Opinião
O vácuo
Vasco Pulido Valente
21/06/2014 / PÚBLICO
Não nego as virtudes políticas de António Costa: a
inteligência, o equilíbrio, a serenidade. Sucede que também não vejo em Seguro
nenhum defeito que à primeira vista o impeça de chegar a primeiro-ministro. Não
conheço nem um, nem outro (até pensei, calculem, em votar em António Costa nas
legislativas). Não consigo agora descobrir a menor diferença entre o que eles
propõem para Portugal, caso ganhem em 2015. E não me admiro por isso que a
guerra civil do PS tenha degenerado numa questão pessoal, em que os socialistas
(e “simpatizantes”) decidem por puras razões de sentimento ou, pior, pela sua
história pregressa. No meio disto, só percebo que António Costa tem uma grande
vantagem sobre Seguro: “passa”, como se diz, muito melhor na televisão. Verdade
que a “Quadratura do Círculo” lhe deu a oportunidade para construir e afinar
uma “pose”, de que o público gosta.
Mas para mal do país, “passar bem” na televisão não se
aprende, como quem aprende a economia ou a andar de bicicleta – é um talento
inato, que de maneira geral não se explica, nem se compreende. O aspecto físico
conta, embora o “bonitinho” não leve longe; a voz conta, embora mais por
acréscimo do que decisivamente; a clareza e a moderação contam, embora muitos
demagogos façam um sucesso. Por mim, se fosse obrigado a escolher uma única
qualidade para o “político-na-televisão”, escolhia a confiança em si. Costa
fala com uma autoridade “natural”, não longe da autoridade de um
primeiro-ministro ou de um velho chefe de partido. Seguro, mesmo quando tenta
ser severo ou ameaçador, dá a ideia de quem debita um texto ensaiado, em que
não acredita muito: um espectador desprevenido fica com a sensação de que ele
treme, hesita e preferia estar sossegadamente no escritório. Ninguém, no fundo,
o ouve.
Já António Costa toma invariavelmente o tom de oráculo ou de
catedrático, no acto caridoso de ilustrar a ignorância ou de esclarecer a
confusão. Claro que uma análise cursiva ao que ele realmente nos serve basta
para constatar a inutilidade daquela conversa. Costa pega nas grandes panaceias
da esquerda (negociar com a “Europa”, como se a “Europa” admitisse negociar
connosco; e promover o “crescimento”, como se o “crescimento” não precisasse
mais do que um governo dele) e transforma este pacote de vulgaridades numa
mensagem infalível e salvífica. O que não incomodaria os portugueses, se não
fosse a total incapacidade de Seguro para lhe responder com uma oratória do
género. Assim o que a guerra do PS mostra é um vácuo geral.
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