OPINIÃO
À revelia
VASCO PULIDO
VALENTE 29/06/2014 / PÚBLICO
Depois da derrota
de Sócrates, nunca mais no PS se falou do que o partido e o seu
primeiro-ministro tinham feito com a sua maioria absoluta. Não se falou da
“obra”, nem do “programa” (admitindo que existia um), nem dos métodos do “animal
selvagem”, que várias vezes roçaram o intolerável. O governo de Sócrates
desapareceu do universo mental dos socialistas. Ninguém o criticou, quando ele
era todo-poderoso, ninguém abriu a boca a seguir para lhe encontrar o menor
defeito. Parece que Sócrates mostrara uma grande vontade “reformadora” e que a
crise financeira fora exclusivamente provocada pela crise internacional. No
homem, ele próprio, não se podia tocar, tanto mais que ele com a sua conhecida
modéstia se recolhera a Paris para escrever uma tese sobre, calculem, filosofia
política.
O pretexto para
esta extraordinária abstenção estava como sempre na necessidade de garantir a
unidade do partido e de lhe conservar um resto de prestígio. Não se conhece um
exame tranquilo e sério dos quatro anos de Sócrates. Tirando um ou outro
comentário vaguíssimo na televisão, António Costa não disse nada, António José
Seguro também não e as personagens menores ficaram caladas como lhes competia. Ou
seja, os socialistas não “arrumaram” o passado, como pretenderam, mas mais
trivialmente “esconderam” um passado, que os comprometia, do eleitorado e do
país. Agora, com as querelas domésticas do PS prometem participar ao público o
que na realidade pensam, confessando de caminho que durante anos não hesitaram
em enganar toda a gente por interesses de facção.
Isto merece um
comentário. Se os políticos – do PS, do CDS ou do PSD – não vêem qualquer
objecção moral em governar à revelia dos portugueses, para que serve o regime
democrático por aí tão gabado? O cidadão comum soube da corrida para a
bancarrota, que começou com Guterres (ou até com Cavaco)? Soube do extravagante
crescimento da dívida (interna e externa, soberana e particular)? Soube da
carga que inevitavelmente cairia sobre ele, quando chegasse a altura de “ajustar”
as coisas? E percebe a irresponsabilidade com que o conduziam para um poço sem
fundo? De maneira nenhuma: sem informação, distraído pelas zaragatas da “classe
dirigente”, viveu tranquilamente a sua vida, como se a “festa” fosse durar
sempre. E é esta mesma gente, que no PS e fora dele nos pede agora confiança?
Sem comentários:
Enviar um comentário