Ana Drago
reconhece que o Bloco de Esquerda "sobreavaliou a raiva social"
contra a austeridade
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ENTREVISTA
“O Bloco tem de ser mais
humilde"
PAULO PENA
08/06/2014 - 08:15
Ana Drago, socióloga, 38 anos, dirigente e ex-deputada do Bloco de
Esquerda, pede urgência, e diálogo, à esquerda. “Temos uma responsabilidade
histórica de dar resposta aos problemas com que o país vive”. E isso passa por
uma convergência, com outros partidos de esquerda, em torno de um programa
“mínimo”.
Há uma semana,
apresentou uma proposta de diálogo com outros partidos e sectores de esquerda,
“nomeadamente o Livre e o 3D”, que foi chumbada por 10 votos, no órgão máximo
do partido. Lamenta a “auto-suficiência” que faz com que o Bloco recuse
“sentar-se à mesa” com quem está disponível para “assumir compromissos” e
debater um programa, para governar.
Se o partido não
mudar de estratégia, Ana Drago teme “que as pessoas deixarão de ver utilidade
política no Bloco”. E ela própria? “Hoje milito no Bloco. Mas isto é um dia de
cada vez…”
O que é que
aconteceu à esquerda, em Portugal, nestas eleições?
Creio que acabou
por se confirmar aquilo que já se percebia antes das eleições: o PS, mesmo num
cenário de grande agressividade por parte da direita, não tem uma direcção
disposta a fazer uma luta política e social suficientemente forte. Há
demasiados compromissos que unem esta direcção do PS à linha europeia que está
a ser seguida. Isso resultou naquilo a que Mário Soares chamou “uma vitória de
Pirro”. O PCP acaba por capitalizar uma certa sensação de segurança, e também
um voto de resistência. Alguém me dizia, com uma certa ironia, que o PCP
funciona como um cofre. Vota-se, e o partido guarda o voto, faz uma defesa do
Estado Social, da democracia. Mas não se espera uma alteração… Quem deixou de
votar no Bloco e votou PCP fê-lo por estar zangado com o Bloco mas sem grandes
expectativas em relação ao PCP. O Bloco viu agravar-se a dificuldade que sente
desde 2011, que se prende também com expectativas, com o projecto político que
apresentou.
Que expectativas
é que o Bloco frustrou?
O Bloco sempre se
apresentou – e foi assim que o escrevemos na altura – como uma tentativa de
lutar contra duas desistências: a desistência do PCP de transformar a política,
por viver no seu espaço de identidade e de resistência; e a do PS, que vive
naquele seu social-liberalismo, abandonando parte da sua identidade de partido
social-democrata tradicional. O Bloco pretendia desafiar essas duas
desistências, fazendo propostas que permitissem criar maiorias sociais e que,
de alguma forma, desbloqueassem a esquerda. A direcção do Bloco tem manifestado
uma enorme dificuldade em fazer isso.
O que se passou
para que isso seja assim?
Em 2011 creio que
as pessoas não conseguiram compreender como é que nós, depois de termos tentado
um envolvimento com sectores críticos do PS, corporizado na candidatura de
Manuel Alegre, no momento seguinte sentimos necessidade de fazer um corte com o
PS, apresentando uma moção de censura e não permitindo qualquer possibilidade
de gerir o agravamento dos juros da dívida pública. Creio que seria muito
difícil, porque naquela altura, Sócrates inicia a austeridade – em doses
moderadas – que a Europa agora adoptou de forma violenta.
A crise apanhou
todos de surpresa?
O tempo que
estamos a viver é uma alteração de paradigma político. Alguma coisa se passou.
Nós tivemos uma experiência de 20 anos na Europa, de modernização do país,
alguns avanços em direitos sociais, mas também uma liberalização dos mercados,
retirada do Estado, desregulação. Em todo o caso, foi um tempo de modernização,
em Portugal. Aquilo que estamos a viver é diferente: é um processo de
empobrecimento, de “desmodernização”.
O Bloco estava à
espera de uma revolta social?
Sim, creio que
sobrevalorizámos a raiva social. Foi isso que nos conduziu a não estarmos
presentes na negociação com a troika. Não que eu acredite que teria sido
possível convencer a troika da bondade de uma política de qualificação, ou de
combate ao desemprego. Mas as pessoas sentiram que o Bloco tinha desistido de
as representar.
Entretanto já
houve uma auto-crítica sobre isso…
Sim, isso depois
foi percebido.
E houve uma nova
liderança: saiu Francisco Louçã e entraram Catarina Martins e João Semedo.
O problema do
Bloco não é um problema de liderança, ou de comunicação. É um problema de
estratégia. Há uma espécie de auto-suficiência. Temos o nosso espaço de
representação e isso chega. Para o desafio político com que o Bloco nasceu,
todos compreenderão que isso é insuficiente.
