segunda-feira, 23 de junho de 2014

De BEStial a BESta, por João Miguel Tavares / A importância de se chamar Pires, por Luis Rosa.


OPINIÃO
De BEStial a BESta
JOÃO MIGUEL TAVARES 24/06/2014 - PÚBLICO

De nada vale pôr trancas ao galinheiro e deixar a raposa lá dentro. Sobretudo quando as raposas são muito mais do que as galinhas.
O anúncio do nome de Amílcar Morais Pires para futuro líder do Banco Espírito Santo provocou um certo entusiasmo acrítico junto dos mais distraídos. Houve quem defendesse estarmos perante o fim de uma era. Houve quem celebrasse o abandono dos Espírito Santo da administração do BES. Houve até quem garantisse, como o professor Marcelo, que o nome de Morais Pires teria a bênção antecipada do Banco de Portugal. Diante de nós, pairaria enfim a solução para os problemas do banco mais emblemático do regime.

Mas será mesmo assim? Quando se olha com algum cuidado para a solução apresentada por Ricardo Salgado para o BES, cheira-me bem que não, não é assim. Para a liderança do banco, Salgado propôs o seu actual braço direito, Morais Pires, que, segundo nos informa o site do próprio BES, é responsável, entre outras áreas, pelo departamento financeiro e pelo controlo de gestão, função esta que é “partilhada com o Dr. Ricardo Espírito Santo Salgado” (sic). Além disso, Morais Pires assegura “a interligação com as sociedades BES Vida, BES Finance, BES Cayman, Bank Espírito Santo International, BIC International Bank”, e algumas mais.

O que o seu currículo não diz, mas o Ministério Público poderá confirmar, é que Morais Pires é arguido num processo de insider trading a propósito da compra de acções da EDP em Janeiro de 2008. Verdade seja dita que aquela administração é arguida praticamente de uma ponta à outra, e a habitual dificuldade de fazer prova em processos semelhantes faz supor que o caso vá acabar em absolvição. Mas quando se está à procura de uma figura idónea para liderar o banco, eu diria que ir buscar o administrador que tem a seu cargo as finanças do BES e a ligação a activos internacionais em boa parte responsáveis por um buraco no grupo que já se estima em 7300 milhões de euros, é capaz de não ser a melhor das ideias.

Mais: Salgado não propôs apenas o seu braço direito como solução para o banco. Propôs ainda a criação de um Conselho Estratégico remunerado onde pretende enfiar a família, e – cereja em cima do bolo – propôs o deputado do PSD Paulo Mota Pinto para chairman do BES, um cargo não executivo, mas de óbvia influência. E perguntam vocês: qual é a experiência de Paulo Mota Pinto no sector bancário? Resposta: nenhuma. Pior do que nenhuma: Mota Pinto é o actual presidente do conselho de fiscalização das secretas portuguesas. Ou seja, este é mais um daqueles saltinhos que a ética republicana dispensaria penhoradamente.


Claro que a ética republicana já viu melhores dias. E quanto à ética económica, então, nem se fala. Aquele que já foi o homem mais poderoso do país está a ver o dinheiro e a influência fugirem-lhe pelos dedos, mas recusa-se a sair de cena. Por um lado, óptimo: o buraco do BES não é justificável apenas com “negligência grave, mas não dolo” (Salgado dixit), e por isso é bom que seja ele a responder pelos seus erros, e não o seu contabilista. Por outro lado, péssimo: convém notar que a sua solução é uma não-solução. Se o Banco de Portugal está finalmente a fazer prova de vida, graças ao apoio do BCE e à necessidade de limpar a banca europeia (e ainda dizem que a crise não trouxe nada de bom), Carlos Costa não pode de forma alguma aceitar uma solução destas. Não é por acaso que as acções do BES estão a recuar para mínimos históricos desde sexta-feira. De nada vale pôr trancas ao galinheiro e deixar a raposa lá dentro. Sobretudo quando as raposas são muito mais do que as galinhas.

A importância de se chamar Pires
Por Luís Rosa
publicado em 24 Jun 2014 in (jornal) i online
O braço direito e esquerdo de Ricardo Salgado não é o líder independente que o Banco de Portugal reclama para o BES

1. Sete anos depois de o mundo financeiro ter mudado com a falência do Lehman Brothers, o Banco de Portugal (BdP) não pode afrouxar o seu escrutínio enquanto regulador. Vem esta premissa a propósito da nova administração do Banco Espírito Santo, liderada por Morais Pires, que será votada no final de Julho. Como o governador Carlos Costa fez questão de salientar na última sexta-feira, e ao contrário do que fontes próximas de Ricardo Salgado diziam no mercado, "cada um dos indigitados" será sujeito a um escrutínio intenso para verificação dos requisitos previstos no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedade Financeiras, nomeadamente em termos de idoneidade.

É preciso recordar que Vítor Constâncio - depois de o caso BPN já ser conhecido, é certo - tornou esses critérios mais apertados. Basta recordarmos o caso de Armando Vara em 2009. No mesmo dia em que foi constituído arguido pelo crime de tráfico de influências por ter alegadamente promovido negócios do sucateiro Manuel Godinho com empresas públicas, Vara suspendeu as suas funções como vice-presidente do BCP por pressão do então governador, Constâncio. Vinte e quatro horas depois, o BdP anunciou uma investigação para verificação dos critérios de idoneidade.

Morais Pires, o novo líder do BES indigitado pela família Espírito Santo, e José Maria Ricciardi foram constituídos arguidos pelo crime de manipulação de mercado. Este ilícito é um dos referidos explicitamente pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedade Financeiras como sendo, em caso de condenação, indiciador de falta de idoneidade. É certo, repete-se, que a lei refere em caso de "condenação em Portugal ou no estrangeiro", mas a prática seguida por Vítor Constâncio impõe uma bitola a que Carlos Costa não deve fugir. O princípio é exactamente o mesmo: sendo suspeitos da prática de crimes graves, devem afastar-se da gestão até à clarificação total de todos os indícios.


2. Olhando apenas para o critério de uma gestão independente da família Espírito Santo, Morais Pires continua a não preencher os requisitos do Banco de Portugal. Não é por se chamar Pires em vez de Espírito Santo que passa a ser independente. É um homem da estrita confiança de Ricardo Salgado. Foi durante dez anos o seu braço esquerdo e direito, corresponde a um perfil de yes man e, mais importante que tudo, foi um dos principais operacionais da sua gestão. Pires está a par de quase de tudo o que Ricardo Salgado fez. Há muitos exemplos, mas concentremo-nos apenas num: a ES International, holding da família Espírito Santo que controla o BES, está em falência técnica por causa de uma dívida que supera os 7 mil milhões de euros. Durante o ano passado a sociedade tentou refinanciar-se aos balcões do BES com operações de venda dos respectivos títulos de dívida. Como chief financial officer do BES, responsável pelo financiamento e pela área internacional do banco, é impossível não estar a par das dificuldades da holding de controlo da família Espírito Santo. Se assim é, Morais Pires tinha uma especial responsabilidade por aferir a credibilidade do produto financeiro que estava a ser vendido aos clientes do BES.

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