segunda-feira, 30 de junho de 2014

Espanha tenta viragem com a descida dos impostos e deixa Portugal mais isolado. As principais alterações da reforma fiscal espanhola.


Espanha tenta viragem com a descida dos impostos e deixa Portugal mais isolado
PEDRO CRISÓSTOMO 29/06/2014 - PÚBLICO
Entre as dúvidas de Bruxelas e os receios dos mercados, Rajoy inicia a baixa do IRS em 2015, ano de eleições. Tem Passos margem para repetir a estratégia?

Naquele sábado de Setembro, Mariano Rajoy dispensara a gravata para discursar na rentrée de 2013 do Partido Popular, na Galiza. Com o discurso já alinhado na viragem da economia espanhola, mas ainda sem sinais fortes de recuperação económica, o presidente do Governo espanhol lançava-se numa certeza: “Virei aqui, dentro de um ano, a Soutomaior, anunciar uma descida de impostos”. Não foi preciso esperar tanto tempo.

O aguardado plano da reforma fiscal, que o executivo Rajoy desvendou na última semana, representa um alívio fiscal para a generalidade das famílias espanholas já no próximo ano, reduz os impostos para as empresas (sendo uma parte desse impacto orçamental coberto pela revisão das deduções fiscais em alguns impostos) e mantém o IVA inalterado (havendo apenas uma subida cirúrgica do imposto sobre alguns produtos sanitários). As dúvidas que a reforma enfrenta nesta altura quanto ao impacto das medidas nas finanças públicas, na economia e no emprego vieram aquecer o debate em Espanha. E acrescentar uma linha à discussão que agora se deverá iniciar em Portugal, onde se aguardam as conclusões da comissão de reforma do IRS. O Governo de Pedro Passos Coelho também colocou a reforma fiscal na agenda, mas está Portugal nas mesmas condições para lançar uma descida dos impostos já no próximo ano?

A reforma arranca em 2015. Ultrapassadas umas europeias que deram uma vitória ao PP e deixaram o PSOE em convulsão interna, Rajoy procura ganhar fôlego para reclamar o fortalecimento da base eleitoral dos conservadores em 2015, ano de uma maratona eleitoral (legislativas, eleições autonómicas e locais).

É no crescimento que o impacto de uma reforma fiscal é mais importante, porque isso ajudaria por sua vez a “reduzir o défice e a dívida”, escreveu no El País o economista Santiago Carbó. Politicamente, diz este professor de economia e finanças na britânica Bangor Business School, isso deixaria para segundo plano o “debate sobre o seu eleitoralismo ou oportunismo”.

O ponto central do debate tem, porém, sido centrado na economia. Tem Espanha margem orçamental suficiente para lançar já em 2015 uma baixa dos impostos? Ou fica o Governo sob maior pressão para não se desviar da correcção das contas públicas? Vai a descida dos impostos ter um efeito palpável na economia, na criação de postos de trabalho, no consumo e, com uma retoma económica mais forte, ajudar a equilibrar as contas externas e a baixar a dívida pública? E no meio de todas as dúvidas: que ressonância terá a reforma fiscal na economia portuguesa e nas próprias opções que o Governo português vai tomar depois de receber as conclusões da comissão da reforma do IRS?

Desconforto em Bruxelas
O Governo espanhol conta que a descida do IRS – feita a dois tempos – se traduza num aumento do PIB de 0,55% em 2015 e 2016. No próximo ano, abrange 20 milhões de contribuintes e depois de estar concluída, em 2016, a descida média dos impostos para as famílias será de 12,5%, segundo as contas do ministério espanhol das Finanças. A redução das taxas é acompanhada de uma diminuição do número de escalões do IRS (ver lista das medidas na página 12). O escalão mais baixo desce de 24,75%, primeiro, para 20% e em 2016 para 19%; o escalão mais alto cai de 52% para 47%, voltando a baixar no ano seguinte, para 45%. Em Portugal – onde a carga fiscal calculada pela OCDE representa 41,1% do PIB, contra 40,7% em Espanha – a taxa do IRS para os rendimentos mais baixos está nos 14,5% e a mais elevada nos 48%.

