Sociedade
Aberta18 Jun 2014 / Jornal de Negócios online
Os média e a crise no PS
JOÃO CARDOSO
ROSAS
18 Jun 2014
É reconhecido por
todos que António Costa tem "boa imprensa", enquanto António José
Seguro tem "má imprensa".
O que é estranho
é que isso seja aceite acriticamente, como um facto estabelecido e normal, em
vez de desencadear uma reflexão sobre a qualidade - ou mesmo a integridade - do
jornalismo e da análise política entre nós.
Pense-se, por
exemplo, na proposta de Seguro para a realização de eleições primárias no PS,
com vista à escolha do candidato do partido a primeiro-ministro, abertas a
militantes e simpatizantes. Ela é geralmente apresentada como um gesto de
oportunismo político, em vez de ser analisada pelos seus méritos próprios e em
função da abertura dos partidos à sociedade civil, tão reclamada por todos.
Embora entrando aqui num raciocínio contrafactual - e, como tal, falível -
parece-me claro que, se a mesma proposta fosse apresentada por Costa, seria
imediatamente acolhida como uma inovação bem-vinda e uma oportunidade para a
renovação do funcionamento dos partidos políticos em Portugal.
Considere-se,
para dar outro exemplo, a atitude de Costa e Seguro no contacto directo com as
pessoas. Qualquer jornalista que acompanhe os dois sabe que Seguro está
perfeitamente à vontade no meio do povo, enquanto Costa denota incomodidade
física. Não há aqui motivo de notícia e análise? Não revela isto algo
politicamente relevante na personalidade dos dois? Se a atitude dos dois fosse
ao contrário, se Seguro mostrasse repugnância no contacto físico com o povo e
Costa estivesse à vontade, não seria isso motivo de atenção mediática?
Os exemplos
podiam multiplicar-se. Mas a questão é esta: por que razão jornalistas e
analistas são geralmente favoráveis a Costa e desfavoráveis a Seguro?
A resposta é
relativamente simples: Costa pertence ao mesmo grupo social da maior parte dos
jornalistas e comentadores. Trata-se de um grupo que olha para o país com
superioridade, mas que considera Costa como um deles. Costa fala como eles, tem
as mesmas referências, os mesmos amigos. Neste aspecto, Seguro é um ‘outsider'.
Nada tem a ver com os meios jornalísticos e intelectuais de Lisboa. As suas
preocupações são distintas, o seu modo de falar diferente. Por isso é objecto
de desconfiança e maltratado.
Se a política
portuguesa tivesse já ultrapassado a fase oligárquica, o facto de Seguro vir de
fora dos círculos habituais de poder e influência seria valorizado e não
desvalorizado. Por exemplo nos Estados Unidos, onde a política é mais aberta e
democrática, existe uma grande valorização daqueles que são percepcionados como
exteriores ao sistema e aos círculos de interesse de Washington. Mas a política
portuguesa continua a ser à moda antiga: um ‘old boys network'. Até quando?
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