Um espanta-espíritos à porta do
n.º 195 da Avenida da Liberdade
Passos Coelho recusou tratar o BES com a reverência com que anteriores
governos trataram o banco
Pedro Sousa
Carvalho / Contas da semana / 27 jun
2014 / PÚBLICO
Carlos Costa terá
sido visto a pendurar um espanta-espíritos à porta da sede do BES na Avenida da
Liberdade para que nenhum Espírito Santo pudesse entrar no banco. Mas não há
maneira de os arredar do poder. Ricardo Salgado e o primo José Maria Ricciardi
continuam numa guerra pelo poder. Ambos já perderam a guerra. Agora é só uma
questão de saber se saem com mais ou menos dignidade.
Não é de hoje que
o banco e o grupo Espírito Santo são notícia nos jornais e nem sempre pelas
melhores razões: Operação Furacão, Face Oculta, os sobreiros da Portucale, as
contrapartidas da compra de submarinos, a Escom, ... pausa para respirar.
Mensalão, Monte Branco, o alegado desaparecimento no BES Angola de cerca de
cinco mil milhões de euros e, mais recentemente, a notícia de que as contas da
holding familiar teriam sido maquilhadas. Isto, para além do facto de Salgado
ter sido obrigado a corrigir a sua declaração de rendimentos, várias vezes, e
de alegadamente ter recebido uma comissão de 8,5 milhões de euros do construtor
José Guilherme por apoio aos negócios deste em Angola.
Durante anos, o
grupo lá foi disfarçando o que havia para disfarçar. Os dividendos que o banco
ia gerando garantiam que nada faltava aos 300 elementos da família. O banco e a
família Espírito Santo não tinham uma protecção divina, mas alguma protecção
teriam. E começaram a perdêla quando Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque
recusaram tratar o banco com a reverência com que anteriores governos o
trataram. Adjudicaram a privatização da EDP à consultora Perella, apesar dos
protestos do BES. E recusaram que a Caixa liderasse um consórcio bancário para
emprestar 2,5 mil milhões de euros às holdings da família. O Governo esteve
bem, mas não foi Passos quem tramou a família. Passos limitou-se a não fazer
aquilo que o Governo de Sócrates permitiu que se fizesse na altura da guerra no
BCP, ou seja, que a CGD fosse usada para financiar a compra de votos numa
guerra de poder num banco.
Quem tramou Ricardo
Salgado foram os amigos e os primos. Salgado comprou uma guerra com Pedro
Queiroz Pereira, quando o banco apoiou a irmã numa disputa familiar pelo
controlo da Semapa. Muito do que se sabe hoje do BES sabese porque Queiroz
Pereira quis que se soubesse. Mas o presidente da Portucel não é o único amigo
que deixou de ser amigo. A escolha de Álvaro Sobrinho para liderar o BES Angola
também foi um tiro no pé. O Expresso noticiou que “desapareceram” 5,7 mil
milhões de dólares do BESA durante a gestão de Sobrinho. Percebe-se que uma
moeda de um euro possa desaparecer, se o bolso das calças estiver roto. Para
desaparecerem 5,7 mil milhões é preciso ter um grande buraco nas calças. Álvaro
Sobrinho incompatibilizou-se com Salgado e muito do que se sabe hoje sobre o
BES sabe-se porque Sobrinho, que entretanto investiu na comunicação social em
Portugal, quis que se soubesse. Ricardo Salgado foi ficando cada vez mais
isolado e José Maria Ricciardi achou que tinha chegado a hora de ocupar a
cadeira do primo e começou uma guerra dentro da própria família. Muito do que
sabe hoje sobre o BES sabe-se porque Ricciardi quis que se soubesse.
Neste processo é
preciso realçar o papel do governador do Banco de Portugal, que até agora tem
gerido a crise no banco com pinças, para não provocar um pânico desnecessário
num sector sensível, mas com a firmeza necessária ao ponto de obrigar que todos
os membros com o apelido Espírito Santo ficassem fora da gestão executiva do
banco. Só que ainda continuam muitas pontas soltas.
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