O jornal Cinco Días fez as contas e concluiu que os contribuintes solteiros e sem filhos que ganhem 20 mil euros brutos recuperam 254 euros no próximo ano (passando a pagar 2450 euros de IRS, em vez dos actuais 2704 euros). Se em relação a este ano todos os contribuintes vêem a carga fiscal baixar, os rendimentos acima dos 25 mil euros vão continuar a pagar mais impostos do que no início da legislatura (2011). Só na segunda fase da reforma – em 2016 – é que a larga maioria vai sentir no bolso esta diferença face a 2011.

O desconforto que as medidas causaram à Comissão Europeia têm implícito o receio de que a credibilidade externa do país seja posta em causa, agora que terminou o programa de assistência à banca espanhola. Um receio que ficou igualmente plasmado numa análise publicada na última quinta-feira pela agência de rating Moody’s, a dar como necessária a apresentação de medidas que substituam o impacto orçamental da reforma, sob pena de Espanha não cumprir os objectivos para o défice em 2015 e 2016. Ao PÚBLICO, o economista Zsolt Darvas, do grupo de reflexão Bruegel, lembra que Espanha está numa situação diferente da de outros países da periferia da zona euro (nomeadamente em relação ao nível de dívida pública, que deverá este ano ultrapassar os 100% do PIB), considera a reforma “sensata” e diz mesmo que “não será um grande problema se [Espanha] demorar mais tempo a atingir o equilíbrio orçamental”.

Em 2015, segundo a Comissão Europeia, Espanha terá a economia a crescer 2,1%, o consumo privado a aumentar 1,6%, o investimento a crescer 4,1%, mas o desemprego nos 24% da população activa.

Como a história conta
No caso português, a questão orçamental não deverá ser ignorada, a avaliar por aquilo que o executivo diz no guião para a “reforma do Estado” em relação à descida dos impostos: a acontecer, não poderá pôr em causa a consolidação das contas públicas. Isto quando a receita dos impostos tem sido um motor determinante na execução orçamental.

É com cautela que o fiscalista português Rogério Fernandes Ferreira, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no último Governo de António Guterres, encara o impacto orçamental da reforma espanhola (segundo o El País, representam 9000 milhões de euros a menos nos cofres do Estado), embora reconheça que a reforma “possa criar em ambiente favorável à retoma económica, inclusivamente em Portugal”.

Portugal e Espanha “estão em situações diferentes”, previne, por seu lado, Teresa Gil Pinheiro, economista do departamento de estudos económicos e financeiros do BPI. São diferentes pela margem de manobra orçamental, pelo peso das economias (Espanha é a quarta maior do euro) e pelo contexto dos planos de assistência aos dois países e a percepção dos mercados. A diferença é palpável também quando se compara a receita: o montante que Espanha arrecadou só com o IRS em 2013 é mais do dobro de toda a receita fiscal portuguesa.

Os problemas económicos com que se defrontam, embora se cruzem, têm origens e dimensões diferentes. O rácio da dívida pública espanhola “consistiu sempre num montante significativamente inferior ao da dívida portuguesa. Além disso, Portugal está agora a finalizar um resgate financeiro que implicou muito mais que uma reestruturação e financiamento da banca”, enumera Fernandes Ferreira. Mesmo a “história orçamental” é diferente, acrescenta Teresa Gil Pinheiro. “Espanha tem uma história orçamental positiva e nós temos uma história menos favorável”. Antes da crise, de 2005 a 2007, as receitas do Estado espanhol superavam a despesa.

É neste contexto, em que os impostos assumem uma fatia de leão na execução orçamental, que o ex-secretário de Estado diz mesmo que “a eventual margem que Portugal possa ter para uma descida da tributação sobre o rendimento do trabalho nunca será antes de 2016”.

A ministra das Finanças já baixou as expectativas em relação à descida do IRS. Mas o despacho de nomeação da comissão de reforma tem uma subtileza: abre a porta a um “calendário faseado” de alterações. Até 15 de Julho terá de haver fumo branco da equipa liderada por Rui Duarte Morais.

As principais alterações da reforma fiscal espanhola

IRS baixa, entre críticas e dúvidas
É a principal bandeira da reforma do Governo de Mariano Rajoy, mas também aquela que mais controvérsia tem suscitado. Os escalões do imposto (IRPF, na sigla espanhola) passam de sete para cinco, havendo ainda uma alteração nas taxas. A descida é progressiva: começa em 2015 e acentua-se no ano seguinte.

