sábado, 7 de junho de 2014

Economia e instituições: processos eleitorais, líderes e programas


OPINIÃO
Economia e instituições: processos eleitorais, líderes e programas
PAULO TRIGO PEREIRA 08/06/2014 - PÚBLICO
Faria sentido antecipar as eleições para início da primavera de 2015 dado o ciclo orçamental. As eleições e um novo governo não resolverão, contudo, o problema subjacente ao conflito entre constitucional e qualquer governo, e que perdurará até 2018

1. À medida que a poeira vai assentando podemos compreender melhor os resultados eleitorais da União Europeia. No essencial os partidos que estão, ou têm estado, na governação nos últimos anos, diminuíram a sua base social de apoio e os partidos mais extremistas à esquerda e à direita, ou os novos partidos, onde quer que se posicionem ideologicamente aparecem como vencedores.

Este padrão de voto, aliado à elevada taxa de abstenção, mostra uma coisa simples, um número crescente de pessoas descontentes com o funcionamento da democracia europeia e nacional. É sabido, de estudos empíricos, que a satisfação com a qualidade da democracia está relacionada com a qualidade das suas instituições e também, com o seu desempenho, nomeadamente económico. Estivesse a Europa a crescer a 2% em termos reais e com um desemprego baixo (7%) e os resultados teriam sido totalmente diferentes. Mas não está. É essencial que até 2019, data das próximas eleições, haja uma melhoria das instituições, e sobretudo da performance económica da União. Caso contrário, a manter-se a crise e o crescimento anémico, o projeto Europeu desagrega-se. Os cidadãos querem estabilidade, trabalho, uma vida digna e uma sociedade justa. E é isto que vários países da União não dão, porque tem de haver também solução global para problemas locais.

2. As prioridades europeias devem ser a construção de uma cidadania europeia, o relançamento do crescimento e emprego, aprofundamento da união bancária, renegociação das dívidas soberanas excessivas, e continuação do caminho da integração política. Este caminho, caso exista, não vai ser linear nem a 28. Como qualquer clube demasiado heterogéneo, a União não avança pois o compromisso possível, entre uns que querem avançar e outros que querem recuar é ficar no mesmo sítio, mas a inação significaria a incapacidade de responder à crise e a desestruturação da União após 2019. Entretanto obviamente que vai haver acidentes de percurso. Um sinal do bloqueio ou avanço da União estará na escolha do Presidente da Comissão. É sabido que ele não é eleito pelo Parlamento Europeu, mas não só pode ser vetado pelo PE, como toda a campanha foi, e bem, conduzida com a apresentação dos candidatos das várias famílias políticas. Quem ganhou as eleições foi o PPE e o seu candidato, Jean Claude Juncker, é o natural candidato a Presidente. Cameron, já ameaçou que se Juncker avançar o Reino Unido poderá sair da união. Cameron ainda não percebeu que não ganhou as eleições e que os votos do Partido da Independência britânico (UKIP) não fortalecem mas enfraquecem a posição do seu país no seio da União. É possível que desta vez Cameron ganhe e evite Juncker (Matteo Renzi também não é entusiasta de Juncker por razões diferentes), mas não haverá avanço de integração política e orçamental da União, nomeadamente com um maior peso do Orçamento da EU que assuma as funções estabilização e redistribuição, com o Reino Unido a bloquear. O dilema da EU está entre reforçar a vertente federalista, com menos membros (área euro?), ou estagnar num compromisso a 28 o que só pode significar decadência da EU e reforço do Estado nação (para júbilo dos nacionalistas).

3. Paradoxalmente, enquanto o lento processo decisório dos políticos europeus se arrasta, é mais uma vez Mario Draghi, - oficialmente tecnocrata, mas o mais eficaz “político” europeu - que tenta puxar pela economia europeia. Ele sabe, como nós sabemos, que os juros do novo crédito às empresas em Portugal e na Grécia ronda os 5,5%, na Itália, Espanha e Irlanda os 3,5% e na Alemanha e na França apenas 2%. Com diferenciais desta natureza, não há crescimento económico dos periféricos que resista e seja sustentável. Por isso, lançou esta semana um importante pacote de medidas direcionadas a combater a deflação, a promover o crédito às empresas não financeiras (excluindo o imobiliário) e a enfraquecer o euro relativamente a outras divisas, deste modo favorecendo as exportações e dificultando as importações de países não euro. Draghi parece ser, neste momento, o único “político” eficaz e que percebe o que a Europa precisa no campo económico. Mas não pode fazer tudo. Há coisas que os políticos europeus têm de fazer, mas para isso é necessário Políticos (com maiúscula), algo que escasseia na UE.

