nesta onda populista.”
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