“Há
promessas de que muitos reformados do Norte da Europa se instalem, usufruindo
da docilidade natural local, anestesiada pela crise e pela confirmação de
dependência e inferioridade.”
António Sérgio
Rosa de Carvalho / “O Bezerro de Ouro” / PÚBLICO- 22/05/2014 - http://www.publico.pt/economia/noticia/o-bezerro-de-ouro-1636868
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Beneficíos fiscais
Portugal: o eldorado fiscal
para... estrangeiros
Reformados e profissionais de alto valor estão a fixar residência em
Portugal, beneficiando de isenções e reduções nas taxas de IRS. Há outros
países europeus a fazer o mesmo. Descubra quais
Alexandra Correia
e Clara Teixeira (texto publicado na VISÃO 1108, de 29 de maio)
Sexta
feira, 6 de Junho de 2014
Antes de agosto
do ano passado, Portugal não era um lugar de afetos para o casal Pouplier. Mas
Joëlle, 62 anos, e Dominique, 65 anos, sentiam-se como se já conhecessem o
nosso país, de tanto ouvir falar dele.
A nora
franco-portuguesa, com raízes em Chaves, descrevera-lhes, quase idilicamente,
um lugar onde a vida decorria tranquila e em segurança. Uma espécie de reverso
de França, com o seu alto custo de vida e os seus impostos quase
confiscatórios. Quiseram experimentar.
Escolheram a zona
Oeste, atraídos pelo mar, pelo golfe e pelo clima ameno. Puseram à venda a casa
de família, no Loiret, uma centena de quilómetros a sul de Paris, e adquiriram
uma propriedade com 2 500 metros quadrados, nas Caldas da Rainha. Mudaram-se no
último verão e deitaram mãos à obra. O próximo projeto é o restauro de um
moinho antigo, de que também são donos.
O estatuto de
residente não habitual, conseguido depois da chegada, trouxe a cereja em cima
do bolo. Com pensões de reforma "à francesa" - ele era funcionário da
polícia e ela quadro superior, no departamento de assuntos regulatórios da
Johnson & Johnson - sobre as quais incidia, no país de origem, uma alta
taxa de imposto, pagam em Portugal... zero de IRS. E o custo de vida "é
bastante inferior", confirma Joëlle, cuja reforma mensal lhe chega intacta
de França. Já a de Dominique, ex-funcionário público, continua a ser taxada lá,
na medida em que a isenção só se aplica às pensões do setor privado.
Agora, viajam
para França quando as saudades dos filhos e netos apertam, mas preferem o
Algarve ao Sul de França para fazer férias. "Já não aguentávamos mais
certas coisas lá", diz Dominique, lamentando a insegurança e uma certa
balbúrdia que caracterizam a Cote d'Azur no verão.
O regime fiscal
dos residentes não habituais foi publicado em 2009, mas só no final de 2012 se
limaram arestas burocráticas que estavam a colocar entraves à aplicação da lei.
Por essa razão é que 2013 foi o ano da grande explosão de pedidos de isenção ou
de redução das taxas de IRS. O ano passado, as finanças registaram 1 078 novos
pedidos de inscrição, o que representa um aumento de 98% face aos anos
anteriores. Este ano, a média tem sido de dois por dia. Holandeses, franceses e
suíços encabeçam a lista.
Em linhas gerais,
o estatuto permite que os reformados que recebam a pensão noutro país tenham
isenção de IRS durante 10 anos. Por outro lado, os profissionais de valor
acrescentado (como engenheiros ou investigadores) que venham trabalhar para
Portugal beneficiam de uma taxa fixa de 20% de IRS, pelo mesmo período (ver
caixa O que diz a lei).
Portugal tenta,
assim, atrair pessoas com algum poder de compra. Estes residentes não habituais
podem estar a usufruir de um "paraíso fiscal", em matéria de IRS, mas
consomem e compram casa, dinamizando o mercado imobiliário e pagando os
respetivos impostos.
Uma 'terceira
vida'
Bony e Joëlle
Bertrand, ambos com 65 anos, instalaram-se na zona de Óbidos. Deixaram com um
dos filhos a sua casa na região parisiense e rumaram a Portugal, em outubro de
2013. Nunca antes tinham cá estado. "Em França, não se ouve falar de
Portugal; mas ouve-se falar dos portugueses por causa dos trabalhadores que lá
estão", comenta Bony.
