PGR já esclareceu ministra sobre
suspeitas de corrupção nos vistos gold
ANA HENRIQUES e
PEDRO SALES DIAS 05/06/2014 - PÚBLICO
Paula Teixeira da Cruz garante que irá suspender ou exonerar de funções os
responsáveis do seu ministério que venham a ser arguidos ou acusados no
processo. Investigação visa altos quadros do Governo.
A suspeita de que
há altos quadros do Governo, nomeadamente do Ministério da Justiça,
investigados por corrupção na atribuição de vistos gold, levou esta
quinta-feira a responsável pela tutela, Paula Teixeira da Cruz, a pedir
esclarecimentos à Procuradoria-Geral da República (PGR). A governante garantiu
que irá suspender ou exonerar eventuais responsáveis do ministério que venham a
ser arguidos ou acusados no processo.
À margem do 7.º
Encontro da Associação das Sociedades de Advogados de Portugal, no Centro
Cultural de Belém, a ministra adiantou ter solicitado à PGR “informação legal e
oportuna”. Não existem, para já, arguidos no processo, adiantou a Procuradoria.
As autoridades
estão a investigar altos responsáveis de vários departamentos do Estado
suspeitos de terem recebido elevadas somas em troca destes vistos de
residência, atribuídos a estrangeiros que fazem avultados investimentos em
Portugal. Além de dirigentes superiores do Ministério da Justiça, a investigação
visará também dirigentes do Ministério da Administração Interna e do Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras (SEF), apontou fonte policial.
A polícia
acredita que a divulgação do caso, com as notícias publicadas esta
quinta-feira, serviu os interesses de quem pretendeu prejudicar ou mesmo
comprometer a investigação, com o objectivo de alertar os visados que estarão a
ser alvo de escutas telefónicas. Já em Março terá sido detectada uma fuga de
informação no processo com o mesmo objectivo. A PGR não esclareceu se foi
aberto um inquérito por violação do segredo de justiça.
Na área da tutela
do Ministério da Justiça está o Instituto de Registos e Notariado, cujo
presidente, António Figueiredo, está a ser investigado como foi esta
quinta-feira noticiado e confirmado ao PÚBLICO por fonte policial. Figueiredo
disse-se estupefacto com a notícia de que está a ser alvo da investigação, que
foi confirmada pela PGR.
“O Ministério
Público, coadjuvado pela PJ, no âmbito de um inquérito a correr termos no
Departamento Central de Investigação e Acção Penal, procede a investigações
relacionadas com a matéria”, adiantou. A investigação foi entregue à secção da
Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ que, por norma, recebe os
processos daquele departamento, indicou fonte da Judiciária.
“Estas notícias
são inexplicáveis. Não entendo”, disse António Figueiredo ao PÚBLICO. “Quando
fui contactado pela revista Sábado solicitei à PGR que me informasse se era
alvo de algum tipo de suspeição, mas ainda não me responderam”, acrescentou.
Sob investigação
estará também uma empresa da filha do presidente daquele instituto. Com um
objecto social variado, da compra e venda de imóveis à prestação de serviços de
documentação, passando pela comercialização de mármores e pela exploração de
estabelecimentos de ensino, a Golden Vista Europe conta com dois sócios de
nacionalidade chinesa, mas nunca teve, segundo António Figueiredo, sequer
actividade desde que foi criada, em Outubro passado.
“Não se trata de
uma imobiliária. Destinava-se a promover eventos”, refere o responsável,
acrescentando que nunca teve nada a ver com a firma sediada em Cascais. E
sublinha que o instituto que dirige não tem qualquer interferência no processo
de emissão de vistos gold.
O gerente da
empresa, Carlos Oliveira, avança, porém, outra versão. Diz que a firma foi
constituída para vender imóveis aproveitando a lei dos vistos dourados, mas que
nunca conseguiu transaccionar qualquer casa. "Como só dava despesas e não
dava lucro foi encerrada", informa.
Informação em
mandarim
De facto, muita
da informação que consta do site da empresa está em mandarim. A mensagem de
acolhimento aos visitantes é inequívoca: "Bem-vindos à Europa (zona de
Shengen)". Aqui são apresentados imóveis de luxo em várias localizações:
Lisboa, Sintra, Cascais e Algarve, entre outros locais.
Este processo não
terá qualquer relação com o do caso do chinês, com visto gold, detido em Março,
em Lisboa, após as autoridades portuguesas saberem de uma mandato internacional
da Interpol que o visava. O detido era procurado por suspeita de burla, na China.
Fonte da PJ
sublinhou ainda que, no âmbito desse processo foram reveladas fragilidades na
atribuição dos vistos, mas não se verificaram os indícios agora apontados neste
inquérito que visa altos quadros do Estado.
No âmbito desse
caso, os investigadores recolheram indícios de que a compra de casas de valor
superior a 500 mil euros ou a transferência, para Portugal, de capitais que
ascendam a, pelo menos, um milhão de euros era apenas, na maior parte dos
casos, um recurso legal para obter autorização de residência por mais de seis
anos.
Para os cidadãos
estrangeiros que conseguiram autorização, o objectivo, amiúde, era alcançar uma
forma de conseguirem viajar sem obstáculos pelo espaço europeu, mais do que
investir no país. Um artigo publicado
esta quinta-feira pela revista Forbes sobre a fuga de capitais que está a
ocorrer na China, por causa da luta das autoridades contra a corrupção,
menciona Portugal como um dos países para onde os chineses, que não conseguem
vistos norte-americanos, estão a desviar os seus investimentos.
A notícia deste
caso apanhou de surpresa, esta quinta-feira, os inspectores e dirigentes do
SEF, tendo provocado até indignação entre os quadros deste serviço face à
suspeição generalizada, disse fonte daquela entidade.
O SEF sublinhou,
entretanto, esta quinta-feira em comunicado que é “um dos principais
interessados em que as notícias sejam esclarecidas, de forma célere e cabal”,
estando disponível para a colaborar com a investigação. Aquele serviço garantiu
ainda que “o procedimento de atribuição de autorizações de residência para
investimento segue com rigor todas as disposições legais”.
“Esquema propício ao crime”,
acusa Ana Gomes
A eurodeputada
socialista Ana Gomes não se mostra surpreendida com as notícias de suspeitas de
corrupção ao mais alto nível na atribuição de vistos dourados. “Fartei-me de
avisar que isto ia acontecer. Trata-se de um esquema que se presta a todo o
tipo de corrupção, dos mais baixos aos mais altos funcionários, e à lavagem de
dinheiro”, declara. A eurodeputada defende que a atribuição de vistos gold é
anti-europeia e devia ser pura e simplesmente abolida em Portugal, Espanha e
nos outros países que têm recorrido a este sistema para aumentar receitas.
“Acho que ainda
vamos descobrir muito mais sobre os vistos alguns dos quais foram certamente
parar a tríades e outras organizações criminosas”. Para a eurodeputada, o
sistema implantado corresponde a “uma vontade política do ministro Paulo Portas
de favorecer esquemas” – que o PÚBLICO tentou, sem sucesso, contactar. “Era
interessante que as autoridades investigassem o que se passa nos principais
postos diplomáticos onde os vistos são pedidos”, observa Ana Gomes, dando como
exemplo o caso de um congolês de Brazaville que contactou uma representação
diplomática portuguesa num país europeu para tratar da papelada, que lhe daria
livre circulação no espaço Schengen. “Propunha-se trazer numa mala para
Portugal o dinheiro necessário [a emissão do visto requer a transferência de
pelo menos um milhão de euros ou a aquisição de imóveis no valor de 500 mil]”,
relata.
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