OPINIÃO
Economia e instituições:
processos eleitorais, líderes e programas
PAULO TRIGO PEREIRA
08/06/2014 - PÚBLICO
Faria sentido antecipar as eleições para início da primavera de 2015 dado o
ciclo orçamental. As eleições e um novo governo não resolverão, contudo, o
problema subjacente ao conflito entre constitucional e qualquer governo, e que perdurará
até 2018
1. À medida que a
poeira vai assentando podemos compreender melhor os resultados eleitorais da
União Europeia. No essencial os partidos que estão, ou têm estado, na
governação nos últimos anos, diminuíram a sua base social de apoio e os partidos
mais extremistas à esquerda e à direita, ou os novos partidos, onde quer que se
posicionem ideologicamente aparecem como vencedores.
Este padrão de
voto, aliado à elevada taxa de abstenção, mostra uma coisa simples, um número
crescente de pessoas descontentes com o funcionamento da democracia europeia e
nacional. É sabido, de estudos empíricos, que a satisfação com a qualidade da
democracia está relacionada com a qualidade das suas instituições e também, com
o seu desempenho, nomeadamente económico. Estivesse a Europa a crescer a 2% em
termos reais e com um desemprego baixo (7%) e os resultados teriam sido
totalmente diferentes. Mas não está. É essencial que até 2019, data das
próximas eleições, haja uma melhoria das instituições, e sobretudo da performance
económica da União. Caso contrário, a manter-se a crise e o crescimento
anémico, o projeto Europeu desagrega-se. Os cidadãos querem estabilidade,
trabalho, uma vida digna e uma sociedade justa. E é isto que vários países da
União não dão, porque tem de haver também solução global para problemas locais.
2. As prioridades
europeias devem ser a construção de uma cidadania europeia, o relançamento do
crescimento e emprego, aprofundamento da união bancária, renegociação das
dívidas soberanas excessivas, e continuação do caminho da integração política.
Este caminho, caso exista, não vai ser linear nem a 28. Como qualquer clube
demasiado heterogéneo, a União não avança pois o compromisso possível, entre
uns que querem avançar e outros que querem recuar é ficar no mesmo sítio, mas a
inação significaria a incapacidade de responder à crise e a desestruturação da
União após 2019. Entretanto obviamente que vai haver acidentes de percurso. Um
sinal do bloqueio ou avanço da União estará na escolha do Presidente da Comissão.
É sabido que ele não é eleito pelo Parlamento Europeu, mas não só pode ser
vetado pelo PE, como toda a campanha foi, e bem, conduzida com a apresentação
dos candidatos das várias famílias políticas. Quem ganhou as eleições foi o PPE
e o seu candidato, Jean Claude Juncker, é o natural candidato a Presidente.
Cameron, já ameaçou que se Juncker avançar o Reino Unido poderá sair da união.
Cameron ainda não percebeu que não ganhou as eleições e que os votos do Partido
da Independência britânico (UKIP) não fortalecem mas enfraquecem a posição do
seu país no seio da União. É possível que desta vez Cameron ganhe e evite
Juncker (Matteo Renzi também não é entusiasta de Juncker por razões
diferentes), mas não haverá avanço de integração política e orçamental da União,
nomeadamente com um maior peso do Orçamento da EU que assuma as funções
estabilização e redistribuição, com o Reino Unido a bloquear. O dilema da EU
está entre reforçar a vertente federalista, com menos membros (área euro?), ou
estagnar num compromisso a 28 o que só pode significar decadência da EU e
reforço do Estado nação (para júbilo dos nacionalistas).
3.
Paradoxalmente, enquanto o lento processo decisório dos políticos europeus se
arrasta, é mais uma vez Mario Draghi, - oficialmente tecnocrata, mas o mais
eficaz “político” europeu - que tenta puxar pela economia europeia. Ele sabe,
como nós sabemos, que os juros do novo crédito às empresas em Portugal e na
Grécia ronda os 5,5%, na Itália, Espanha e Irlanda os 3,5% e na Alemanha e na
França apenas 2%. Com diferenciais desta natureza, não há crescimento económico
dos periféricos que resista e seja sustentável. Por isso, lançou esta semana um
importante pacote de medidas direcionadas a combater a deflação, a promover o
crédito às empresas não financeiras (excluindo o imobiliário) e a enfraquecer o
euro relativamente a outras divisas, deste modo favorecendo as exportações e
dificultando as importações de países não euro. Draghi parece ser, neste
momento, o único “político” eficaz e que percebe o que a Europa precisa no
campo económico. Mas não pode fazer tudo. Há coisas que os políticos europeus
têm de fazer, mas para isso é necessário Políticos (com maiúscula), algo que
escasseia na UE.