Então porquê
Portugal para viver a "terceira vida", como lhe chama o casal? "Porque
é Europa e por causa da reputação das suas gentes. Dizem que o povo é
gentil", respondem. Aterraram em Lisboa e não aconteceu amor à primeira
vista. Foram duas vezes ao Porto, marcharam até ao Algarve, voltaram a Lisboa,
ainda indecisos. À segunda visita, apaixonaram-se pela capital e fixaram-se
perto, em Óbidos. Só depois descobriram a isenção fiscal de que beneficia a
pensão de Bony.
Embora ainda
trabalhe uma semana por mês (Bony tem uma empresa, em França, na área da
reciclagem), o facto de ter residência fiscal em Portugal permite-lhe não pagar
IRS, durante 10 anos, sobre a sua reforma. O dinheiro rende mais por cá. Também
pelo custo de vida, que o casal estima ser 40% inferior ao francês. Aqui, tomam
um café numa esplanada em frente do mar por 80 cêntimos; em Paris, pagam €2,5
pelo café, se se quiserem sentar numa mesa.
Já para não falar
no preço da habitação da capital francesa, que começa nos 6 mil euros o metro
quadrado (em Lisboa, o valor médio estava em €1 522/m2, em 2013). Bony e Joëlle
estão a construir uma vivenda de cinco quartos. Querem receber, na sua
"terceira vida", muitas visitas dos filhos e dos amigos.
Marc Cattiaux, 68
anos, também escolheu Portugal para viver. Casado com uma portuguesa, gostou
dos meses "à experiência" e vai pedir o estatuto de residente não
habitual. Em Portugal, ele e a mulher vivem desafogadamente com a pensão mensal
de 3 500 euros que recebe em França. Lá, a mulher "acordava às 5 e 30 da
manhã para ir trabalhar a troco de pouco mais de mil euros mensais". Desde
que reside na Lourinhã, continua a levantar-se a essa hora mas... para fazer
desporto! "Com a minha reforma, vivemos os dois confortavelmente",
diz Marc. "Estamos muito felizes aqui."
Jean Pierre
Hougas, um dos líderes da União dos Franceses no Estrangeiro, conta que todos
os dias chegam compatriotas seus a Portugal, "uns para explorar, outros
para ficar". "Muitos estão desiludidos com o rumo da França e
procuram alternativas", admite. Na região Oeste, residem cerca de 250
famílias gaulesas. Na terceira quarta-feira de cada mês, juntam-se ao almoço
para partilhar vivências e manter o contacto. Apreciam "a qualidade de
vida, o sol, a comida, a integração fácil, a segurança que não sentem em
França. E a questão fiscal pesa na decisão final", garante Jean Pierre
Hougas.
Um bom lugar
para... gastar
O regime fiscal
dos residentes não habituais é possível para cidadãos de países com os quais
Portugal tenha firmado acordos destinados a eliminar a dupla tributação. Esses
acordos existem com todos os países da União Europeia e com inúmeros outros,
como os Estados Unidos, o Brasil, o Japão, etc. Os países de origem,
naturalmente, saem a perder. São as suas seguranças sociais que pagam as
reformas, sem retorno a nível fiscal. Por essa razão, a administração fiscal
francesa, por exemplo, não facilita - muitos franceses têm de vender a sua casa
no país natal, ou passá-la a familiares para evitar que a mesma seja
considerada residência principal - e tributada como tal.
Mas não são só os
franceses que aproveitam as vantagens fiscais em Portugal. O italiano Francesco
Castellaneta, 32 anos, dá aulas de Empreendedorismo desde setembro de 2011 na
Escola de Negócios da Universidade Católica, bem cotada internacionalmente. Já
neste ano, deverá aproveitar o estatuto fiscal criado em 2009, pelo Governo de
José Sócrates, que lhe permitirá pagar uma taxa de IRS de apenas 20% sobre o
rendimento.
