Costa no seu novelo
O mais elementar respeito pelo país e
pelos que nele habitam – aqueles que votam e elegem o poder político – obrigava
Governo e oposição a terem o mais básico bom-senso
SÃO JOSÉ ALMEIDA
29 de Julho de 2017, 7:39
Como é possível o país continuar a arder sem que as
populações sintam a mais leve réstia de segurança? As alterações climatéricas
são uma realidade vinda para ficar, mas não chegaram de repente este Verão.
Elas estão anunciadas, como anunciada estava há décadas a descoordenação e a
inoperância de uma política de prevenção e de combate a incêndios descurada por
sucessivos governos. Também em Espanha e França há incêndios de novo tipo,
milhares de habitantes retirados das zonas ameaçadas pelas chamas. Bem pode
Marta Soares vociferar contra tudo e todos, mas a verdade é que os bombeiros
parecem viver ainda no século XX, à imagem de toda a estrutura de Estado
relacionada com o assunto. E, enquanto o país arde, como escrevia Amílcar
Correia no PÚBLICO, oposição e Governo mostram desnorte e incapacidade de
responder às preocupações da população.
Ninguém espera que num mês fiquem operacionais estruturas
delapidadas e retalhadas ao longo de décadas ou sejam criadas outras. Mas o
mais elementar respeito pelo país e pelos que nele habitam — aqueles que votam
e elegem o poder político — obrigava Governo e oposição a terem o mais básico
bom senso. Pelo contrário, assiste-se a tácticas politiqueiras, sem nenhuma
noção de interesse público ou dimensão de serviço público. Correm à frente ou
atrás das chamas de modo a não saírem chamuscados ou a incendiarem
politicamente os outros.
Do lado da oposição — e neste domínio o PCP e o BE só
parecem existir para impor braços-de-ferro em votações parlamentares — o CDS
apenas se mostra interessado em capitalizar politicamente através da ameaça de
uma moção de censura. Ninguém percebe bem para quê, num Parlamento em que a
esquerda está unida para uma legislatura. A ideia que Assunção Cristas dá, cada
vez que volta à ameaça, é tão confrangedora como a imagem das populações
atingidas pelo fogo a combaterem as chamas com baldes de plástico. Só que no
caso das vítimas de incêndio há danos e falta de meios alternativos. No CDS
parece haver tão-só chico-espertismo e ausência de qualquer ideia de país.
Isto, quando a líder do CDS foi ministra da Agricultura quatro anos e não reza
a história que algo tenha feito para contrariar o disparate geral das políticas
florestais.
Depois da gaffe de Passos Coelho sobre os alegados suicídios
— algo inexplicável em alguém minimamente preparado e que só revela desespero
político —, o PSD entrou num jogo táctico de exploração de casos e casinhos —
seguindo a onda da histeria das redes sociais —, numa tentativa, também ela de
chicos-espertos, de provocar erosão na imagem do executivo.
Quanto ao Governo, revela uma face do primeiro-ministro
ocultada nos dois primeiros anos de governação. O político hábil deixou-se
desequilibrar pela turba dos acontecimentos. Não tanto pela pressão da
oposição, mas pela da comunicação social, a qual reaprendeu que não tem de
seguir apenas a agenda ditada pelos políticos, ainda que muitas vezes siga a
histeria das redes sociais e adira a um sensacionalismo nada esclarecedor, como
foi o caso do Expresso no sábado, cuja manchete não correspondia à notícia no
interior, ou os vários órgãos de comunicação social que noticiaram uma lista de
72 mortos sem o confirmarem.
António Costa optou por uma táctica de disseminação de
responsabilidades — como bem notou António Barreto no Diário de Notícias. Num
primeiro momento, cedeu ao PSD a criação de uma equipa de peritos no âmbito do
Parlamento e disparou perguntas e inquéritos, para, depois, impor a "lei
da rolha" aos bombeiros. E, desde o início, desvalorizou o papel de
esclarecimento público do Estado e a responsabilidade política do Governo.
Mas, perante a pressão da comunicação social, Costa
despistou-se. Levado pelo seu excesso de auto-suficiência, começou a
precipitar-se nas respostas, como na declaração de que estava tudo esclarecido
sobre os mortos de Pedrógão. E colocou-se no "olho do furacão". Nada
indica estar em causa a solidez da maioria que apoia o Governo, mas pode até
acontecer que o Governo arda este Verão. Se isso acontecer, dever-se-á apenas à
incapacidade do primeiro-ministro de evitar tropeçar no novelo que criou.
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