4. Parece, porém, que temos um num país grande, a Itália. Matteo Renzi, é motivo de esperança no quadro europeu, e recebeu nestas eleições a legitimidade democrática nacional que lhe faltava. Já a havia conquistado na província de Florença, onde assumiu a presidência, e no partido democrático onde ganhara as eleições primárias. Tinha, contudo, a limitação de se ter tornado primeiro-ministro sem ter ido a votos. Do centro-esquerda, moderado, reformador, católico, Renzi teve uma ascensão rápida num processo de escolha através de primárias com um programa de modernização de Itália. Em 2012, Pier Luigi Bersani, então líder do Partido Democrático (PD), avança com uma coligação “Itália. Bem Comum”, que além do PD integrava o Partido Socialista italiano, o Esquerda Ecologia e Liberdade e o Centro Democrático. A coligação tinha um programa para as eleições de 2013 e tratava-se de escolher o candidato a primeiro ministro caso vencesse as eleições. Na primeira volta com 5 candidatos, votam 3,1 milhões de italianos, Bersani ganha com 44,9% dos votos seguido de Renzi com 35,5%. É assim necessária uma segunda volta entre ambos e Bersani ganha novamente com 60,9% dos votos. Um ano depois Renzi, numas primárias, agora do Partido Democrático, foi eleito e destituiu Bersani, tornando-se, após a entrada em cena do movimento cinco estrelas de Beppe Grillo, primeiro- ministro no início de 2014. O que a experiência de Itália e França mostram, é que a abertura de um partido à sociedade através de primárias abertas a não militantes partidários, é um importante passo na renovação da democracia. Sendo uma condição importante a par de outras (sistema eleitoral com voto personalizado), não é porém suficiente. Os líderes eleitos têm de assentar em programas fortes e credíveis. Aquilo que falhou completamente a François Hollande, e que diagnosticámos aqui no Publico antes mesmo de ser eleito, foi perceber o que era a gestão orçamental no quadro das actuais regras do euro.

5. Foi Rui Tavares quem mais trouxe a debate a questão das primárias abertas a não militantes e passou da teoria à prática através da experiência pioneira do LIVRE. O seu relativo sucesso eleitoral parece-me dever-se, para além das suas características pessoais, à relevância dada às instituições que podem renovar a forma de fazer política e o colocar-se numa perspetiva de governação alargada à esquerda, e não apenas de anti-poder. O seu principal problema de futuro é que há na realidade duas esquerdas, uma que quer o euro e o aprofundamento da integração europeia e outra que quer sair do euro. O fenómeno Marinho e Pinto e o MPT, as abstenções e os votos nulos são também uma indicação de que há muitas portuguesas e portugueses que já não acreditam na forma tradicional de fazer política e nas suas instituições. Sobretudo custa-lhes a acreditar que aqueles que tiveram responsabilidades na situação económica actual (obviamente agravada pela crise internacional) e no bloqueio do sistema político possam ser os regeneradores desse mesmo sistema. Sempre considerei que a reforma do sistema político português, e dos grandes partidos, a existir, só por choque externo. E ele aí está, servido ainda de forma ligeira. Será que desta vez os partidos do “arco do poder” percebem a mensagem dos eleitores e são consequentes com esse entendimento?

6. Os recentes eventos do partido socialista, mostram um partido dividido, ainda sem programa claro e credível, a apresentar nas próximas eleições legislativas. A responsabilidade é, em parte de António José Seguro, que não soube construir essa alternativa e também de António Costa e seus apoiantes que se exilaram internamente e em nada contribuíram para esse programa. As anunciadas primárias para seleção do candidato a primeiro-ministro pelo PS (e consequentemente a secretário geral dadas as implicações desta eleição) são bem-vindas, mas tanto poderão ser um momento de clarificação e reforço da unidade do PS como de fragmentação. Se o processo for claro, transparente, justo e sem manipulação de sindicatos de voto, dará legitimidade ao candidato a primeiro-ministro. Se houver “chapeladas” será mais um factor de divisão. Aquilo que é importante é que os candidatos se apresentem com programas para o PS e para o País, pois acabou o tempo do experimentalismo. Nesses programas deveriam estar claras as prioridades de políticas públicas, e de reforma institucional. Aqui reputo da maior relevância a reforma do sistema eleitoral no sentido da personalização do voto. Não tenho objeções a alguma diminuição do número de deputados, mas discordo da redução para o mínimo (180), cujo objetivo hoje, só pode ser o de eliminar os pequenos partidos (emergentes ou existentes, incluindo o CDS).

7. A situação política actual está complicada pela crescente tensão entre o governo e o tribunal constitucional. O Presidente da República já clarificou que não irá dissolver a Assembleia da República, mas nada impedirá que o governo se demita devido a um chumbo adicional do constitucional às medidas sobre pensões. Seria uma manobra com consequências nefastas nos mercados, e moralmente criticável quando o principal partido da oposição vive um momento de clarificação interna. Faria, porém, sentido antecipar as eleições para início da primavera de 2015 dado o ciclo orçamental. As eleições e um novo governo não resolverão, contudo, o problema subjacente ao conflito entre constitucional e qualquer governo, e que perdurará até 2018, ano até ao qual é necessário ou cortar na despesa ou subir impostos (se os juros não descerem). O governo criou as condições para a sua própria derrota ao reduzir para nível muito baixo - 675 euros brutos - o limiar a partir dos quais aceita fazer cortes na função pública e neste sentido concordo com apreciação de inconstitucionalidade. Mas não subscrevo a argumentação por razões que serão explanadas posteriormente. O tribunal concentra-se no período do PAEF, e não parece compreender que o pior da crise das finanças públicas em Portugal durará decerto até 2018.


Professor do ISEG e presidente do Instituto de políticas públicas (ppereira@iseg.utl.pt)

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