O escalão mais baixo passa dos actuais 24,75% para 20% no próximo ano (e para 19% no ano seguinte), enquanto no patamar mais elevado a taxa passa de 52% para 47% (e para 45% em 2016). Há ainda um alívio da tributação sobre a poupança até aos 50 mil euros. Quem ganha até 12 mil euros anuais fica isento do imposto. Apesar da redução de algumas deduções fiscais noutras áreas da reforma fiscal, no IRS foram alargados os benefícios para as famílias numerosas (três ou mais filhos, havendo incentivos específicos para quem tem quatro-cinco ou mais filhos).

Menos incentivos para planos de pensões
As deduções à colecta dos valores aplicados nos planos de poupança reforma (PPR) baixam. É um dos cortes nos benefícios lançados pelo Governo para amortecer, em parte, a perda de receita fiscal por causa do desagravamento do IRS. O tecto para as deduções baixa para 8000 euros anuais, em vez de dez mil euros ou dos 12.500 para quem tem mais de 50 anos. A diferenciação pela idade do contribuinte também deixa de existir.

Alterações no IVA só para Bruxelas ver
O principal imposto sobre o consumo, o IVA, mantém-se inalterado em 21%. Os agravamentos cirúrgicos introduzidos visam acomodar as regras europeias e abrangem alguns produtos sanitários. Óculos, lentes de contacto, próteses, cadeiras de rodas ou canadianas ficam a salvo, continuando a ser taxadas a 10%, o escalão reduzido.

IRC baixa de forma gradual

Para as empresas, a reforma fiscal espanhola contempla uma descida do IRC já no próximo ano, com o imposto a baixar de 30% para 28%. Este foi o imposto onde a receita do Estado mais se ressentiu nos últimos anos. Em 2016, reduz-se para 25%. Para as Pequenas e Médias Empresas (PME), o imposto é de 20%, ficando-se pelos 15% para as empresas nos apoios ao empreendedorismo. À banca mantém-se a taxa nominal de 30%.

As principais alterações da reforma fiscal espanhola
PEDRO CRISÓSTOMO 29/06/2014 - PÚBLICO
IRS baixa entre críticas e dúvidas.

É a principal bandeira da reforma do Governo de Mariano Rajoy, mas também aquela que mais controvérsia tem suscitado. Os escalões do imposto (IRPF, na sigla espanhola) passam de sete para cinco, havendo ainda uma alteração nas taxas. A descida é progressiva: começa em 2015 e acentua-se no ano seguinte.

O escalão mais baixo passa dos actuais 24,75% para 20% no próximo ano (e para 19% no ano seguinte), enquanto no patamar mais elevado a taxa passa de 52% para 47% (e para 45% em 2016). Há ainda um alívio da tributação sobre a poupança até aos 50 mil euros. Quem ganha até 12 mil euros anuais fica isento do imposto sobre os rendimentos singulares.

Apesar da redução de algumas deduções fiscais noutras áreas da reforma fiscal, no IRS foram alargados os benefícios para as famílias numerosas (três ou mais filhos, havendo incentivos específicos para quem tem quatro-cinco ou mais filhos).

Menos incentivos para planos de pensões
As deduções à colecta dos valores aplicados nos planos de poupança reforma (PPR) baixam. É um dos cortes nos benefícios lançados pelo Governo para amortecer, em parte, a perda de receita fiscal por causa do desagravamento do IRS. O tecto para as deduções à colecta baixa para 8000 euros anuais, em vez de dez mil euros ou dos 12.500 euros para quem tem mais de 50 anos. Esta diferenciação pela idade do contribuinte também deixa de existir.

Alterações no IVA só para Bruxelas ver
O principal imposto sobre o consumo, o IVA, mantém-se inalterado em 21%. Os agravamentos cirúrgicos introduzidos visam acomodar as regras europeias e abrangem alguns produtos sanitários. Óculos, lentes de contacto, próteses, cadeiras de rodas ou canadianas ficam a salvo, continuando a ser taxadas a 10%, o escalão reduzido.

IRC baixa de forma gradual

Para as empresas, a reforma fiscal espanhola contempla uma descida do IRC já no próximo ano, com o imposto a baixar de 30% para 28%. Este foi o imposto onde a receita do Estado mais se ressentiu nos últimos anos. Em 2016, reduz-se para 25%. Para as Pequenas e Médias Empresas (PME), o imposto é de 20%, ficando-se pelos 15% para as empresas nos apoios ao empreendedorismo. À banca mantém-se a taxa nominal de 30%.

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