Sucessão de Durão Barroso coloca
governos e instituições da UE à beira de uma grave crise
ISABEL ARRIAGA E
CUNHA (Bruxelas) 08/06/2014 – PÚBLICO
Começa a ser dito em privado que a desistência de Juncker é a única solução
airosa, mas a equipa deste nega que isso esteja sobre a mesa.
A batalha em
torno da nomeação de Jean-Claude Juncker para suceder a Durão Barroso na
presidência da Comissão Europeia aqueceu ao rubro nos últimos dias de uma forma
que ameaça abrir uma grave crise entre os governos da União Europeia (UE) e
entre estes e o Parlamento Europeu (PE).
David Cameron,
primeiro-ministro britânico, está a dar tudo por tudo para bloquear a nomeação
do ex-primeiro ministro do Luxemburgo, pondo mesmo na balança uma possível
saída do Reino Unido da UE caso saia derrotado.
A radicalização
do discurso britânico, virada para o seu partido conservador cada vez mais
eurocéptico e apoiada por boa parte da imprensa nacional, está aliás a tornar
praticamente impossível um recuo de Londres, o que começa a tornar-se num sério
problema sem fim à vista.
O impasse é tal
que a solução que começa a ser ventilada em privado em Bruxelas como a única
saída airosa possível seria uma decisão do próprio Juncker de se retirar da
corrida, o que permitiria abrir o caminho para a escolha de um nome alternativo
consensual para todos os intervenientes.
A equipa de
Juncker e os seus apoiantes negam que o luxemburguês tenha qualquer intenção
deste tipo, garantindo que Cameron está isolado e será derrotado se os chefes
de Estado ou de Governo decidirem proceder a uma votação, que apenas precisa da
maioria qualificada dos 28.
Os britânicos
alegam, pelo contrário, que têm o apoio da Holanda, Suécia, Dinamarca e
Hungria, e possivelmente da Itália, o que, a confirmar-se, lhes permitirá
bloquear a decisão.
A chave deste
braço de ferro está, uma vez mais, nas mãos da Alemanha, cuja posição tem sido
tudo menos clara: Angela Merkel, chanceler alemã, tão depressa defende Juncker
— por quem não tem um apreço particular — como sublinha a importância do Reino
Unido para a UE.
Merkel
participará segunda e terça-feira, em Estocolmo, numa minicimeira de líderes da
Alemanha, Reino Unido e Suécia, que é vista como o momento chave para a
resolução do “problema Juncker”.
Ninguém sabe
ainda como, porque mesmo que o visado decida abandonar o barco, o problema não
ficará por si só resolvido.
Este imbróglio
foi provocado por uma decisão dos socialistas europeus de indicarem um
candidato à sucessão de Barroso com a promessa de que seria o próximo
presidente da Comissão caso a sua família política fosse a mais votada nas
eleições europeias de 25 de Maio. O escolhido foi o alemão Martin Schulz,
presidente do Parlamento Europeu (PE).
Contrafeitos, os
partidos de centro direita (PPE) — que inclui a CDU de Merkel e o PSD e CDS
portugueses — decidiram avançar na mesma lógica com o objectivo expresso de
bloquear a candidatura de Schulz, assumindo Juncker, federalista europeu
convicto, como o seu candidato.
Esta ideia dos
candidatos-chefes de fila nunca entusiasmou os Governos, porque são eles — e
não o PE — que, segundo o Tratado da UE, têm o poder de escolher o presidente
da Comissão. Este tem, no entanto, de ser depois confirmado por uma maioria
absoluta de eurodeputados (376 em 751), o que dá aos eleitos um enorme poder de
pressão — e de veto.
Apesar disso, os
Governos deixaram a campanha eleitoral decorrer à volta dos candidatos-chefes
de fila sem fazerem nada para o impedir.
Dada a sua
vitória eleitoral (embora sem maioria absoluta) a 25 de Maio, o PPE clamou a
escolha de Juncker para suceder a Barroso, embora sabendo que o seu candidato
precisará de construir uma maioria parlamentar com os socialistas e
possivelmente os liberais (o segundo e terceiro grupo parlamentar em dimensão)
para poder ser confirmado no PE.
A radicalização
do discurso de Cameron contra Juncker tem tido o efeito de ir reforçando a
determinação do PE de exigir a nomeação do candidato do PPE em respeito da
promessa feita (pelos partidos pan-europeus) aos eleitores.
Acima de tudo, o
PE recusa terminantemente dar pela quarta vez a Londres um poder de veto sobre
a escolha do presidente da Comissão (depois dos antecedentes de 1984, 1994 e
2004). Isto, tanto mais que o Tratado de Lisboa, de 2009, alterou o método de
decisão nesta matéria da unanimidade para a maioria qualificada.
Esta unidade
parlamentar comporta assim uma ameaça de veto de um eventual candidato
alternativo dos Governos caso este cedam à chantagem de Cameron.
Juncker garantiu
por seu lado, na semana passada, aos eurodeputados do PPE que não se porá “de
joelhos” para obter o apoio de Londres, mesmo se uma das suas prioridades para
o mandato de cinco anos será ajudar os britânicos a resolver o seu problema
europeu: Cameron prometeu ao país um referendo em 2017 sobre a permanência do
país na UE depois de, segundo espera, ter conseguido recuperar para o nível
nacional algumas das competências delegadas ao longo dos anos para Bruxelas.
Se o PE mantiver
a sua determinação actual, uma eventual desistência de Juncker não resolverá
problema nenhum por causa da ameaça de veto a um candidato alternativo dos
Governos. O que, a confirmar-se, abrirá uma crise de graves consequências entre
os Governos e as instituições da UE.
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