O telefone tocou, era o Governo a
pedir calma. "Sr. ministro, mande isso por escrito"
Adalberto Campos Fernandes não
esperou pela volta do correio para responder às inquietações da Assembleia
Municipal de Lisboa sobre o futuro hospital de Chelas. Ao telefone, garantiu
que "não haverá menos cuidados de saúde em Lisboa, mas mais". Os
deputados não querem só 31 de boca.
Ministro da Saúde telefonou para a
Assembleia Municipal durante o debate sobre os terrenos do novo hospital
JOÃO PEDRO PINCHA 28 de Julho de 2017, 21:48
A menos que tenha
seguido por Correio Azul, a carta pouco meiga que Helena Roseta escreveu ao
ministro da Saúde ainda não tinha tido tempo de chegar à Av. João Crisóstomo
quando, esta quinta-feira, Adalberto Campos Fernandes decidiu não perder tempo
e telefonou directamente a Roseta para lhe transmitir “um conjunto de coisas”
sobre o Hospital de Lisboa Oriental, a construir em Chelas.
Teve muita pontaria. A assembleia municipal, a que Roseta
preside, votava nesse preciso momento a venda de mais um terreno municipal ao
Estado para permitir a construção do dito hospital.
“Senhores deputados,
vão poder criticar-me, mas sucedeu aqui uma questão”, disse a autarca logo
depois de ter sido aprovada a venda de 28 mil metros quadrados de terreno por
4,2 milhões de euros. “Enquanto estava um dos senhores deputados a falar sobre
esta matéria, eu recebi uma chamada telefónica do senhor ministro da Saúde, que
eu nem sabia que tinha aquele número de telefone, directa, para me dizer um
conjunto de coisas”, anunciou Helena Roseta.
Adalberto Campos Fernandes terá tentado aplacar a irritação
que Roseta demonstrou na missiva que lhe escreveu na terça-feira. “O que o
senhor ministro me disse foi que assumia o compromisso de que nada será feito
sem o acordo da assembleia municipal, que as 875 camas do novo hospital
resultam do seu desenho funcional, mas que não serão encerradas camas em Lisboa
e que não haverá menos cuidados de saúde em Lisboa, mas mais”, explicou.
Por partes. A presidente da assembleia municipal decidiu
escrever uma carta ao ministro porque, como o PÚBLICO deu conta, a
Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo deu uma resposta às
dúvidas dos deputados que a autarca considerou pouco satisfatória. E não se
coibiu de dizer claramente a Adalberto Campos Fernandes que, por um lado, havia
uma questão democrática: “A cidade não foi ouvida e certamente não aceitará ser
assim subalternizada.”
Por outro lado, e perante a informação de que a abertura do
hospital em Chelas vai implicar o encerramento total ou parcial de seis
hospitais do centro da cidade, Roseta assumia “não se compreender como é que um
hospital de 875 camas pode substituir as 1307 camas do Centro Hospitalar de
Lisboa Central”.
Com o telefonema, o ministro tentou dar resposta às duas
questões. A autarca pediu-lhe que as coisas não se ficassem por um 31 de boca.
“E eu disse ao senhor ministro que, em primeiro lugar, estamos em final de
mandato; em segundo lugar, ‘essa informação que o senhor ministro me está a
dar, tem de a mandar por escrito’ e [por fim] que irá lá receber as
deliberações que nós estamos a tomar”, disse Roseta. A presidente explicou
ainda que não informou os deputados deste telefonema durante a votação das
propostas para não “influenciar o processo decisório”.
À semelhança do que já tinham dito na terça-feira, os
deputados mostraram desagrado pela forma como a assembleia municipal foi
tratada pelo ministério. “Faço-lhe notar que, formalmente, o senhor ministro
não se dignou responder à presidente da assembleia. A menos que ultimamente se
considere um telefonema particular [como] parte de qualquer procedimento
administrativo válido, agradeço-lhe a sua posição de nos informar, mas é uma
conversa telefónica particular, esta assembleia não a pode sequer levar em
consideração”, observou Margarida Saavedra, do PSD. “[O ministro] quis fazer
boa figura, mas, ó senhora presidente, à nossa custa o senhor ministro não faz
boa figura a não ser que use os mecanismos formais”, acrescentou.
Pelo MPT, também Vasco Santos criticou o ministro. “Só agora
quando sentiu que este processo estava muito molhado é que houve um telefonema
salgado para resolver a situação.”
A venda dos terrenos foi aprovada com os votos contra de PSD
e PAN e a abstenção de CDS e MPT. Os deputados destes partidos alegaram que se
devia ter usado os terrenos como “arma” para pressionar o Ministério da Saúde.
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