OPINIÃO
O que sobrará de Portugal?
M. FÁTIMA
BONIFÁCIO 23/06/2014 - PÚBLICO
A situação portuguesa está completamente bloqueada.
Um simples
relance pelas últimas votações do Tribunal Constitucional mostra, como já tem
sido sublinhado, que as divisões de opinião entre os magistrados que se sentam
nesse augusto órgão de soberania não obedecem a puras divisões partidárias.
Isto sugere uma
saudável independência dos eleitos em relação aos partidos que lhes concederam
os sufrágios necessários para que lá chegassem, em particular no que se refere
aos magistrados indicados pela Direita. Verifica-se, com efeito, uma
indisfarçável consonância entre os pronunciamentos do Tribunal e a opinião
geral da Esquerda, respaldada, neste particular, pela opinião do homem comum,
compreensivelmente empenhado em defender o seu rendimento, venha o dinheiro lá
de onde vier.
Esta indiferença
pela existência ou não existência de dinheiro, questão que se reputa subalterna
perante a preeminência indiscutível dos "Direitos Adquiridos" – ou
simplesmente "Direitos" – ; indiferença que deixa perplexo o cidadão
minimamente permeável à realidade, ocupa um lugar cada vez mais saliente no
discurso da Esquerda, incluindo a do arco da governação, e conduziria, levada
às suas últimas consequências lógicas, à recusa de pagar a dívida, que tantos
lunáticos e até alguma boa gente reclamam.
Existe, pois, em
Portugal um amplo e fundo consenso quanto à prevalência dos nossos direitos
sobre os nossos deveres e os nossos meios, um pequeno problema que no entender
de alguns se resolverá facilmente fazendo voz grossa na Europa. Nem a
deplorável experiência do sr. Hollande levou os socialistas portugueses a
compreender que as relações entre Estados se regem pela força dos interesses, e
não por solidariedades afectivas ou sequer ideológicas. A parte mais
substancial do "programa" de Antonio Costa para reerguer o país
depende inteiramente da benevolência europeia, o que só pode inspirar a mais
funda preocupação.
O Tribunal
Constitucional, ao chumbar reiteradamente (ainda que com uma ou outra
incoerência) medidas aprovadas pelo governo e julgadas contrárias à Lei
Fundamental, beneficia pois de um larga audiência no país, na exacta medida em
que o governo incorre na fúria da Esquerda e até em boa parte da opinião
partidariamente desalinhada. Não será demasiado grosseiro dizer-se que os
portugueses, de um modo geral, se revêem no Tribunal Constitucional. Mas não
maioritariamente por escrúpulo jurídico, antes pelo prosaico e palpável motivo
de que o Tribunal constitui uma peça integrante do regime, que até por mera
intuição toda a gente percebe que protege as dimensões mais conservadoras da
nossa Constituição. O tribunal, ao zelar – e bem – pelo cumprimento da Lei
Fundamental, zela, do mesmo passo, pela conservação de toda a
"tralha" socialista que nela se contém e que, como escreveu Henrique
Raposo, impede a Direita de governar, como tem demonstrado a experiência em
curso.
Não obstante, mau
grado todos os inconvenientes resultantes dos sucessivos chumbos do TC, a
verdade é que o Tribunal não se pode eximir a desempenhar as funções para que
foi criado, e ao governo não resta outra solução que não seja, mesmo com muita
azia, cumprir pronta e rigorosamente os acórdãos que quase sempre mais não
fazem do que condenar medidas que em muitos casos se sabia antecipadamente
serem inconstitucionais. A Lei é para respeitar, por dura ou incómoda que seja.
Senão, quem amanhã vai punir o assaltante da minha casa?
De nada servindo
protestar contra o Constitucional, parece que apenas restar a solução de
reformular as suas competências - no âmbito de uma revisão constitucional que
produza um texto em que a generalidade dos portugueses se possa finalmente
rever e com que todas as forças políticas possam governar.
Seria óptimo mas
não é possível. O PS está e estará proibido, pelas suas várias facções
esquerdistas, de se entender com o Centro-Direita para beliscar uma
Constituição que santifica o Socialismo como o Destino Superior de Portugal. O
PS quer a todo o custo preservar o chamado Modelo Social Europeu introduzido a
partir de 1976, quando, passados mais de 30 anos, o mundo está irreconhecível,
esse mesmo modelo sofre em diversos países reformas que o vão desfigurando, e
as populações da maior parte do planeta estão já engalfinhadas numa competição
global sem tréguas, incompatível com as disposições que regulavam um mundo relativamente
pacato e previsível.
Enquanto o PS se
mantiver amarrado ao seu pólo radical, bloqueará toda a reforma constitucional
que possa abrir caminho a uma governação mais consentânea com as exigências – e
oportunidades – do mundo contemporâneo. A situação portuguesa está
completamente bloqueada. Que fazer? Nada. Continuar a empobrecer enquanto
esperamos resignadamente que a Europa se condoa... ou que os partidos se
desagreguem e o regime chegue ao fim. Veremos o que
então sobra de Portugal .
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