OPINIÃO
De BEStial a BESta
JOÃO MIGUEL
TAVARES 24/06/2014 - PÚBLICO
De nada vale pôr
trancas ao galinheiro e deixar a raposa lá dentro. Sobretudo quando as raposas
são muito mais do que as galinhas.
O anúncio do nome
de Amílcar Morais Pires para futuro líder do Banco Espírito Santo provocou um
certo entusiasmo acrítico junto dos mais distraídos. Houve quem defendesse
estarmos perante o fim de uma era. Houve quem celebrasse o abandono dos
Espírito Santo da administração do BES. Houve até quem garantisse, como o
professor Marcelo, que o nome de Morais Pires teria a bênção antecipada do
Banco de Portugal. Diante de nós, pairaria enfim a solução para os problemas do
banco mais emblemático do regime.
Mas será mesmo
assim? Quando se olha com algum cuidado para a solução apresentada por Ricardo
Salgado para o BES, cheira-me bem que não, não é assim. Para a liderança do
banco, Salgado propôs o seu actual braço direito, Morais Pires, que, segundo
nos informa o site do próprio BES, é responsável, entre outras áreas, pelo
departamento financeiro e pelo controlo de gestão, função esta que é
“partilhada com o Dr. Ricardo Espírito Santo Salgado” (sic). Além disso, Morais
Pires assegura “a interligação com as sociedades BES Vida, BES Finance, BES
Cayman, Bank Espírito Santo International, BIC International Bank”, e algumas
mais.
O que o seu
currículo não diz, mas o Ministério Público poderá confirmar, é que Morais
Pires é arguido num processo de insider trading a propósito da compra de acções
da EDP em Janeiro de 2008. Verdade seja dita que aquela administração é arguida
praticamente de uma ponta à outra, e a habitual dificuldade de fazer prova em
processos semelhantes faz supor que o caso vá acabar em absolvição. Mas quando
se está à procura de uma figura idónea para liderar o banco, eu diria que ir
buscar o administrador que tem a seu cargo as finanças do BES e a ligação a
activos internacionais em boa parte responsáveis por um buraco no grupo que já
se estima em 7300 milhões de euros, é capaz de não ser a melhor das ideias.
Mais: Salgado não
propôs apenas o seu braço direito como solução para o banco. Propôs ainda a
criação de um Conselho Estratégico remunerado onde pretende enfiar a família, e
– cereja em cima do bolo – propôs o deputado do PSD Paulo Mota Pinto para
chairman do BES, um cargo não executivo, mas de óbvia influência. E perguntam
vocês: qual é a experiência de Paulo Mota Pinto no sector bancário? Resposta:
nenhuma. Pior do que nenhuma: Mota Pinto é o actual presidente do conselho de
fiscalização das secretas portuguesas. Ou seja, este é mais um daqueles
saltinhos que a ética republicana dispensaria penhoradamente.
Claro que a ética
republicana já viu melhores dias. E quanto à ética económica, então, nem se
fala. Aquele que já foi o homem mais poderoso do país está a ver o dinheiro e a
influência fugirem-lhe pelos dedos, mas recusa-se a sair de cena. Por um lado,
óptimo: o buraco do BES não é justificável apenas com “negligência grave, mas
não dolo” (Salgado dixit), e por isso é bom que seja ele a responder pelos seus
erros, e não o seu contabilista. Por outro lado, péssimo: convém notar que a
sua solução é uma não-solução. Se o Banco de Portugal está finalmente a fazer
prova de vida, graças ao apoio do BCE e à necessidade de limpar a banca
europeia (e ainda dizem que a crise não trouxe nada de bom), Carlos Costa não
pode de forma alguma aceitar uma solução destas. Não é por acaso que as acções
do BES estão a recuar para mínimos históricos desde sexta-feira. De nada vale
pôr trancas ao galinheiro e deixar a raposa lá dentro. Sobretudo quando as
raposas são muito mais do que as galinhas.
A importância de se chamar Pires
Por Luís Rosa
publicado em 24
Jun 2014 in
(jornal) i online
O braço direito e esquerdo de Ricardo Salgado não é o líder independente
que o Banco de Portugal reclama para o BES
1. Sete anos
depois de o mundo financeiro ter mudado com a falência do Lehman Brothers, o
Banco de Portugal (BdP) não pode afrouxar o seu escrutínio enquanto regulador. Vem
esta premissa a propósito da nova administração do Banco Espírito Santo,
liderada por Morais Pires, que será votada no final de Julho. Como o governador
Carlos Costa fez questão de salientar na última sexta-feira, e ao contrário do
que fontes próximas de Ricardo Salgado diziam no mercado, "cada um dos
indigitados" será sujeito a um escrutínio intenso para verificação dos
requisitos previstos no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedade
Financeiras, nomeadamente em termos de idoneidade.
É preciso
recordar que Vítor Constâncio - depois de o caso BPN já ser conhecido, é certo
- tornou esses critérios mais apertados. Basta recordarmos o caso de Armando
Vara em 2009. No mesmo dia em que foi constituído arguido pelo crime de tráfico
de influências por ter alegadamente promovido negócios do sucateiro Manuel
Godinho com empresas públicas, Vara suspendeu as suas funções como
vice-presidente do BCP por pressão do então governador, Constâncio. Vinte e
quatro horas depois, o BdP anunciou uma investigação para verificação dos
critérios de idoneidade.
Morais Pires, o
novo líder do BES indigitado pela família Espírito Santo, e José Maria
Ricciardi foram constituídos arguidos pelo crime de manipulação de mercado. Este
ilícito é um dos referidos explicitamente pelo Regime Geral das Instituições de
Crédito e Sociedade Financeiras como sendo, em caso de condenação, indiciador
de falta de idoneidade. É certo, repete-se, que a lei refere em caso de
"condenação em Portugal ou no estrangeiro", mas a prática seguida por
Vítor Constâncio impõe uma bitola a que Carlos Costa não deve fugir. O
princípio é exactamente o mesmo: sendo suspeitos da prática de crimes graves,
devem afastar-se da gestão até à clarificação total de todos os indícios.
2. Olhando apenas
para o critério de uma gestão independente da família Espírito Santo, Morais
Pires continua a não preencher os requisitos do Banco de Portugal. Não é por se
chamar Pires em vez de Espírito Santo que passa a ser independente. É um homem
da estrita confiança de Ricardo Salgado. Foi durante dez anos o seu braço
esquerdo e direito, corresponde a um perfil de yes man e, mais importante que
tudo, foi um dos principais operacionais da sua gestão. Pires está a par de
quase de tudo o que Ricardo Salgado fez. Há muitos exemplos, mas concentremo-nos
apenas num: a ES International, holding da família Espírito Santo que controla
o BES, está em falência técnica por causa de uma dívida que supera os 7 mil
milhões de euros. Durante o ano passado a sociedade tentou refinanciar-se aos
balcões do BES com operações de venda dos respectivos títulos de dívida. Como
chief financial officer do BES, responsável pelo financiamento e pela área
internacional do banco, é impossível não estar a par das dificuldades da
holding de controlo da família Espírito Santo. Se assim é, Morais Pires tinha
uma especial responsabilidade por aferir a credibilidade do produto financeiro
que estava a ser vendido aos clientes do BES.
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