E foi por isso
que sugeriu, há uma semana, na reunião da Mesa Nacional, que o Bloco devia
repensar a sua política de alianças?
Recentemente,
antes da campanha da europeias, surgiu a proposta de se criar uma plataforma
que pudesse resultar numa candidatura ao Parlamento Europeu. É uma proposta que
nos é trazida pelos protagonistas do manifesto 3D, dizendo que existe um
programa, que resulta do Congresso Democrático das Alternativas (CDA), onde
várias correntes de esquerda participaram, e é uma boa base de trabalho.
Isso não avançou
porque o Bloco considerou que a proposta que lhe foi feita o menosprezava e o
colocava em pé de igualdade com o 3D, que não era um partido.
Compreendo que
havia dificuldades processuais. Penso que nessa matéria a direcção do Bloco tem
razão. Mas era possível fazer uma coligação, e isso também foi discutido nas
reuniões. Era possível que o manifesto 3D se constituísse como associação
política, o Livre estava a legalizar-se como partido… Havia possibilidade para,
pelo menos, as pessoas se sentarem à mesa e começarem por discutir o programa. Mas
a direcção do Bloco considerou que o percurso de Rui Tavares impossibilitava um
diálogo político. E eu creio que isso mina o diálogo e é pouco fiel à
identidade do Bloco. Não acho que seja saudável acumular ressentimentos quando
o país exige à esquerda que ultrapasse as suas limitações, e até a sua própria
história, para estar disponível para dar uma resposta.
Esta pergunta é
mais para a socióloga do que para a dirigente política. Isso é também uma
clivagem geracional? A Ana, Rui Tavares, Daniel Oliveira, estão mais
disponíveis para isso por não terem vivido as clivagens do PREC, que ainda têm
memórias dolorosas entre vários dirigentes dos partidos de esquerda?
Talvez… A minha
primeira experiência política é o Bloco. Eu entro no Bloco precisamente para
isso, quando o Bloco era uma experiência de convergência de 3 correntes, com
conflitos no passado, mas que agregou identidades em torno de um programa. Hoje,
esse desafio é ainda mais urgente. É a nossa responsabilidade. Não quero dar
demasiado peso às palavras, mas temos uma responsabilidade histórica de dar
resposta aos problemas com que o país vive e de estarmos à altura do nosso
percurso. Sente-se, se calhar, essa questão geracional. Mas o fundamental é
perceber qual é o papel político do Bloco na sociedade portuguesa.
O Bloco perdeu
dois deputados. A análise do partido sobre os resultados foi demasiado indulgente?
É uma análise,
quanto a mim, demasiado superficial. Dizer que surgiram outras forças, que os
jovens emigraram, tudo isso é verdade. Mas então por que razão não foi o Bloco
capaz de captar o voto e a confiança dos portugueses, num momento destes?
Tem resposta para
essa pergunta?
A resposta é a
falta de credibilidade do projecto político. Isso não tem a ver, apenas, com a
qualidade das propostas, mas com a capacidade de captar força social, de fazer
alianças. Não basta ter propostas sólidas, é preciso capacidade de as realizar.
O Bloco também tem fraquejado noutra área: tem de ter uma relação mais humilde
com a sociedade e com os movimentos sociais. Nós tivemos um desempenho
parlamentar elogiado, mas que talvez tenha secado o partido. Precisamos de
voltar ao projecto de refundação da esquerda, lançando desafios às outras
forças e dialogando com os movimentos sociais.
Na Mesa Nacional
propôs um debate com outras forças à esquerda. Perdeu numa votação renhida, não
foi?
Sim, foi uma
votação interessante. O Bloco sempre teve, pelo menos até 2011, uma vontade de
encontrar interlocutores. Sempre achámos que o discurso “dê mais força ao
Bloco” seria insuficiente do ponto de vista político. É o discurso: “Se nos der
mais força, as nossas propostas valem mais, mas não passam à mesma”. Quando o
manifesto 3D nos fez aquele desafio, creio que isso seria retomar o projecto
político do Bloco. O diálogo à esquerda deve ser o mais alargado possível. Mas
desde já existem interlocutores disponíveis. Perguntam-me se essa é a solução
para os problemas. Não, não é. Mas é um início. E foi por isso que fiz a
proposta.
João Semedo
considerou, numa entrevista à Antena 1, que a sua proposta era a de um
entendimento com uma parte reduzida da esquerda. Ouviu essa crítica?
