Bruxelas teme que Cameron lance
“bomba atómica” contra Juncker
ISABEL ARRIAGA E
CUNHA (Bruxelas) 25/06/2014 - PÚBLICO
Primeiro-ministro britânico pode vetar, na cimeira de sexta-feira, a
nomeação do luxemburguês para suceder a Durão Barroso.
O alarme
instalou-se em Bruxelas face à possibilidade de David Cameron,
primeiro-ministro britânico, avançar para o que é considerado uma verdadeira
“bomba atómica” para bloquear, na sexta-feira, a nomeação de Jean-Claude
Juncker para suceder a Durão Barroso na presidência da Comissão Europeia.
Os rumores
abundam em Londres sobre a possibilidade de Cameron invocar o chamado
“compromisso do Luxemburgo” para vetar a nomeação do luxemburguês durante a
cimeira de líderes dos 28 países da União Europeia (UE), na sexta-feira, em que
a decisão é esperada.
Essa
eventualidade está a ser levada muito a sério e mesmo a assustar vários
responsáveis europeus devido às implicações que terá para as relações entre os
Estados-membros e, sobretudo, para a posição do Reino Unido na UE.
O “compromisso do
Luxemburgo” é um acordo de cavalheiros que foi concluído em 1966 para acabar
com a chamada crise da “cadeira vazia” provocada pelo então Presidente francês,
Charles de Gaulle.
A crise resultou
da recusa dos franceses em se sentarem à mesa do Conselho de Ministros dos
então Seis países fundadores – que tem a competência para aprovar, alterar ou
rejeitar as propostas legislativas da Comissão Europeia – para protestar contra
a passagem da unanimidade para a maioria qualificada numa série de decisões
europeias.
Prevista no
Tratado de Roma de 1957, esta passagem progressiva da unanimidade para a
maioria qualificada resultou da vontade dos países fundadores de orientar o
projecto europeu de uma cooperação entre governos – intergovernamental – para
uma integração “comunitária”, assente em instituições europeias viradas para o
desenvolvimento do interesse comum.
A crise da
“cadeira vazia”, que durou sete meses, foi resolvida graças ao “compromisso do
Luxemburgo” no qual os Seis aceitaram que se absteriam de tomar uma decisão por
maioria qualificada que afectasse um “interesse vital” de um dos
países-membros.
Este compromisso,
que nunca teve expressão jurídica em nenhum tratado da UE, é considerado a
“bomba atómica” que só é invocada em casos absolutamente excepcionais e com
custos políticos importantes para o país em causa. Este direito de veto é
considerado totalmente contrário ao espírito e à letra dos tratados, porque é
visto como o símbolo dos aspectos mais negativos da Europa “intergovernamental”
em que o poder pertence aos países mais poderosos, com a agravante de que
representa uma ameaça real de bloqueio da UE.
Na memória de um
diplomata europeu com uma longa experiência, este compromisso foi invocado pela
última vez em 2005 pela Polónia num diferendo sobre a reforma do regime de
ajudas europeias à produção de açúcar e contou com o apoio da França e do Reino
Unido.
O risco de
Cameron invocar um “interesse vital” é considerado real devido ao isolamento
total em que se colocou na oposição à nomeação de Juncker, o candidato dos
partidos de centro-direita (PPE) e que foi apresentado como tal nas eleições
europeias de Maio.
Para Londres, o
luxemburguês, grande defensor do aprofundamento da integração europeia,
representa tudo o que Cameron e o seu partido conservador cada vez mais
antieuropeu combatem.
Isolado, e
contando apenas com o apoio do seu homólogo húngaro, Viktor Orban, Cameron já
deixou em todo o caso claro que pedirá a Herman van Rompuy, que preside às
cimeiras dos 28, para proceder a uma votação. A ser assim, esta será só por si
uma situação totalmente inédita, já que os líderes deliberam sempre por
consenso.
Desde o Tratado
de Nice de 2002, no entanto, que a nomeação do presidente da Comissão Europeia
apenas precisa do apoio de uma maioria qualificada dos 28, o que, neste caso,
está mais do que garantido.
Se uma eventual
passagem ao voto já é uma situação que causa desconforto nalguns países, a
possibilidade de Cameron invocar um “interesse vital” para bloquear Juncker
está a provocar o maior embaraço.
“O compromisso do
Luxemburgo existe para o Conselho [de Ministros dos 28], mas nunca foi um
argumento no Conselho Europeu [as cimeiras de líderes]”, assegura um
responsável europeu, garantindo que esse risco não existe.
Mesmo sabendo que
esta fórmula não tem qualquer base jurídica, vários diplomatas europeus
reconhecem, contudo, que “o compromisso do Luxemburgo existe politicamente na
cabeça de alguns” dos líderes. Isso significa que a dúvida persistirá até
sexta-feira sobre o que farão os líderes num cenário desses, entre suspender a
decisão, eventualmente adiando-a duas ou três semanas para permitir um “tempo
de reflexão”, ou se forçarão a decisão contra Cameron.
Em qualquer dos
cenários, o chefe do Governo britânico – que enfrenta uma pressão interna cada
vez mais forte contra a Europa – poderá ganhar alguma popularidade ao
apresentar-se à sua opinião pública como um homem de convicções que se bateu
até ao fim pelo que considera o melhor para a Europa, mas foi maltratado pelos
seus parceiros europeus.
Para os outros
países, em contrapartida, o risco é que um confronto desta amplitude acentue
ainda mais o afastamento do Reino Unido face à Europa, acelerando a sua
possível saída da UE.
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