4. Parece, porém,
que temos um num país grande, a Itália. Matteo Renzi, é motivo de esperança no
quadro europeu, e recebeu nestas eleições a legitimidade democrática nacional
que lhe faltava. Já a havia conquistado na província de Florença, onde assumiu
a presidência, e no partido democrático onde ganhara as eleições primárias.
Tinha, contudo, a limitação de se ter tornado primeiro-ministro sem ter ido a
votos. Do centro-esquerda, moderado, reformador, católico, Renzi teve uma
ascensão rápida num processo de escolha através de primárias com um programa de
modernização de Itália. Em 2012, Pier Luigi Bersani, então líder do Partido
Democrático (PD), avança com uma coligação “Itália. Bem Comum”, que além do PD
integrava o Partido Socialista italiano, o Esquerda Ecologia e Liberdade e o
Centro Democrático. A coligação tinha um programa para as eleições de 2013 e
tratava-se de escolher o candidato a primeiro ministro caso vencesse as
eleições. Na primeira volta com 5 candidatos, votam 3,1 milhões de italianos,
Bersani ganha com 44,9% dos votos seguido de Renzi com 35,5%. É assim
necessária uma segunda volta entre ambos e Bersani ganha novamente com 60,9%
dos votos. Um ano depois Renzi, numas primárias, agora do Partido Democrático,
foi eleito e destituiu Bersani, tornando-se, após a entrada em cena do
movimento cinco estrelas de Beppe Grillo, primeiro- ministro no início de 2014.
O que a experiência de Itália e França mostram, é que a abertura de um partido
à sociedade através de primárias abertas a não militantes partidários, é um
importante passo na renovação da democracia. Sendo uma condição importante a
par de outras (sistema eleitoral com voto personalizado), não é porém
suficiente. Os líderes eleitos têm de assentar em programas fortes e credíveis.
Aquilo que falhou completamente a François Hollande, e que diagnosticámos aqui
no Publico antes mesmo de ser eleito, foi perceber o que era a gestão
orçamental no quadro das actuais regras do euro.
5. Foi Rui
Tavares quem mais trouxe a debate a questão das primárias abertas a não
militantes e passou da teoria à prática através da experiência pioneira do
LIVRE. O seu relativo sucesso eleitoral parece-me dever-se, para além das suas
características pessoais, à relevância dada às instituições que podem renovar a
forma de fazer política e o colocar-se numa perspetiva de governação alargada à
esquerda, e não apenas de anti-poder. O seu principal problema de futuro é que
há na realidade duas esquerdas, uma que quer o euro e o aprofundamento da
integração europeia e outra que quer sair do euro. O fenómeno Marinho e Pinto e
o MPT, as abstenções e os votos nulos são também uma indicação de que há muitas
portuguesas e portugueses que já não acreditam na forma tradicional de fazer
política e nas suas instituições. Sobretudo custa-lhes a acreditar que aqueles
que tiveram responsabilidades na situação económica actual (obviamente agravada
pela crise internacional) e no bloqueio do sistema político possam ser os
regeneradores desse mesmo sistema. Sempre considerei que a reforma do sistema
político português, e dos grandes partidos, a existir, só por choque externo. E
ele aí está, servido ainda de forma ligeira. Será que desta vez os partidos do
“arco do poder” percebem a mensagem dos eleitores e são consequentes com esse
entendimento?
6. Os recentes
eventos do partido socialista, mostram um partido dividido, ainda sem programa
claro e credível, a apresentar nas próximas eleições legislativas. A
responsabilidade é, em parte de António José Seguro, que não soube construir
essa alternativa e também de António Costa e seus apoiantes que se exilaram internamente
e em nada contribuíram para esse programa. As anunciadas primárias para seleção
do candidato a primeiro-ministro pelo PS (e consequentemente a secretário geral
dadas as implicações desta eleição) são bem-vindas, mas tanto poderão ser um
momento de clarificação e reforço da unidade do PS como de fragmentação. Se o
processo for claro, transparente, justo e sem manipulação de sindicatos de
voto, dará legitimidade ao candidato a primeiro-ministro. Se houver
“chapeladas” será mais um factor de divisão. Aquilo que é importante é que os
candidatos se apresentem com programas para o PS e para o País, pois acabou o
tempo do experimentalismo. Nesses programas deveriam estar claras as
prioridades de políticas públicas, e de reforma institucional. Aqui reputo da
maior relevância a reforma do sistema eleitoral no sentido da personalização do
voto. Não tenho objeções a alguma diminuição do número de deputados, mas
discordo da redução para o mínimo (180), cujo objetivo hoje, só pode ser o de
eliminar os pequenos partidos (emergentes ou existentes, incluindo o CDS).
Professor do ISEG
e presidente do Instituto de políticas públicas (ppereira@iseg.utl.pt)
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