OPINIÃO
Uma fraude
VASCO PULIDO
VALENTE 28/06/2014 / PÚBLICO
Começou tudo mal.
António José Seguro não percebeu que, depois da condenação e da “candidatura”
de António Costa, nunca mais voltaria a readquirir qualquer espécie de
autoridade sobre o partido. António Costa não percebeu que tão perto das
legislativas nunca teria força e espaço para tornar o PS num partido
maioritário, capaz de se impor à direita por muito que ela se dividisse ou
diminuísse. Como as coisas correram, os dois estão condenados, quer venham a
perder ou a ganhar a sórdida zaragata interna em que se meteram. E deram os
dois prova da sua radical indiferença pela fragilidade da República. Pensaram
só, e mal, que o CDS e o PSD lhes davam a oportunidade para tomar conta da
política portuguesa.
Seguro, é
verdade, podia resolver o caso, saindo imediatamente de secretário-geral e
convocando um congresso. Preferiu resistir palmo a palmo ao que ele considerava
uma imerecida ofensa pessoal e inventou a absurda manobra das “primárias”, com
a desculpa de que se fazia em França (a designação de Hollande para presidente
foi o meritório resultado). Costa, sem maneira de se opor a este delírio,
acabou por aceitar e hoje, entrincheirado em disputas processuais, vê a
intervenção, que ele supunha salvífica, perder o seu peso e o seu sentido
original. O cidadão comum, mesmo o cidadão interessado, não compreende esta
história esotérica, que se passa ao lado da sua miséria e que tanto interessa
os facciosos das duas partes, agora engolfados numa querela ociosa.
Pior ainda: as
“primárias” são inconciliáveis com a política portuguesa, em que a “classe
operária”, apesar do esforço do PC, não produziu uma cultura autónoma e as
diferenças das três seitas do “arco governativo” mal se distinguem. Interrompendo
as tradições políticas do século XIX, a Ditadura impediu que se formassem e
consolidassem as grandes correntes que dominaram a sociedade moderna: o
obreirismo, o sindicalismo, o socialismo, o anticlericalismo, o
conservadorismo. Em 2014, há talvez um pequeno número de “famílias católicas”.
Mas não há famílias socialistas, ou CDS ou PSD. O eleitorado, como geralmente se
reconhece, flutua em grosso com os chefes de partido e o rendimento disponível.
Costa e Seguro insistem que os participantes declarem a sua “concordância com a
Declaração de Princípios” do PS. De que serve isto e que raio de confiança
inspira, quando o próprio PS (como, de resto, o CDS e o PSD) é o primeiro a não
os respeitar? Que nova fraude nos querem impingir?
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