Francesco sempre
quis experimentar uma carreira internacional, depois de concluir o doutoramento
na Universidade de Bocconi, em Milão. Analisou outros países europeus, os
Estados Unidos e até algumas nações árabes, mas as semelhanças que diz ter
encontrado entre o nosso país e a sua "bella Italia" fizeram-no optar
pela Católica. Não esconde que a vantagem fiscal "foi importante", mas
a escola também pesou, e muito, na decisão. "Adorei Portugal e a cidade de
Lisboa, mas a minha
primeira escolha
foi a Católica, uma boa instituição para fazer uma carreira", afirma. E
assim pode juntar "um bom emprego" a "uma boa vida".
O primeiro filho
de Francesco nasceu em Lisboa, meses depois da chegada. Hoje, o casal
Castellaneta é um feliz proprietário de um apartamento na capital, comprado por
cerca de metade do preço que teria custado em Milão. "Gostamos muito de
viver aqui. As pessoas são simpáticas para os estrangeiros. É um bom local para
ganhar dinheiro e... também para gastá-lo", diz, com uma gargalhada.
Na moda entre os ricos
Recentemente, no
Salão do Imobiliário português em Paris, Miguel Poisson, diretor-geral da Era,
ficou surpreendido. "Não me lembro de nenhuma outra feira em que tivesse
angariado tantos contactos", refere. É que os reformados franceses
acorreram em peso. Em Lisboa, procuram, essencialmente, apartamentos e, no
Algarve e na linha do Estoril, vivendas. Os valores rondam os 200 mil e os 300
mil euros. "Normalmente pagam a pronto, mas há quem apareça com um crédito
já pré-aprovado por um banco francês", descreve Poisson.
As contas já
estão feitas: "Um reformado francês da classe média/alta pode poupar, em
impostos, em Portugal, cerca de mil euros por mês. O fator fiscal é
decisivo", continua o diretor-geral da imobiliária Era. Em França, a
tributação pesada levou o ator francês Gérard Depardieu a aceitar uma espécie
de "asilo fiscal" na Rússia, para escapar à ameaça do Presidente
Hollande de taxar em 75% os rendimentos mais elevados...
Para Miguel
Poisson, os pensionistas europeus, a par dos clientes dos vistos gold, estão a
dar um empurrão ao mercado imobiliário português. Aliás, é preciso distinguir
os residentes não habituais dos residentes com visto gold. Estes são,
sobretudo, cidadãos de países fora da União Europeia que procuram, com o visto
português, a livre circulação dentro do espaço europeu. Para o obter, precisam
de investir no nosso país ou comprar um imóvel a um preço mínimo de 500 mil
euros. Chineses, brasileiros, russos e angolanos são as nacionalidades
predominantes. Para os residentes não habituais não há valores mínimos. Eles só
têm de fixar a residência fiscal em Portugal para beneficiar das vantagens da
lei (ver caixa O que diz a lei). São principalmente os
europeus a pedir o estatuto.
A Remax estima
que o aumento na procura de imóveis por parte dos reformados estrangeiros seja
de 300% na sua agência. "Grande Lisboa e Algarve continuam a ser as zonas
com mais procura. No entanto, temos assistido a um desenvolvimento deste
mercado na zona Norte e Ilhas que já começam a ser procuradas também por
clientes estrangeiros", refere Marta Dotti, responsável pelo marketing.
A imobiliária
Luxus tem registado, igualmente, uma procura crescente de imóveis por parte de
estrangeiros. "Portugal tornou-se um país trendy, está na moda entre os
ricos de todo o mundo", afirma Frederico Abecassis. Encontramos o
diretor-geral da agência no empreendimento Vivamarinha, bem no coração da
exclusiva Quinta da Marinha, em Cascais. O edifício inclui um hotel de cinco
estrelas (com quartos e apartamentos T1 e T2 para alugar) e uma ala de
apartamentos T3 e T4 para vender.
Condomínio privado, claro.
Dos 53
apartamentos, 24 já estão vendidos, sobretudo a estrangeiros, com os franceses
e os brasileiros à cabeça. O preço começa nos 834 mil euros (por um T3 de 186
metros quadrados) e não acaba nos 1,45 milhões de euros do T4 de 250 metros
quadrados porque existem muitos outros valores que podem ser somados. Há quem
compre o imóvel já mobiliado e assim se acrescentam mais uns milhares de euros.
