Relatos da destruição no Convento de
Cristo "carecem de rigor e revelam desconhecimento científico"
Foi essa a conclusão do inquérito
realizado pela Direcção-Geral do Património Cultural, que refuta que a rodagem
de The Man Who Killed Don Quixote tenha provocado danos consideráveis no
monumento. Ainda assim, foi anunciada a revisão do Regulamento de Utilização de
Espaços patrimoniais.
MÁRIO LOPES 3 de Julho de 2017, 18:50
O inquérito defende que a ideia de uma "destruição
parcial" do Convento de Cristo, aludida na reportagem televisiva que
suscitou a instauração do mesmo, mais que manifestamente exagerada, é errada.
"As situações descritas" no programa Sexta às 9, da RTP, "'carecem
de rigor e revelam desconhecimento científico'", lê-se na nota de imprensa
emitida pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC). Ainda assim, é
anunciada uma revisão do Regulamento de Utilização de Espaços patrimoniais,
"com o propósito de uniformizar critérios de utilização".
Não foi ateada “uma ‘fogueira’ com cerca de 20 metros de
altura”, mas sim “um efeito cénico especial” realizado a partir de “uma
estrutura piramidal tubular em aço com 8,04m de altura e 6,4m de base”, em cujo
interior foi criada uma “rampa de gás propano”. A estrutura foi montada pela
empresa Reyes Abades, considerada experiente em rodagens em monumentos
históricos europeus, e o “efeito cénico” terá tido a duração de entre 4 a 5
minutos. Quanto às paredes enegrecidas pelo fumo são, afinal, “resultado da presença
de agentes biológicos” identificados “há uma década pelo Laboratório Nacional
de Engenharia Civil (LNEC)”. Também se conclui que não houve árvores
“queimadas” durante as filmagens. Foram retiradas quatro posteriormente, dado
tratarem-se de espécimes não autóctones colocadas no convento há 12 anos,
noutra rodagem. São estas as principais conclusões do inquérito realizado pela
Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) na sequência de uma reportagem no
programa Sexta às 9, da RTP, que denunciava que a rodagem de cenas de The Man
Who Killed Don Quixote, de Terry Gilliam, no Convento de Cristo, em Tomar,
provocara uma série de estragos no monumento incluído nas listas de Património
Mundial da UNESCO.
No documento entregue esta segunda-feira na Assembleia da
República lê-se que os estragos registados – “a quebra de quatro fragmentos
térreos e de seis telhas”, que a Ukbar Filmes, uma das co-produtoras do filme,
defendeu ao PÚBLICO em Junho serem “convencionais e de fabrico recente” – foram
avaliados em 2900 euros pela empresa de restauro CaC03, valor pelo qual se
comprovará não se tratarem de danos “significativos”. A rodagem rendeu 172 mil
euros aos cofres do Estado.
Ainda assim, e apesar de se ter concluído no inquérito que a
rodagem só foi autorizada após uma “avaliação criteriosa”, a DGPC entende ser
necessário melhorar a forma como é decidida e acompanhada a utilização dos 23
museus, monumentos e palácios a seu cargo. Daí a anunciada revisão do
Regulamento de Utilização de Espaços, “com o propósito de uniformizar critérios
de utilização e reforçar as exigências às empresas que solicitam o aluguer”,
bem como a criação de uma equipa permanente nos seus serviços centrais, que se
dedicará pronunciar-se, “previamente”, “sobre todos os aspectos de segurança
relativos às pretensões de utilização dos espaços, tanto a nível patrimonial,
como humano”.
Dá-se ainda nota, em resposta à acusação, na mesma
reportagem, de irregularidades na gestão da bilheteira do Convento de Cristo,
que será feita uma auditoria não só ao monumento de Tomar, mas também a dois
outros da região Centro distinguidos como Património da Humanidade, os
Mosteiros de Alcobaça e da Batalha.
A equipa de The Man Who Killed Don Quixote, realizado por
Terry Gilliam, que primeiro conhecemos, no final dos anos 1960, como um dos
Monty Python, esteve em rodagem no Convento de Cristo entre 24 de Abril e 10 de
Maio. Dia 2 de Junho, uma reportagem no Sexta às 9 denunciava que as filmagens
no Convento haviam provocado várias danificações no monumento. Foram negadas
tanto pela DGPC como pelos responsáveis pela filmagem, uma co-produção entre a
espanhola Tornasol, a belga Chien et Loup, a francesa Kinology e a portuguesa
Ukbar Films, mas o relato dos alegados estragos abriu caminho à discussão sobre
o aluguer do património histórico e as condições em que este é feito, tendo
como pano de fundo, por um lado, as crónicas dificuldades de tesouraria das
instituições, e, por outro, casos como o da antiga directora do Mosteiro dos
Jerónimos, Isabel Almeida, conhecido em Junho, que viu investigada a sua
gestão, que incluía a alegada utilização dos Jerónimos para festas privadas,
com entrada paga, mas sem receita para a tutela, ou a escolha do Museu dos Coches
para a realização do VEXpo – Salão Internacional do Veículo Eléctrico, Hibrido
e de Mobilidade Inteligente.
No final de Junho, uma reportagem do PÚBLICO concluía que a
cedência de espaços patrimoniais está muito longe de ser ainda uma prática
quotidiana em Portugal e que as quantias amealhadas com os alugueres
representavam apenas 2,22% de toda a receita gerada pelos museus e monumentos
sob a alçada da DGPC.
Sem comentários:
Enviar um comentário