Ouvi, com alguma
dificuldade. Porque na verdade não houve nenhuma contraproposta. E não foi essa
a crítica que me fizeram na Mesa Nacional. O que a proposta dizia,
textualmente, é que é necessário que o Bloco inicie um processo de diálogo com
outras forças de esquerda (pausa)… Nomeadamente, o manifesto 3D e o partido
Livre que teve um resultado significativo nestas europeias. Porque estes estão
disponíveis. Se outros estiverem, não vejo qualquer problema.
Aparentemente, o
Bloco parece agora preferir um diálogo com o PCP. Faz sentido?
Não pode haver
exclusões. O que foi complicado, e muitíssimo problemático, no diálogo anterior
às europeias, foi haver uma exclusão determinada do Livre. Não é assim que se
fazem processos de convergência e de alargamento da esquerda. Em relação ao PCP
vejo essa proposta com muita simpatia. Mas devo dizer que já tenho 15 anos de
Bloco de Esquerda, e sempre houve uma grande dificuldade. Estive em várias
reuniões entre as direcções do Bloco e do PCP. Conheço esse debate e são
consultas formais, sem desenvolvimentos… Ter um diálogo com o PCP não
impossibilita termos um diálogo com outros partidos disponíveis.
O Bloco parece
não considerar o PS como parte da esquerda. Qual é a sua opinião?
Tenho alguma
dificuldade em perceber o que vai ser o
PS no futuro. Há várias sensibilidades. Mesmo sobre o euro e as instituições
europeias há nuances. António José Seguro foi dos primeiros a apoiar o Tratado
Orçamental, que é uma declaração de morte ao Estado Social. O que acho que cabe
à esquerda não é desistir do PS, entregá-lo à direita. É, pelo contrário,
disputar as áreas de esquerda do PS para apresentar uma alternativa. Nestes
três anos, o comportamento do PS foi titubeante e fraco. Não se mobilizou nas
ruas, nem nos sindicatos.
Considera, como
Semedo, que não há diferenças significativas entre Costa e Seguro?
Neste momento,
ter declarações muito taxativas não é prudente. António Costa fez algumas
críticas ao Tratado Orçamental. Isso é um bom sinal. Também já o ouvi tomar
posições com as quais discordo. E lança-se numa disputa pela liderança sem
tornar claro qual é o seu programa. O problema de desempenho do PS é, antes de
tudo, programático. Esta ideia de que pode haver uma “austeridade inteligente”,
lançada por António José Seguro deixa as pessoas sem alternativa.
Está à espera da
Convenção Nacional de Novembro?
O debate tem de
se ir fazendo. Não creio que se deva usar o tempo até à convenção para arranjar
mais justificações do género das que foram usadas para explicar a derrota nas
europeias. Retira-nos credibilidade. O eleitorado do Bloco é exigente. Seis
meses é muito tempo… Por isso propus a antecipação da Convenção.
E se nada
acontecer? Que utilidade terá o Bloco?
Se não há uma
reconfiguração da estratégia, se ela não é possível, tenho a sensação que as
pessoas deixarão de ver utilidade política no Bloco… Isto não é um sítio para
estarmos e dizermos que temos razão. E ficarmos contentes por termos o nosso
partido e mostrarmos que temos razão. O partido surge de uma vontade de
transformar a vida das pessoas. Transformar agora! Não é pensar que há ciclos
históricos longos. É agora, numa situação de particular urgência, que é preciso
estruturar uma resposta política, em torno de mínimos que permitam salvar o
país.
Transformar a
vida das pessoas passa por governar?
Penso que sim.
Não se trata de discutir ministros, secretários de Estado ou chefes de
gabinete. Trata-se de assumir compromissos necessários para mudar as condições
de vida. Se a estratégia é uma estratégia de confrontação com o FMI, a Comissão
Europeia, é preciso ideias claras e força política.
Continua a valer
a pena, para si, militar no Bloco? Deu algum ultimato ao partido para essa
mudança?
Não quero ser
muito tremendista. Hoje milito no Bloco. Mas isto é um dia de cada vez… Nós
estamos onde julgamos que a nossa cidadania é útil. Existe um programa escrito,
onde o Bloco se revê, e para o qual temos interlocutores. Agora. Não é daqui
por cinco anos…
O programa que
refere, do CDA, é muito crítico em relação à permanência de Portugal no euro…
O euro é das
questões mais complexas de discutir. Compreendo todos os argumentos pela saída
do euro mas tenho dificuldade em vê-la como uma proposta de estratégia para o
país. O processo de globalização cria dificuldades de ter uma estratégia de
desenvolvimento desenquadrada do quadro europeu. É preciso reestruturar a
dívida e confrontar as instituições europeias nesse processo. Sair do euro não
é uma estratégia, pode é ser uma decisão que se tenha de tomar. Enfrentar a
política de Merkel e reestruturar a dívida é que têm uma aceitação ampla na
sociedade portuguesa, à esquerda.
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