OPINIÃO
Marcelo, Miguel, o BES e nós
JOÃO MIGUEL
TAVARES 01/07/2014 - PÚBLICO
É destes pequenos segredos que vive o regime que nos trouxe até aqui.
Pergunta do
milhão de euros: como é possível que um caso com a dimensão do BES só se
conheça agora? Como é possível que nós, gente dos jornais e da comunicação
social, tenhamos tido ao longo dos anos notícia de tantas pontas soltas – basta
ver o número de casos em que o banco esteve envolvido –, mas ninguém tenha sido
capaz de unir as várias pontas e perceber aquilo que realmente se estava a
passar?
A resposta é
óbvia: porque a família Espírito Santo é demasiado grande e o país demasiado
pequeno. Enquanto a família esteve unida, formou um bloco inexpugnável, pela
simples razão de que o seu longo braço chegava a todo o lado, incluindo
partidos (alguém já ouviu António José Seguro, sempre tão lesto a dar palpites
sobre tudo, comentar o caso BES?), comunicação social (quem não se recorda do
corte de relações com o grupo Impresa em 2005, na sequência de notícias sobre o
envolvimento do BES no caso Mensalão?) e até aos próprios comentadores, por via
das relações pessoais que Ricardo Salgado mantém com gente tão influente quanto
Marcelo Rebelo de Sousa ou Miguel Sousa Tavares.
Ora, ninguém à
face da terra possui uma independência inexpugnável. Isso não significa que
todos tenhamos um preço – significa apenas que somos condicionados por relações
de amizade ou de sangue e que nesse campo uma família de 300 membros, que há
décadas se move na alta sociedade portuguesa como peixe na água, acaba por
chegar a quase toda a gente que interessa. O próprio Sousa Tavares referiu
essas ligações há um ano, numa entrevista à Sábado: “O Ricardo Salgado é sogro
da minha filha e avô de netos meus. Além disso, somos amigos há muitos anos,
porque eu fui casado com uma prima direita dele. Nunca o critiquei e nunca o
elogiei, porque acho que não se fala da família em público.” Pode apontar-se a
Miguel Sousa Tavares muita coisa – eu já o fiz –, mas não falta de
independência ou coragem. Simplesmente, quando o caso BES atinge esta dimensão,
o silêncio de alguém com a sua importância torna-se efectivamente um favor a
Salgado. Não há como fugir a isso.
Mas se Sousa
Tavares não fala sobre o tema e já justificou porquê, o mais influente
comentador português – Marcelo Rebelo de Sousa – necessita urgentemente de
aproveitar algum do seu tempo dominical para fazer a sua declaração de
interesses em relação aos Espírito Santo. E essa declaração é tanto mais
premente quanto nas últimas semanas tem vindo a defender a solução Morais
Pires, considerando até que a impressionante queda das acções do BES na passada
semana era coisa “inevitável”, visto estarmos perante “um novo ciclo”. Que essa
queda tenha acontecido exactamente por não estarmos perante um novo ciclo
parece não ter passado pela sua cabeça, habitualmente tão veloz e atenta.
Não admira, pois,
que Nicolau Santos tenha chamado a atenção no Expresso para o facto de Marcelo
e Ricardo Salgado já terem passado juntos “várias vezes férias no
Mediterrâneo”. E já agora – acrescento eu – que Rita Amaral Cabral, há
longuíssimos anos companheira de Marcelo, como é público, seja actualmente
administradora não executiva do BES, e, entre 2008 e 2012, um dos três membros
da comissão de vencimentos do banco. Marcelo, como todos sabemos, nunca teve
quaisquer problemas em criticar aqueles que lhe são próximos. Mas há factos que
devem ser verbalizados – porque é precisamente destes pequenos segredos que
vive o regime que nos trouxe até aqui.
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