Depois, é possível usufruir dos serviços do hotel: limpeza, portaria,
pequeno-almoço e restaurante, spa, ginásio... tudo pago à parte. Finalmente, é
preciso contar com o valor do condomínio: 300 euros por mês, em média, para
manter aquela vida no campo. Um campo limpo e organizado, com relvados bem
tratados, cavalos e campos de golfe mesmo ali ao lado.
Apenas acessível
a estrangeiros? Não. Mas Portugal - País pequeno com um salário médio, bruto,
de €914, e uma pensão média de €420 - não gera assim tanta gente com este poder
de compra. Dados de 2012, anteriores ao "enorme aumento de impostos",
mostram que só uma em cada quatro famílias aufere mais de 19 mil euros brutos
de rendimento anual. Basta que marido e mulher recebam, cada um, 680 euros
mensais brutos, para que o agregado familiar pertença aos 25% mais afortunados
do País. Ricos, nós?
O QUE DIZ A LEI:
PARA SER
ENQUADRADO NO REGIME HÁ DUAS CONDIÇÕES:
Não ter sido
tributado como residente fiscal em Portugal nos cinco anos anteriores;
Viver em Portugal
183 dias por ano ou, tendo vivido menos tempo, possuir uma habitação com a
intenção de a manter como residência habitual
EXISTEM DOIS
GRUPOS DE PESSOAS COM VANTAGENS FISCAIS:
Pensionistas:
Isenção do pagamento do IRS durante 10 anos
Trabalhadores no
ativo: Taxa fixa de IRS de 20%, durante 10 anos, para os rendimentos, auferidos
em Portugal, dos profissionais de alto valor (arquitetos, engenheiros, médicos,
artistas, auditores, professores universitários, investigadores, investidores,
administradores e gestores); se os rendimentos tiverem origem estrangeira,
então beneficiam de isenção de IRS
OUTROS ASPETOS A
TER EM CONTA:
À taxa fixa de
20% acresce 3,5% da sobretaxa do IRS. Acresce também a taxa adicional de
solidariedade, que é progressiva e só se aplica à parte do rendimento coletável
que seja superior a €80 000.
Outras ganhos
pessoais de mais-valias, juros, rendas ou dividendos, também estão incluídos no
regime especial do IRS, ou seja, ou estão isentos ou beneficiam de taxa
reduzida.
COMO É LÁ FORA:
Como Portugal, há
outros países europeus que concedem benefícios aos reformados estrangeiros. Caso
do Reino Unido, da Irlanda e de Malta.
Também há mais
países a conceder taxas reduzidas a trabalhadores estrangeiros no ativo. Caso
de Espanha, França, Holanda, Bélgica, Irlanda e Reino Unido.
Espanha não nos
faz concorrência na atração de reformados por via fiscal. No entanto, o seu
regime especial para trabalhadores por conta de outrem tem vantagens: aplica-se
a todos os que ganhem menos de 700 mil euros por ano e não apenas a
profissionais de alto valor; a taxa de IRS é mais alta do que a nossa, 24,74%,
mas a segurança social é plafonada, não incidindo sobre a fatia salarial que
excede os €3 000. Por exemplo, um salário de €10 000 paga uma taxa para a
Segurança Social sobre €3 000, estando os restantes €7 000 isentos.
O regime fiscal
dos residentes não habituais foi publicado em 2009, mas só no final de 2012 se
limaram arestas burocráticas que estavam a colocar entraves à aplicação da lei.
Por essa razão é que 2013 foi o ano da grande explosão de pedidos de isenção ou
de redução das taxas de IRS.
O ano passado, as
finanças registaram 1 078 novos pedidos de inscrição, o que representa um
aumento de 98% face aos anos anteriores. Este ano, a média tem sido de dois por
dia. Holandeses, franceses e suíços encabeçam a lista.
Em linhas gerais,
o estatuto permite que os reformados que recebam a pensão noutro país tenham
isenção de IRS durante 10 anos. Por outro lado, os profissionais de valor
acrescentado (como engenheiros ou investigadores) que venham trabalhar para
Portugal beneficiam de uma taxa fixa de 20% de IRS, pelo mesmo período.
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